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Seção V: Do desencaixe à reflexividade étnica: Os múltiplos sentidos da formação de professores indígenas na Escola Itinerante, em que mostro as experiências pedagógicas

TIPO PERFIL AÇÃO TIPIFICADA

P rof es sor de P rim eir a G er aç

ão Professores que compõem o primeiro quadro fixo de formadores da Escola Itinerante, na sua maioria trata-se do grupo formado pelo Projeto Parkatêjê, mas também alguns com formação específica na temática indígena, como linguística, e etnoconhecimentos. Possuem sólida formação intercultural e grande experiência de campo em áreas indígenas; larga experiência com educação escolar indígena, conhecem as aldeias e os grupos étnicos atendidos nas frentes educacionais de formação. Articulam a criação da Escola Itinerante.

Forçam para manter o padrão de atividades conforme os contextos interétnicos; despendem da instituição os subsídios necessários para manter o padrão de atividade das frentes de formação esbarrando em questões orçamentais, planejamento e logística; negociam com a agência de educação do estado o padrão de atividades da educação diferenciada e toda a infraestrutura necessária a sua execução; selecionam os outros perfis de professores que entram nas frentes de formação; identificam-se como ativistas/entusiastas da questão indígena; acumulam funções docentes e administrativas; atravancam ações institucionais externas ao setor de educação indígena diferentes de seus quadros de autorrepresentação sobre como se deveria proceder a política; pouco críticos em relação às atividades, estrutura e funcionamento da Escola Itinerante; reticentes em relação a conflitos institucionais, se autorrepresentam de forma idealizada como pioneiros. P rof es sor R em ane sc ent e

Professor de primeira geração que se manteve na Coordenação de Educação Escolar Indígena, exerce funções administrativas.

Reproduz padrão básico dos professores de primeira geração. Intermedia a entrada de novos componentes nos quadros da CEEIND. Promove a dissuasão de indígenas à revogação da proposta curricular do Magistério da Escola Itinerante. É reticente em relação a conflitos institucionais, reelabora o significado da Escola Itinerante discursivamente, a partir dos marcos legais, desconsiderando os conflitos que emergiram durante o processo de formação de professores indígenas pela Escola Itinerante. Se auto representa como ativista da causa educacional indígena.

P rof es sor de P er ío do R ec ent

e Professor de perfil variado, alguns com formações específicas na questão indígena e etnoconhecimentos, outros sem experiência com a questão interétnica, neste caso compondo um subgrupo diversificado, com professores apenas graduados, outros com pós-graduação, alguns atuando em escolas particulares, universidades privadas, também na educação de detentos em sistemas prisionais. Em geral não tiveram maiores contato e intercâmbio com os grupos indígenas atendidos.

Assumem um dos padrões discursivos mais críticos dentre todos os atores tipificados; criticam padrão de atividades de professores de primeira geração, a ausência dos indígenas na formulação ativa da Escola Itinerante; questionam a ausência de política de formação para os formadores; questionam condições docentes: remuneração, apoio pedagógico, ausência de materiais didáticos para professor e cursistas, infraestrutura; situação escolar dos cursistas pois retomam conteúdos de etapas de escolarização que não foram concluídas ou ministradas; mas também compreendem a Escola Itinerante como um espaço privilegiado para entrar em contato com grupos indígenas, nesse ponto, chegam a eufemizar as dificuldades enfrentas nas frentes de formação devido ao impacto da experiência intercultural que vivenciam.

Algo que chama atenção entre os professores de período recente, principalmente nos que não tiveram contato com grupos indígenas, é o impacto que a experiência interétnica lhes causa, de modo que em suas compreensões, as questões sobre precariedade de condições para realizar as formações chegam a ficar em alguns casos em segundo plano. Nos professores de primeira geração e remanescentes a autoimagem idealizada é bem presente, também é idealizado o plano sobre o qual concebem o entendimento de como se dá a formação dos professores indígenas, sempre se reportando a contextos etnográficos estáticos, de um indígena idealizado, a despeito das transformações culturais que os grupos trazem em seu histórico de contato. Neste ponto também chama atenção o plano dos discursos que se realizam contornando as tensões que os outros grupos de atores enfatizam.

Deve-se salientar nesse painel discursivo que a reticência e quase disposição lacônica dos professores de primeira geração sobre o quadro de tensões evidenciado por outros atores não pode ser entendida fora da atual situação biográfica em que eles rememoram suas vivências em torno da Escola Itinerante, visto que, no momento em que foram abordados para esta pesquisa, já estavam em atividades alheias à educação escolar indígena, muitos deles já aposentados, ou exercendo atividades em outras áreas.

4.2 - Desencaixe e Tempo da Formação: desmentindo algumas noções sobre o “tempo do índio”

Ao elucidar alguns pontos de constrangimento à realização da política de formação de professores indígenas no Brasil, Grupioni (2008) mostrava que a transposição de práticas de contextos etnográficos e arranjos institucionais específicos para as novas políticas públicas resultavam em propostas de formação de professores indígenas que não correspondiam às demandas de qualificação que se esperava. Todas aquelas habilidades e competências as quais o professor indígena tivesse de estar apto ao fim de sua formação, tal como enfatizava o Referencial para Formação de Professores Indígenas, documento de 2002, elaborado pelo MEC com os professores indígenas, teriam de ser contempladas no planejamento das atividades, seja nos componentes curriculares, seja no próprio planejamento das atividades de formação.

Assim sendo, a formação do professor com competências e habilidades para pesquisar e sistematizar conhecimento, conhecedor de sua língua materna, capaz de produzir material didático para uso em sala de aula, com capacidade de mediar relações entre seu grupo e a sociedade envolvente, dentre tantos outros componentes desejáveis à

concepção de professor que os referenciais tomam como parâmetro para exercer atividades de docentes nas aldeias (MINDLIN, 2003, p.148) esbarra na situação de escolaridade pregressa desses professores indígenas (que em sua maioria completaram muitas etapas de escolarização por meio de cursos ou testes supletivos92), fato que nem sempre esteve previsto no planejamento dos cursos de magistério indígena, ao que decorre haver várias situações de “atraso” nas formações, elevando o tempo previsto para formar o professor indígena (SOARES, 2005; GRUPIONI, 2003b/2008).

Se levarmos em consideração esses aspectos sobre o tempo da formação no Plano Político Pedagógico da Escola Itinerante, verificamos que o tempo previsto da formação em 4 anos, com duas etapas presenciais ao ano, perfazendo o total de 1.740h de estudos intensivos e coletivos, com mais 1.670h de atividades não presenciais, incide diretamente nessas questões, tanto no que tange ao seu padrão de atividades, quanto aos resultados que daí decorrem. Mas o que dizer das ações que os próprios indígenas passam a veicular junto ao Ministério Público Federal, em 2009, no sentido de acelerar as formações?93 (demanda esta, que será reivindicada pela CEEIND/SEDUC-PA por meio do Plano de Aceleração de Estudos para Professores Indígenas em Formação, empreendido em 2009 como ação conjunta à Escola Itinerante, financiada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

Se partirmos do padrão de atividades durante o período que vai de 200494 até o ano de conclusão da última turma, já em 2014, poderemos assentar as bases de minha compreensão sobre a Escola Itinerante dentro de um quadro bastante significativo sobre o que ela efetivamente significou em termos numéricos ao processo de formação de professores índios no estado do Pará. Pela Tabela 3 (na página 156 a seguir) pode-se observar que 66,5% de seu alunado evadiu-se do curso. Este número é significativo e incontornável. No Polo de Altamira, essa evasão chega à marca de 81,1% do total de

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Essa situação também é a que ocorre no estado do Pará, no período que antecede a criação da Escola Itinerante, as diversas situações de escolarização foram resolvidas por meio de exames de supletivos especiais, implementados pela Resolução n°361/2001 do Conselho Estadual de Educação do Pará, a fim de dar certificação em ensino fundamental para habilitar os professores indígenas ao curso normal de magistério em ensino médio.

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É importante salientar que nesse quesito específico a ação questionava o longo intervalo entre as formações, conforme anexo XII

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cursistas, sendo, em contrapartida, o maior percentual de concluintes realizado na turma do Polo de Paragominas, com o modesto número de 53,5%. A tabela a seguir sintetiza de modo muito contundente o fato de que a Escola Itinerante não conseguiu, no período em que esteve ativa, atender satisfatoriamente a todo o seu público.

Tabela 3– Fluxo de Atividades da Escola Itinerante Segundo Demanda, Tempo e Conclusão de Cursista entre 2004 a 2014

Polo Início Término Tempo de Formação* Alunos Iniciais Alunos Concluintes Concluinte (em %) Evasão (em %) ORIXIMINÁ 2004 2012 8 73 36 49,3 50,7 CAPITÃO POÇO 2004 2012 8 37 14 37,8 62,2 SANTARÉM 2007 2012 5 174 73 42 58 PARAGOMINAS 2008 2013 5 43 23 53,5 46,5 SÃO FELIX 2010 2014 4 76 32 42,1 57,9 ALTAMIRA 2010 2014 4 265 50 18,9 81,1 MARABÁ 2010 2013 3 55 14 25,5 74,5 Total 723 242 33,5 66,5 Fonte: CEEIND/SEDUC-PA, 2014. * Em ano

Elaborado por Marra, 2014

No entanto, a despeito de haver aqui uma forte evidência sobre o “fracasso escolar” do magistério indígena, a mesma tabela dá algumas pistas para entendermos algumas dimensões que estão em jogo nesse processo. Mesmo havendo um padrão-médio de evasão por turma, de 61,6% dos cursistas em relação a 38,4% dos que concluem, (com desvio padrão de 12,4%) para os casos observados, o que mais chama atenção é a regularidade desses números paralelos à diminuição do tempo médio da formação, indo do tempo máximo de 8 anos nas primeiras turmas iniciadas em 2004, mas chegando apenas a 3 anos de formação nas turmas mais recentes, conforme a Tabela 4 (na página 157).

Daí decorre que a diminuição do tempo médio da formação não significou aumento no percentual de concluintes, pelo contrário, se observarmos ainda a Tabela 3, para os casos de tempo da formação que variam entre 3 a 4 anos, a média de evasão constitui a mais alta (71,1%), em relação aos maiores períodos de formação (entre 5 a 8 anos), que juntos compõem a média de evasão de 54,3% em relação ao período de menor tempo de formação. Esses números mostram que, mesmo havendo um padrão alto de evasão em todo período (61,6%) o desvio padrão da evasão (12,4%) recai sobre as turmas que se formaram em menor tempo, isto é, o abandono aumenta à medida que o tempo da formação diminui.

Tabela 4– Padrão de Êxito da Escola Itinerante entre 2004 a 2014