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O perfil do aluno: conflitos entre os valores da proposta curricular e a ideia de educação como

5. AS TENSÕES E DESAFIOS DE UM CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NA INICIATIVA PRIVADA: O CASO

5.3.5 O perfil do aluno: conflitos entre os valores da proposta curricular e a ideia de educação como

A realidade de ensino superior no Brasil nos últimos anos vem sofrendo significativas transformações. Entre as múltiplas mudanças é visível que o público que atualmente encontramos dentro das salas de aula das universidades brasileiras não se restringe mais àquele perfil de classe média advindo em sua maioria de escolas particulares.

De acordo com o perfil de entrada dos alunos do curso de Serviço Social da Faculdade Estácio FIR, trata-se de alunos oriundos de escola pública que visualizam, através dos principais programas de governo109, a oportunidade de inserção no ensino superior. Trata-se de alunos que ingressam no ensino superior tardiamente, a grande maioria apresenta um intervalo de mais de dez anos sem estudar. Atualmente, o curso tem um quantitativo de 499 alunos na seguinte situação:

TABELA 7 - QUANTITATIVO DE ALUNOS DE SERVIÇO SOIAL 2014.1110

SITUAÇÃO NÚMERO DE ALUNO

Ativo 482

Cancelado 4

Trancado 10

Transferido 3

Total Geral 499

O gráfico abaixo ilustra o quantitativo de alunos cancelados, trancados e transferidos no período de 2014.1 que totalizam 17 alunos. Vale considerar que os alunos que solicitam cancelamento, trancamento ou transferência passam por uma entrevista que objetiva identificar as razões da solicitação. O que se observa como motivo fundamental dos trancamentos são reprovações (mais de 2), que impactam na perda do Fies.

109 A maioria dos alunos são adeptos do Fies.

Nesse sentido, o que temos observado é um grande impacto no cotidiano docente e discente, no que se refere à perda do Fies por reprovação. Os alunos(as) têm ao final de cada semestre argumentado que não podem reprovar por razão da perda do Fies e vêm, sobremaneira, apresentando essas justificativas, tanto para o docente quanto para as coordenações. Fato que cria inconveniências na relação docente-discente, a exemplo das reclamações e exigências baseadas nesse argumento.

É nesse contexto que a ampliação de vagas que teve seu início no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90, com reforço e ampliação nos Governos Lula e Dilma, fez com que o número de vagas sofresse considerável mudança, bem como alterou o perfil do aluno universitário, em especial, o das faculdades privadas. Como consequência, houve:

Massificação da educação superior. O aumento expressivo da relação professor x aluno inviabiliza o desenvolvimento de práticas pedagógicas que garantam uma maior proximidade na relação dos docentes com os alunos e diferenciação de suas [dos alunos] potencialidades e dificuldades no processo de ensino- aprendizagem. (DOCENTE 8).

Já no que se refere ao perfil social, o corpo discente da Estácio FIR é formado em sua maioria por um público que trabalha e que busca no ensino superior uma forma de competir no mercado de trabalho, ampliando as possibilidades de retorno financeiro e cultural.

Vejo um perfil de aluno com frágil formação e péssimo aprimoramento da escrita, leitura e linguagem; que tem pouco acesso à cultura e lazer; alunos trabalhadores; alunos que moram em cidades do interior e levam mais de 2 horas para chegar na faculdade. (DOCENTE 3).

Nesse aspecto, encontro as maiores dificuldades dessa faculdade, pois considero que o alunado apresenta sérias lacunas na formação básica e grandes dificuldades em articular o pensamento. (DOCENTE 6).

No que se refere ao perfil de sexo do alunado do Curso de Serviço Social, observa-se que em sua maioria são mulheres, conforme tabela e ilustração abaixo:

TABELA 8: PERFIL POR SEXO

TIPO DIVISÃO POR SEXO % SEXO

FEMININO 449 89,98%

MASCULINO 50 10,02%

Total Geral 499

A situação Estácio FIR é reflexo da opção feminina que já vem sendo colocada nos mais de 70 anos da profissão. No entanto, no caso da Estácio, o perfil dessa mulher é de mães, trabalhadoras que se inserem tardiamente no ensino superior.

Uma das explicações é a forma de ingresso deste aluno “captado” a qualquer custo, que passa a se comportar, em alguns casos, mais como cliente do que como aluno em processo de formação. E, nesse contexto, o desafio está em quebrar as relações que se baseiam na educação como mercadoria, que perpassam o cotidiano do discente, docente e coordenação e que interferem numa formação crítica e comprometida com uma sociedade emancipada. Os argumentos perpassam a frase “eu estou pagando”.

Tentando garantir resultados financeiros e lucratividade, o setor privado de ensino superior se depara com duas faces de uma mesma moeda. De um lado, a necessidade de garantir continuidade e lucratividade em um segmento cada vez mais competitivo; por outro, o perfil de um aluno cada vez mais inapto para as

exigências do universo acadêmico. Segundo os docentes entrevistados, nessa visão, “há uma postura clientelista por parte do alunado” (DOCENTE 5) e essa perspectiva é imposta em diversas ocasiões. “Consideram-se na posição de determinar horários, conteúdos e rotina do docente” (DOCENTE 5).

Diante do exposto, faz-se cada vez mais necessário entender as diversas variáveis que compõem este contexto. Observa-se que surge como um “novo” ator neste cenário de disputa, com deficiências e entraves encontrados por este grupo para se adaptar na cultura universitária que tradicionalmente esteve associada a camadas economicamente superiores.

Entre as múltiplas dificuldades relatadas pelos docentes estão desde defasagem de aprendizado até a evasão de alunos, além de outras vivenciadas dentro da instituição. Nesse sentido, identificar as raízes destas dificuldades para entender de forma mais aprofundada a realidade social e econômica do corpo discente do curso tem sido uma estratégia de ação. Trata-se de um “aluno trabalhador sem tempo de estudar, ler e sem iniciativa de pesquisar outras fontes” (DOCENTE 7).

Dentre os(as) alunos(as), predomina a presença de precária escolarização; insuficiência de tempo para estudo e execução de atividades como estágio/pesquisa/extensão; baixo acesso a eventos culturais (cinema/teatro/frequência a livrarias...). Cabe destacar o visível esforço empreendido pelos(as) alunos(as) no sentido de minimizar essas questões. (DOCENTE 1).

Tomando como premissa o fato de que a educação deve ser encarada como um direito fundamental de todos, acredita-se que, a partir destes dados, poder-se-á gerar, futuramente, mecanismos institucionais para superar/minimizar os entraves – que são consequência das desigualdades sociais econômicas – que recaem sobre a realidade deste público ao longo de sua formação acadêmica, gerando, frequentemente, a desistência e o abandono do curso.

Nesse contexto, é evidente a dificuldade da formação, considerando as deficiências “de base” educacional dos discentes111. Esse perfil, além de propiciar embates com a proposta curricular, nas ocasiões em que o aluno se coloca como

111 A grande maioria dos alunos é oriunda de Escola Pública e aqui vale ressaltar o descaso com o ensino

público no Brasil, de forma particular, com o ensino fundamental e médio, cuja formação é incipiente, desqualificada e não prepara o alunado e o jovem brasileiro para a vida, nem para o ensino superior. A estes é delegada a atividade de trabalho manual ou técnico que atende as exigências de um mundo demarcado pela divisão internacional do trabalho, que destina o ensino superior e a pesquisa a uma elite intelectual, vinda da classe dirigente e economicamente detentora dos meios de produção.

“cliente”, também vai contra a direção ético-política assumida na formação em Serviço Social. Outro elemento dificultador está na compreensão crítica da realidade a partir de uma formação que se constitui generalista e de base teórica que exige leitura da realidade a partir dos clássicos da política e da economia.

O desafio para os docentes e coordenações é, mesmo diante dos problemas advindos do perfil dos alunos, formar profissionais críticos, propositivos e que possam na sua prática profissional atuar em consonância com o projeto de sociedade comprometido com a classe trabalhadora.