• Nenhum resultado encontrado

2. O CONTEXTO DE ENSINO DE PLE NO MERCOSUL

2.2 O contexto de ensino de PLE na Argentina

2.2.3 Perfil de alunos que estudam português

Com o intuito de conhecermos os diferentes públicos a que se destina o ensino de português na Argentina, aplicamos um questionário (conforme podemos observar abaixo), em língua portuguesa, com cinco perguntas estruturadas numa linguagem simples a fim de facilitar a participação dos discentes. Visitamos três público distintos: público 1 (estudantes de ambos os sexos das escolas secundárias particulares, com idade entre 14 e 16 anos), público 2 (estudantes de ambos os sexos de cursos livres, com idade entre 17 e 28 anos) e público 3 (estudantes aposentados de ambos os sexos da UPAMI, todos com idade igual ou superior a 60 anos - mulheres e 65 - homens).

Estimado estudante,

Suas respostas são de fundamental importância para a efetivação de um estudo empírico e, consequentemente, para a concretização de minha pesquisa. As informações fornecidas serão confidenciais, e sua identidade não será divulgada.

Contando com a sua colaboração, agradeço pela atenção dispensada.

1. Em sua opinião, qual a importância da oferta de língua portuguesa nas escolas da Argentina?

2. Qual o seu interesse em estudar a língua portuguesa? 3. Como você descreveria a cultura do povo brasileiro? 4. O que há de mais fácil e difícil na língua portuguesa?

5. Você gosta do livro didático adotado pela sua escola para o ensino de língua portuguesa? Mudaria algo nele?

De acordo com os resultados deste questionário, podemos visualizar as respostas que aparecerem em maior número em cada público no quadro abaixo:

Quadro 3 – Respostas dos três públicos de estudantes de PLE

Questionamentos Público 1 (Discentes de escola secundária) Público 2 (Discentes de cursos livres) Público 3 (Discentes aposentados) 1. Em sua opinião, qual a importância da oferta de língua portuguesa nas escolas da Argentina? Proximidade geográfica entre os dois países. Proximidade geográfica, econômica e cultural entre as nações em sua totalidade. Importância cultural e econômica da língua portuguesa, apresentando como aspectos importantes o uso desta língua para futuros trabalhos (para os jovens) ou para viagens de férias (para eles).

2. Qual o seu interesse em estudar a língua portuguesa?

Utilização do idioma

num futuro trabalho. Gosto pela cultura e pela língua portuguesa, além do objetivo de viajar ao Brasil nas férias.

Utilização do português para viajar de férias ao Brasil a fim de visitar familiares e amigos que aqui residem.

3. Como você descreveria a cultura do povo brasileiro? Relação com elementos sociais: alegria, diversão, simpatia. Relação com elementos geográficos: praias e calor. Relação com elementos sociais: alegria.

Relação com elementos sociais: alegria.

4. O que há de mais fácil e difícil na língua portuguesa?

Facilidades: leitura,

vocabulário e

aspectos que as duas línguas têm em comum. Dificuldades: gramaticais da língua (principalmente a conjugação verbal) e a pronúncia. Facilidades: práticas escritas (produção e compreensão). Dificuldades: práticas orais (produção – principalmente relacionada à pronúncia – e compreensão), acrescentando dificuldades em conjugar os verbos. Facilidades: vocabulário, leitura, produção oral. Dificuldades: gramática

(principalmente a

conjugação verbal) e pronúncia, (vista como aspecto bastante difícil de se aprender).

5. Você gosta do livro didático adotado pela sua escola para o ensino de língua portuguesa? Mudaria algo nele?

Avaliam positivamente seu LD, mas muitos agregariam à obra músicas, vídeos, cores e modificariam a forma que se apresentam os conteúdos verbais. Avaliam positivamente seu LD, mas acrescentariam aspectos culturais, pois consideram seu livro “pobre” com relação a músicas, vídeos, textos que apresentem a cultura brasileira.

Não utilizam LD.

Fonte: Elaborado pela autora a partir das respostas dos questionários.

A fim de que o leitor compreenda melhor a situação, passamos a analisar os dados conforme as respostas às questões. Inicialmente, observamos que, para esta primeira pergunta, levamos em consideração o conhecimento dos alunos sobre a obrigatoriedade do ensino de português nas escolas secundárias argentinas e visamos um olhar sobre a oferta. O público 1, em maioria quase total, apontou a proximidade geográfica entre os dois países como dado relevante para esta obrigatoriedade. Além destas respostas, apresentadas em minoria, estavam a importância para futuras profissões e trabalhos (que pudessem ser realizados no Brasil) e viagens de férias. O público 2 apresenta a proximidade geográfica e cultural entre as nações em sua totalidade, apresentando um comentário revelador de um dos discentes sobre a desobediência às leis argentinas quanto à oferta “Nas escolas da Argentina não há muita oferta da língua portuguesa. Acho que poderia haver mais”. O público 3 apresenta a importância cultural e econômica da língua portuguesa, apresentando como aspectos importantes o uso desta

língua para futuros trabalhos (para os jovens) ou para viagens de férias (para eles), visto que estes dois grupos normalmente viajam ao Brasil por estes motivos. Interessante observarmos como a maturidade de cada grupo pode ser percebida nas respostas. O Público 1 tem uma percepção espacial, entendendo que pelo Brasil ser próximo, a língua deve ser ensinada a fim de facilitar a comunicação entre as duas nações; o público 2 reflete também de forma espacial, mas acrescenta a cultura (considerada por eles como próxima) como um aspecto que deve ser motivador para o ensino de PLE; já o público 3, apresenta a importância cultural e econômica da língua de uma nação como o Brasil.

Com a segunda pergunta buscamos observar o objetivo de cada estudante ao se propor a estudar a língua portuguesa (levando em consideração que nenhum dos estudantes estava obrigado a realizar esta prática, inclusive os alunos de escola secundária, que poderiam escolher entre outras línguas estrangeiras ou o português). O público 1 revelou que pensa utilizar o idioma num futuro trabalho, ainda que tenham aparecido duas outras respostas: a utilização da língua no próprio país (devido ao número de brasileiros que frequentam a Argentina todos os anos) e por falta de opção, já que a outra língua estrangeira ofertada pela escola representava maior aversão ao estudante. O público 2 relata o gosto pela cultura32 e pela língua portuguesa,

ressaltando seus objetivos de viajar ao Brasil nas férias. Assim como o público 2, o 3 apresenta o mesmo motivo, acrescentando uma rotina relacionada a esta prática, então, aprendem português para viajar de férias ao Brasil a fim de visitar familiares e amigos que aqui residem. Notamos que o público mais jovem pensa em futuros trabalhos, enquanto os públicos 2 e 3 pensam em viajar ao Brasil como atividade de entretenimento. Não sabemos ao certo se esta perspectiva de ver o Brasil como um futuro lugar de trabalho é ensinada na escola ou mesmo em casa, mas percebemos que com a maturidade vem a visão do nosso país coo um local de divertimento.

A terceira pergunta está relacionada à visão que os estudantes argentinos têm da cultura brasileira. Não pretendemos aqui discutir o conceito de cultura, mas baseamos nossas análises no conceito de inicial de Tylor (1971), o que dizem os alunos a este respeito e que visão revelam.

32 Em 1971, Tylor definiu cultura, através de uma visão antropológica, como um conjunto de “conhecimentos,

crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo [ser humano] como membro de uma sociedade”. (LARAIA, 1986, p. 25). Acreditamos que essa visão macro de cultura foi a orientadora das respostas apresentadas. Inclusive, acreditamos que houve um destaque para a língua – como se essa não fizesse parte desse conjunto que constitui a cultura de determinado grupo – por falta de conhecimento formal sobre o assunto, pois somente alguns dos aspectos elencados pelo autor são mencionados, normalmente, como “aspectos culturais”.

As respostas do público 1 podem ser divididas em três grupos:

a) Apreensão socioeconômica da cultura do país na América do Sul, como podemos observar com o comentário “É uma cultura reconhecida e importante, se reconhece bastante na América Latina”. Aqui observamos a visão da cultura brasileira em si, não houve uma tentativa de se descreverem os elementos que formariam tal cultura, mas há a consideração de que ela é importante, visto que é bastante conhecida na América Latina. Mas a partir deste tipo de resposta, nos questionamos: que elementos da cultura brasileira são conhecidos pelos latino- americanos? As próximas respostas já apresentam estes elementos.

b) Apreensão geográfica do país, observadas, por exemplo, em “eles gostam de praias”, “tem praias quentes”, “há praias lindas lá”. Este segundo grupo possui uma visão sobre os aspectos geográficos do país, praticamente, reconhecido como um conjunto de praias (de acordo com as respostas dos questionários).

c) e o maior grupo, que buscou representar a identidade do povo brasileiro a partir de suas crenças: “os brasileiros são alegres divertidos e amigáveis”, “é uma cultura alegre, com lindas músicas e praias muito lindas (remete à representação geográfica do país). Além das novelas!”, “para os brasileiros, é importante a natureza, as praias, as festas e a alegria”, “os brasileiros tem uma cultura muito festeira e gostam de jogar capoeira”, ou ainda “os brasileiros gostam de tomar cerveja e jogar futebol. E suas praias são quentes”. A busca por representar a identidade do povo brasileiro foi quase unânime entre as respostas encontradas. Observamos uma visão positiva de um estado emocional que seria uma característica do povo brasileiro “a alegria”, ligado a este conceito estão as práticas de “festa, músicas, jogos de capoeira, prática de beber cerveja e amor pelo futebol”. Em conversa informal com o grupo 1, questionamos sobre o porquê dessas imagens acerca do Brasil e do povo brasileiro. As respostas não nos surpreenderam: “tem nos livros”, “passa na TV”. Inclusive um dos alunos mencionou chamadas que passavam à época sobre as sedes do mundial de 2014. Esse assunto acabou fazendo com que os alunos levantassem questões sobre futebol “Você acha que o Brasil vai ganhar?”, ao apresentar desinteresse, outro comentário nos levou a outra reflexão “Então, você não é uma brasileira de verdade!”. A visão de que todos os brasileiros amam futebol é bastante difundida entre o grupo, após este comentário uma calorosa discussão se iniciou a este respeito.

A natureza foi apresentada como importante para o povo brasileiro, um bem, uma riqueza. Tal percepção era “vendida” também pelas chamadas sobre as sedes da copa do mundo. Quanto às novelas, a visão pode ser explicada pelos comentários “as novelas brasileiras são as melhores. Amo Avenida Brasil!”, “tem muitas novelas boas”. As novelas brasileiras são apresentadas como constituintes da nossa cultura, dada sua fama no exterior.

Os públicos 2 e 3 apresentam, em sua totalidade, a visão de que o “o povo brasileiro é alegre”, assim como o grupo 1, adicionando apenas comentários quanto à diversidade cultural existente do país, as músicas, as novelas, o futebol. Estes grupos apresentam a imagem “do povo alegre” unida a conhecimentos adquiridos através de livros, documentários, experiências vivenciadas por eles. Novamente, a maturidade permite aos públicos 2 e 3 – ainda que também incluam aspectos difundidos sobre o Brasil, como “país do futebol” e do “povo alegre” – a considerarem a diversidade cultural uma característica própria de um país com dimensões continentais.

A pergunta 4 busca identificar dificuldades e facilidades no ensino de português como língua estrangeira a hispanofalantes argentinos. O público 1 relata, em maior parte, a dificuldade de aprender a gramática da língua, principalmente a conjugação verbal, e a pronúncia; mas aparecem ainda “a dificuldade de construir orações”, “entender a fala” e um grupo específico (que também possui aulas de italiano por se tratarem de imigrantes ou famílias de imigrantes italianos) “a confusão com o italiano”. As facilidades apesentadas por este grupo foram a leitura, o vocabulário e aspectos que as duas línguas têm em comum. O público 2 diferenciou, praticamente, em práticas a facilidade seria relacionada às práticas escritas (produção e compreensão) e a dificuldade estaria relacionada às práticas orais (produção – principalmente relacionada à pronúncia – e compreensão), acrescentou ainda dificuldades em conjugar os verbos. O público 3 apresenta como dificuldade a gramática, principalmente a conjugação verbal e facilidade com vocabulário, leitura, fala (menos a pronúncia, vista como aspecto bastante difícil de aprender). Quase todos os alunos que formam este público têm um bom repertório lexical, mas a pronúncia e realizada conforme as regras fonéticas de sua língua materna. Observamos, a partir da compilação das respostas, que a gramática continua sendo a grande vilã no ensino de língua, mesmo quando o público 2 diferencia dificuldades e facilidades relacionadas às práticas orais es escritas, a conjugação verbal ainda é citada como dificuldade. Por fim, a última pergunta visava a uma opinião do aluno sobre o material utilizado. Todo o público 1 afirma gostar do seu livro didático, mas muitos agregariam à obra músicas, vídeos, cores e modificariam a forma que se apresentam os conteúdos verbais. O público 2 também afirma gostar do livro didático, mas acrescentariam aspectos culturais, pois considerarem seu livro “pobre” com relação a músicas, vídeos, textos que apresentem a cultura brasileira. O público 3 não utiliza material didático. A professora compila e produz material conforme a temática a ser estudada. Os alunos afirmam que isso é muito bom para eles porque “ela escolhe temas que estão ligados à idade, à vida” destes. Podemos perceber que o material didático

utilizado para o ensino de PLE não passa despercebido pelos alunos, eles avaliam seus materiais, veem o que falta, o que é negativo ou positivo.

Neste capítulo, tratamos de elementos que compõem o contexto de ensino de PLE na Argentina. Percebemos muitas dificuldades e alguns avanços relacionados a ele. A partir do quadro teórico-epistemológico no qual nos apoiamos, o Interacionismo Sociodiscursivo, o contexto deve ser entendido como possibilitador de relações sociais e não poderíamos deixar de considerá-lo para a realização de nossa pesquisa. A fim de aprofundarmos e fundamentarmos nossas análises, apresentamos, no próximo capítulo, elementos imprescindíveis para nossa visão teórica sobre os dados analisados.

Documentos relacionados