• Nenhum resultado encontrado

“Se a publicidade é uma indústria, é também uma arte.” (TOSCANI, 1996, p. 96)

Discutimos a sociedade em que vivemos, colocando à prova tudo aquilo que nós mesmos criamos: as “condições” e “mediações” de vida e de mercado que nós mesmos sustentamos inexoravelmente. O mundo mudou. As pessoas mudaram. As empresas também. A publicidade reflete o zeitgeist com uma visão artística e simbólica. Vivemos um imaginário generalizado. A espetacularização, em torno da polêmica, pode conter uma realidade. Tudo aquilo capaz de tornar uma marca única, pode ser o segredo de seu sucesso, ou, de seu fracasso.

Neste capítulo, passaremos a primeira análise do corpus selecionado, o qual envolve campanhas de publicidade e propaganda. A multinacional Benetton é o nosso foco neste momento. Inicialmente, pretendemos conferir o perfil da organização italiana, visando entender seus aspectos históricos, organizacionais e comunicacionais mais admiráveis. Em seguida, a intenção é compreender a verdadeira filosofia de comunicação da Benetton, tentando identificar a característica polemista da instituição, explorando uma de suas campanhas mais famosas: UNHATE. Finalmente, será através de uma análise técnica semiológica, balizada em Roland Barthes, que tentaremos responder algumas das proposições deste estudo.

2.1 PERFIL DA BENETTON

Em meados de 1965, na Itália, região do Veneto, província de Treviso e, especificamente, na pacata cidade de Ponzano Veneto, uma pequena companhia familiar emergiu, pela visão comercial e talentosa de Luciano e outros três fratelli16 (Giuliana, Gilberto e Carlo). A empresa, inicialmente, foi denominada Maglificio di Ponzano Veneto dei Fratelli17. Era gerida pelos irmãos e, posteriormente, seria reconhecida mundialmente pelo nome que vem dos quatro membros da família e seus sucessores: BENETTON.

16 “Irmãos”. Tradução do autor.

A quase cinquentenária Benetton é, hoje, uma multinacional consagrada no mercado de vestuário de moda: roupas, acessórios e perfumes. Com presença em mais de 120 países, com mais de 6.500 lojas, distribuídas ao redor do mundo e com um faturamento de mais de 2 bilhões de euros, mantém uma rede comercial em grandes centros históricos e comerciais, caracterizando-se pelo elevado nível de serviço oferecido aos clientes, produção e know-how. É um grupo empresarial tipicamente italiano, onde o estilo, a qualidade, a paixão e a cultura são inerentes ao portfólio da companhia18.

Como nas monarquias, a empresa foi transmitida pelo laço sanguíneo. Atualmente vem sendo gerida por Alessandro Benetton, filho de Luciano Benetton, um legítimo empresário e homem de negócios com formação em Harvard e vasta experiência no mercado financeiro. Dessa forma, a companhia não perde sua identidade e seu foco, que ainda é vender roupas com estilo próprio e cores exuberantes. No entanto, o império construído pela Benetton e sua expansão global é mais do que marketing, boa gestão e know-how do nicho de mercado em que atua. A evolução associada a identidade da companhia esta balizada em uma estratégia de comunicação diferenciada, perspicaz e polêmica.

Tudo começou, quando a empresa patrocinou diferentes modalidades esportivas (basquete, rúgbi), dentre as quais a mais considerável ocorreu na Fórmula 1. A companhia pretendia notoriedade, o objetivo era ser mais do que “simples” patrocinadora. Em 1985, é marcado como o ano em que a empresa decidiu comprar a equipe de automobilismo Toleman e competir na categoria, cravando a sua marca como uma equipe de Fórmula 1. Conseguiram colher resultados notáveis e conquistar o título mundial de pilotos em 1994 com a contribuição de um novato: Michael Schumacher. A escuderia, no ano 2000, foi comprada pela Renault, mas a estratégia adotada na época tornou a Benetton uma empresa mundialmente respeitada e reconhecida19.

Eternamente insatisfeita, a Benetton consolidou uma estratégia de comunicação, a qual é definida pela companhia como uma publicidade única e universal20. Uma comunicação que atravessa barreiras étnicas e sociais. No ínicio dos anos 90, a empresa passou a criar

18 United Colors of Benetton. Business. Disponível em:

<http://www.benettongroup.com/group/business/worldwide-presence>. Acesso em: 20 maio 2012.

19 United Colors of Benetton. Profile. Disponível em:<http://www.benettongroup.com/group/profile/group-

historyhttp://www.benettongroup.com/group/profile/group-history>. Acesso em: 22 maio 2012.

20 United Colors of Benetton. Communication. Disponível em:

campanhas polêmicas, sob o conceito United Colors of Benetton, e com a supervisão e criatividade do fotógrafo italiano Oliviero Toscani. A filosofia de comunicação, proposta pela empresa, era simples: nada de produtos, somente temas políticos e sociais nas campanhas. O objetivo era chocar, causar repulsa, captar a atenção e, ao mesmo tempo, tentar antecipar uma conscientização humanitária nas pessoas.

Aliada as campanhas polêmicas e a essa mensagem provocante, a Benetton consolidou duas inovações à sua área de comunicação: a revista COLORS, que tratava de temas de interesse geral e fotografia e a FABRICA, um local construído para ser o grande “laboratório de comunicação” da companhia, que agrega diversos campos da área e abriga jovens de diferentes nacionalidades a desenvolverem projetos diferenciados. Sob a égide de que a indústria da publicidade corrompe a sociedade ao consolidar estratégias de comunicação que iludem o receptor, a Benetton pretendia, através de diferentes temas envoltos nos direitos humanos, promover a liberdade de expressão e dar visibilidade às causas humanitárias, colocadas muitas vezes de lado pela mídia e seu agendamento.

A mensagem da Benetton é o debate. A mensagem é a discussão. A mensagem é a polêmica acirrada... A mensagem é essa terceira dimensão forçosamente inesperada, forçosamente incontrolável, forçosamente caótica, forçosamente imprecisa, porque em cada vez arrebata um receptor independente... que por fim conclui aquilo que bem entende. (DANTHE apud TOSCANI, 1996, p. 87)

Segundo o autor, a publicidade é depravada e “cínica”, pois estereotipada no universo de belas garotas e bens de consumo. De certa forma, provoca em seus argumentos, transmitindo a noção de que morte, dor e guerra tornaram-se meros Mitos no universo da PP. Com esse discurso, a Benetton criou uma consciência de marca, dando sentido e valor a mesma, através da publicidade que se identifica com o receptor. Essa consciência é criadora do significado de sua existência. Com o espetáculo, gerado em torno das campanhas e do conceito de “um mundo sem fronteiras”, a Benetton construiu para si uma imagem socialmente responsável com um poder de atração sobre o público. Ou seja, transcendeu as fronteiras financeiras e de mercado, para se tornar singular junto ao consumidor. A companhia, deste modo, passou a deter uma “Alma”.

Inúmeras empresas alcançam sucesso e admiração de várias maneiras, porém carecem de uma dimensão emocional de peso. Defendemos que, para mais chances de sucesso no futuro, as empresas necessitarão combinar eficácia operacional e dimensão emocional. Alguns denominaram a dimensão emocional “alma da

empresa”. As empresas desprovidas de alma enfrentam um futuro duvidoso. (SISODIA, 2008, p. 36)

A busca de um sentido, de uma consciência, de uma conexão, pode estar subvertendo uma lógica capitalista, reorganizando algumas expectativas e tendências existentes no mercado em geral e no mercado de trabalho. A própria publicidade se reorganiza. Estabelecer uma visão otimista é complicado, se considerar que o sistema em voga depende da própria economia de mercado para manter o interesse dos indivíduos e organizações.

Podemos dizer que essa necessidade de combinar a dimensão operacional com a dimensão emocional reflete o atual mercado de consumo, onde os “novos consumidores” influenciam diferentes hábitos e têm o poder de provocar o descrédito ou o sucesso de uma determinada empresa ou de uma marca, devido as atitudes de consumo estarem cada vez mais inspiradas na busca pela personalização dos produtos, de autenticidade, de escolha em favor das preferências, sempre inconformados, críticos, exigentes e responsáveis socialmente, no sentido de buscarem a transparência como valor agregado. A Benetton parece, antecipou-se no tempo.

2.2 BENETTON: FILOSOFIA DE COMUNICAÇÃO POLEMISTA E PENETRANTE