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3 NÃO ERAM SÓ 20 CENTAVOS: QUEDA E ASCENSÃO DO JORNALISMO

4.2 Perfil das organizações analisadas

A primeira pergunta feita aos entrevistados foi se as organizações que representavam definiam-se como iniciativas de jornalismo digital independente, entendido como "aquele praticado por profissionais/organizações sem fins lucrativos, que não aceitam anúncios e outros investimentos financeiros por parte de empresas privadas e de empresas públicas, de forma a garantir sua independência editorial". Todas responderam que sim, embora ressalvas tenham sido feitas. Uma das organizações salientou que trabalha com produtos que não necessariamente incorporam a reportagem (como mapas e outras visualizações de dados), mas que sua linguagem principal é o jornalismo. Três organizações declararam que a independência editorial não está, necessariamente, atrelada ao fato de a organização não contar com verbas de empresas públicas ou privadas: 1) "Para ser independente, uma organização precisa ter uma ampla variedade de receita, vinda de diversas fontes; 2) "A independência está relacionada ao fato do editorial não estar vinculado ao interesse dos

anunciantes. Essa transparência e clareza de propósitos garante a independência do veículo"; 3) "A organização não recebe recursos públicos do Brasil e não tem influência de empresas públicas ou privadas em sua linha editorial. Mas, aceita receber patrocínio de organizações não governamentais e de empresas privadas comprometidas com a questão socioambiental [...] e que apoiam a liberdade de expressão e ao acesso a mídia. É regra da agência que essas instituições não sejam envolvidas em práticas de crimes de ordem trabalhista, ambiental e de violação dos direitos humanos". Consideramos que, de fato, a definição de jornalismo digital independente inicialmente apresentada aos entrevistados deve ser questionada com relação a independência editorial x fontes de receita. Trata-se de um campo com fronteiras historicamente fluidas e ainda longe de apresentar fórmulas objetivas e consensuais, mesmo em recortes específicos do setor, como o jornalismo independente.

§ Com relação aos principais temas/áreas do seu trabalho jornalístico, todas as organizações apontaram questões ligadas ao interesse público, citando: segurança; direitos humanos; direitos indígenas, especificamente; urbanismo; transparência; cidadania; justiça; democracia; semiárido nordestino; Amazônia (incluindo a questão agrária e outros fatores culturais, políticos, econômicos, sociais e ambientais).

§ Outro traço comum (que abordaremos mais detalhadamente no tópico 4.3.3) é a diversificação dos produtos e serviços. Todos os grupos fazem reportagens, mas vão além do material jornalístico e realizam, por exemplo, serviços de consultorias, cursos e expedições urbanas, além de produzir conteúdo customizado para empresas.

§ Com exceção dos Jornalistas Livres (que se trata de uma rede e conta com um "núcleo duro" de aproximadamente 25 pessoas e cerca de 250 colaboradores), as equipes são pequenas, variando entre 3 e 10 pessoas, entre jornalistas, jornalistas cidadãos e profissionais de outras áreas, como designers, fotógrafos, cinegrafistas, ilustradores e programadores. A isso soma-se um contingente flutuante de colaboradores, cuja quantidade os entrevistados têm dificuldade de precisar (abordaremos mais detalhadamente o perfil das equipes no item 4.3.2). § Os entrevistados (todos fundadores das organizações estudadas) são profissionais experientes: a maioria atua há mais de 15 anos como jornalista (gráfico 1) e vem da grande imprensa (quase todos eram funcionários de

empresas jornalísticas tradicionais antes da ocupação atual). Alguns foram demitidos nos sucessivos cortes de pessoal registrados no setor no início de século 21 (abordados no item 1.1.2), outros aproveitaram os "passaralhos" e pediram para ser demitidos, investindo seus próprios recursos na criação de projetos de jornalismo digital independente. A maioria, no entanto, (ainda?) não consegue sobreviver da atividade. O trabalho na organização só representa a principal fonte de receita para 25% deles, o que leva os demais a se dividir entre outras atividades profissionais, incluindo reportagens como freelancer, pesquisa acadêmica e treinamento na área ambiental (gráfico 2).

§ O retrato é menos uniforme no que diz respeito ao público-alvo (gráfico 3). Há organizações que buscam audiência de massa; as que procuram atingir grupos específicos (um dos objetivos citados, nesse caso, é "aprofundar o debate para iniciados"); as que tentam falar tanto para quem já se identifica com seus temas como para "não convertidos"; e as que não estão preocupadas com isso ("a busca por audiência não define o nosso trabalho; a relevância jornalística se dá pela urgência social da pauta", afirmou um dos entrevistados).

§ Entre as organizações que se preocupam com a audiência, registra-se uma tentativa de atrair pessoas que estão insatisfeitas com a cobertura de determinadas questões pela imprensa tradicional e, também, algo ainda mais primário: despertar o desejo de consumir jornalismo e não entretenimento, o tipo de conteúdo que foi se tornando mais frequente nos produtos jornalísticos ao longo do século 20, como pontuado nos capítulos 1 e 3).

§ Ainda com relação à audiência, os entrevistados foram questionados se a

"concorrência" com a mídia tradicional é um de seus principais desafios. A maioria respondeu que não (quatro, dos seis entrevistados). E alguns deles enfatizaram que não veem suas organizações como contraponto à grande imprensa. "Dependemos da mídia tradicional para crescer, por isso já fizemos parceria com outros meios, sendo o mais importante com o UOL", disse um deles. "Não vemos a imprensa tradicional como uma concorrência ou desafio. Fazemos uma mídia diferente, sem pretensão de disputar notícias ou furos com a grande mídia. Já aconteceu de notícias nossas, que são todas exclusivas, serem republicadas e citadas em reportagens dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, The Independent", afirmou outro.

Gráfico 1 - Há quanto tempo trabalha como jornalista?

Gráfico 2 - É remunerado(a) pelo trabalho na organização?

Gráfico 3 - Qual o público alvo da organização?

12,5% 37,5% 37,5% 12,5% 10 a 15 anos 16 a 20 anos 21 a 25 anos 26 a 30 anos 25% 37% 38% Sim, e esse trabalho representa minha principal fonte de renda. Sim, mas esse trabalho não representa minha principal fonte de renda. Não. 17% 33% 50%

A organização busca audiência de massa.

A organização não busca audiência de massa, e sim atingir grupos específicos..

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