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Os participantes das audiências públicas podem ser pessoas físicas ou entidades, quase sempre representadas por indivíduos. Assim, os expositores podem ser tanto mandatários de participantes quanto os próprios participantes, possuindo, nas audiências, um perfil profissional relevante para a análise complementar dos dados apresentados nos tópicos anteriores, já que, muitas vezes, uma organização não governamental, que representa interesses da sociedade civil perante o Tribunal, pode ser representada por um advogado, um médico, um engenheiro, ou seja, um nicho profissional específico – e a observação dessas categorias profissionais é capaz de demonstrar quem tem mais acesso às audiências como expositor.

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De um total de 708 expositores, a maioria são juristas (28%, o equivalente a 199 pessoas), o equivalente a 114 advogados privados e 85 profissionais do direito público, como membros do Ministério Público, Defensores, Magistrados e Procuradores. Além desses, dentre os 171 professores e pesquisadores expositores, 38 são ligados à área do direito, demonstrando que a proporção total de profissionais que se utilizam da linguagem jurídica é equivalente à 33% dos expositores (237 pessoas).

Esses dados indicam uma proximidade do formato procedimental das audiências públicas demonstrado no primeiro capítulo. Ou seja, o procedimento empregado corriqueiramente pelos(as) Ministros(as) às audiências é parecido com uma audiência de instrução tradicional do direito processual, com característica formal, rígida e engessada nos parâmetros clássicos de partes defendendo seus interesses em um ambiente típico dos rigores jurídicos.

Assim, os números indicam que os participantes (pessoas jurídicas ou entidades) preferem contar com juristas para representá-los, como forma de tentar garantir a defesa de seus interesses perante o STF. Ou seja, participantes que não contaram com representação jurídica ou técnica-científica (será visto adiante que os profissionais professores e pesquisadores são o segundo maior grupo de expositores) podem ter dificuldades de acessar comunicativamente os(as) Ministros(as) durante as audiências.

Nesse sentido, na audiência referente ao Novo Código Florestal, a participação de uma pequena produtora rural, chamada Almerita Francisca da Silva, chama à atenção pela dificuldade em realizar sua exposição ao STF:

Nós tinha uma casa aqui na cidade e nós troquemos por uma colônia, né? Aí vivia na colônia trabaiando. Aí o meu marido saiu, aí eu tava lá prantando milho e arroz (ininteligível), né? Aí chegou... Quando eu cheguei da roça, de tarde, do trabalho, aí o meu menino disse: "Mãe, havia uns homens ali que tudo armado de revolve". Eu falei: "Não, eu num matei ninguém, eu não tenho medo". Aí chegaram: "Nós somos do IBAMA, e a Polícia Federal, nós vem murtar a senhora". Falei: "Vai me murtar por quê?". "Porque a senhora derrubou; derrubou é ilegal". "Mas como vai derrubar que num... ninguém me orientou em nada; como é que eu vou derrubar, assim, tirar licença aonde? Aqui tá os documento; aqui tá os documento que eu peguei do IDAN, de arroz, de feijão e milho. E aqui as murtas do IBAMA. Tá aqui o valor." "A minha renda é o Bolsa Família e quando a rente põe a farinha pra vender. Farinha não tem preço, né? Vem da lavoura - planta macaxeira, mandioca, faz farinha pra vender. E, se eles não quer que desmata, né, eles dá sua renda pra pessoa viver da terra sem desmata, né? Porque, se a rente não desmatar pra poder plantar um arroz e um feijão pra viver, né, como é que gente vai viver, se a rente num... Não desmata muito. Então, nós desmata um pouco pra

95 poder plantar um milho, arroz, feijão pra gente viver lá da terra lá. Como é que a rente vai viver do quê? Passar fome? Porque o Bolsa Família sempre... Nós sempre tem do Bolsa Família. Não dá pra gente viver só daquele lá. Num dá, porque tudo é caro. Aqui tem plantar o arroz pra não comprar o arroz; tem que plantar um milho pra rente tirar um couro pra comprar o óleo. A vida é essa lá em casa. Eu não... Ó, não tenho estudo, não tenho profissão assim... Uma profissão mesmo que eu tenho é na roça, né, trabalho na roça, né? A como é que vou viver aqui na cidade? Eles falaram que não pode plantar, não pode fazer nada, mas eu tô teimando, tô plantando macaxeira, tô cuiendo do milho que eu plantei. Tô trabalhando na terra, porque não vou deixar minha terra. A única coisa que eu tenho é aquela terra, a única coisa. A vida e aquela terra. Eu vou deixar ela abandonada? Não posso. Só saio dali morta. Eu falei mermo pra eles, saio dali morta. Se eu vim presa, quando eu sair da prisão, vou pra lá. Vou pra onde? Dali eu não saio; só morta. (SILVA, 2016, p. 64)

Percebe-se a simplicidade na fala da senhora Almerita sendo até possível afirmar que ter seu relato em uma audiência pública no STF é uma forma de aproximação e participação social quase que direta da sociedade com o Tribunal.

No entanto, suas palavras pouco refletem a problematização jurídica do caso e nem são capazes de elucidar questões técnicas para os(as) Ministros(as) trazendo a defesa de seus interesses. Assim, o formato utilizado nas audiências públicas acaba por privilegiar participantes que se fazem representar por juristas ou até mesmo especialistas da área, capazes de trazer aos(às) Ministros(as) contribuições mais significativas para defesa de seus posicionamentos, pela facilidade comunicativa.

A presença de pessoas simples, como a senhora Almerita, acaba se tornando uma falsa simbologia de abertura democrática do STF, pois o que predomina são os interesses profissionais, empresariais e técnicos.

Em segundo lugar, com 171 pessoas (24%), estão os profissionais ligados à área acadêmica, como pesquisadores e professores de Universidades, Centros de Pesquisa, entre outros29. Em terceiro lugar, com 139 pessoas (20%) se encontram os agentes públicos ou políticos, ou seja, servidores públicos de carreira, de cargos ou funções em comissão, Deputados, Senadores, Vereadores, Prefeitos, etc., excluindo- se os pesquisadores e professores, que possuem classificação própria, e os membros do Ministério Público, Magistrados, Defensores e Procuradores, que foram catalogados como juristas, pela própria essência de suas atividades relacionada ao universo jurídico.

A presença desses profissionais indica a forte participação institucional nas audiências públicas, o que vai ao encontro da análise geral dos participantes das

29 Os 38 professores e pesquisadores da área do Direito, que se dedicam exclusivamente à atividade acadêmica, foram classificados nesta categoria.

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audiências realizada no início do capítulo. Isso demonstra a facilidade das instituições políticas, principalmente as federais, em levarem ao Supremo seus argumentos para defenderem interesses governamentais.

Nesse ponto, é possível observar mais uma restrição à possibilidade de ampliação democrática do debate dos temas trazidos nas audiências públicas, pois grupos profissionais restritos têm mais voz no STF. Apesar de juristas e até especialistas poderem representar entidades das mais variadas espécies, como movimentos sociais, associações de direitos e empresas, 72% dos expositores estão restritos a juristas, agentes públicos ou políticos e professores ou pesquisadores.

Em resumo, 28% dos expositores falaram a linguagem do direito, 24% representaram interesses técnico-profissionais (em outras áreas de conhecimento que não a jurídica) e 20% representaram interesses do Estado. Essa ausência de variedade de vozes nas audiências públicas indica porque o seu procedimento é tão problemático, do ponto de vista de se buscar um debate por meio da participação social, visando agregar legitimidade democraticamente as decisões do STF.

Os poucos nichos profissionais que acessam as audiências públicas são capazes de delinear seu formato pouco interativo, pois juristas e agentes públicos ou políticos estão acostumados com os formatos da burocracia processual, e professores ou pesquisadores acabam por exercer uma função de técnicos nos temas que abordam, se preocupando em fornecer sua posição de especialistas, e não de buscar uma troca de informações com o demais presentes.

97 Gráfico 18 – Principais profissões dos expositores que participam das audiências públicas

Fonte: O Autor.

Os 28% de profissionais restantes tiveram como destaque médicos, que contaram com 56 indivíduos, os executivos/empresários, com 38 pessoas, seguidos dos engenheiros, com 22 expositores, participando pontualmente em audiências relacionadas a temas ligados a seus interesses e profissões.

Os médicos se concentraram em audiências ligadas a assuntos de saúde, como pesquisa com células-tronco embrionárias, interrupção de gravidez em fetos anencéfalos, lei seca – proibição da venda de bebidas alcoólicas nas proximidades de rodovia, proibição do uso de amianto, judicialização do direito à saúde, programa Mais Médicos, internação hospitalar com diferença de classe no

SUS e interrupção voluntária da gestação. Os engenheiros e

executivos/empresários se concentraram em temas ligados a regulação da economia. O número de 19 ativistas foi bem menor que o número de 87 participantes da subcategoria de representantes da sociedade civil relacionada a categoria interesses da sociedade (com 142 participantes – vide anexo I), informada no início do capítulo, pois muitas organizações não governamentais, associações civis, movimentos sociais, entre outros, escolheram juristas (advogados) para representar seus interesses. Assim, é possível reafirmar que muitos se utilizaram de expositores

199 171 139 56 38 22 19 17 12 9 7 5 4 2 2 2 1 1 1 1 Jurista Professor/Pesquisador Agente Público ou Político Médico Executivo/Empresário Engenheiro Ativista Representante Religioso Músico/Compositor/Produtor/Escritor Sindicalista Perito Criminal Economista Jornalista Produtor Rural Petroleiro Transportador/Motorista Contabilista Zootecnista Técnico em Radiologia Psicólogo

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capazes de acessar juridicamente a linguagem do Tribunal como forma de serem “melhor” representados.

Outras profissões se fizeram presentes de acordo com as temáticas abordadas. As audiências sobre “Biografias não Autorizadas” e “Direitos Autorais” contaram com uma concentração maior das seguintes profissões: Compositor, Cantor, Músico, Produtor, Roteirista, Diretor Teatral, Escritor e Jornalista.

Audiências relacionadas ao “Aborto de Fetos Anencéfalos” e “Pesquisa com Células-tronco Embrionárias” e “Ensino Religioso em Escolas Públicas” e “Interrupção Voluntária da gestação” contaram com participação de representantes religiosos considerando os interesses deles nas questões abordadas.

Observa-se a concentração de mais da metade das profissões em apenas 03 grupos profissionais e as demais são distribuídas de acordo com os temas apresentados nas audiências, ou seja, uma redução de representatividade em comparação aos grupos profissionais que frequentemente se fazem presentes.

O perfil profissional dos expositores demonstrou que as audiências públicas pode ser um espaço para debates técnicos, jurídicos e institucionais. A seguir será realizada a classificação de suas falas que servirá para indicar qual forma de contribuição mais recorrente os expositores trazem nas audiências, para, assim, compreender se utilizam uma linguagem mais técnica, jurídica ou política e’ m suas apresentações.