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A PERFORMANCE BOND COMO MEDIDA DE CONTRIBUIÇÃO PARA O COMBATE

Discorrido sobre o procedimento licitatório e o seu desvirtuamento, traz-se neste capítulo uma possível contribuição para a minoração da prática da corrupção nas licitações brasileiras: a inclusão da chamada cláusula de garantia “performance

bond” como critério de seleção de interessados em contratar com a Administração

Pública.

A modalidade de garantia supracitada tem origem nos Estados Unidos da América do Norte que, após conhecerem o statute of frauds criado em 1677 pelo Parlamento Inglês, editaram uma lei exigindo garantias daqueles que pretendiam contratar com o Poder Público.

Conforme explanam Renato Chagas Machado e Thiago Custodio Pereira148, o

Parlamento Inglês teria criado o statute of frauds com o fim de que os contratos tivessem forma escrita com assinatura de ambas as partes, assim como a presença de um fiador. Posteriormente, a exigência do fiador teria sido transferida às companhias de seguro, tornando o serviço de seguro profissionalizado e lucrativo. Exemplo disto, é a criação da primeira empresa de seguros:

“Em 1837, a primeira empresa de seguros foi criada, a Guarantee Society of London e, poucos anos depois, o primeiro empreendimento no segmento de seguros abriu as portas nos Estados Unidos. Como a garantia prestada por empresas especializadas tornou-se mais conhecida e utilizada, ela logo se espalhou para a indústria da construção (...)”149

Segundo apontam, tal seguradora teria iniciado suas atividades no território americano, que somente passou a exigir garantias para a contratação com o Poder Público em 1893, com a edição do Heart Act, posteriormente substituído pelo Miller Act em 1935. Esta legislação era aplicada quando de contratos celebrados para construção ou reforma de edifícios públicos, além das obras públicas com o governo federal americano. Atualmente, as modalidades de garantias do Miller Act são a bid bond, performance bond e payment bond.

148

MACHADO, Renato Chagas; PEREIRA, Thiago Custodio. Subaproveitamento do performance bond em obras públicas no Brasil, p. 94-110. In: CONPEDI/UNICURITIBA. Direito administrativo e gestão pública. Florianópolis: CONPEDI, 2016, p. 97. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/623yu435/45vQT103175J7QCz.pdf>. Acesso em 20 de ago. 2018.

149

Segundo os autores, bid bond é um “seguro-garantia do licitante, ou seja,

possui a finalidade de manter as propostas firmes”150. Trata-se, pois, de uma

garantia dada ao órgão licitador (tomador do serviço) em face de uma eventual recusa do vencedor da licitação em assinar o contrato objeto da licitação.

A payment bond, por sua vez, refere-se a “retenção de pagamentos,

garantindo indenização, até o valor fixado na apólice, dos prejuízos causados pelo tomador ao segurado, em razão do descumprimento das obrigações contratuais

vinculadas às retenções de pagamentos”151

.

Finalmente, tem-se a performance bond que, segundo Modesto Carvalhosa, trata-se de instrumento que “garante o ente público contra o risco de inadimplência do contrato de obras firmado pela contratada: preço e abrangendo qualidade e prazos.”152

Ainda, segundo o jurista, a performance bond possui as seguintes características:

“(i) A apólice de garantia de obra ou fornecimento é inteiramente diversa da

apólice de seguro;

(ii) A apólice de seguro comum assegura ao segurado por fato desconhecido ou evento com data desconhecida. É firmada entre duas partes – a seguradora e o segurado, por fato futuro e/ou incerto; (iii) Já a apólice de performance bond é firmada entre três partes – (i) a seguradora, (ii) o ente público (segurado) que contrata e (iii) a pessoa jurídica privada contratada pelo ente público; (iv) A seguradora assume a obrigação de responder perante o ente público contratante pelo descumprimento das obrigações por parte da pessoa jurídica contratada para a realização de obras e de fornecimento; (v) Trata-se de acontecimento presente e conhecido que depende unicamente do cumprimento (performance) do contrato perante o ente

público contratante;

(vi) O valor do ressarcimento ao ente público é o fixado na apólice, cujo montante a seguradora é notificada a pagar no caso de descumprimento do contrato. Essa soma poderá ser menor se o descumprimento corresponder apenas a uma parte da obra ou do fornecimento; (vii) Essa soma deve, sempre, corresponder ao total do valor da obra ou do fornecimento contratado entre o ente público e a pessoa jurídica privada, incluindo todos os valores adicionais, como o valor dos impostos, encargos

previdenciários etc.;

(viii) Esse valor global e abrangente, que deverá ser coberto pela seguradora no caso de inadimplência da contratada, é firmado simultaneamente, com outro contrato de indenização a favor da seguradora, firmado pela pessoa jurídica privada contratada, demais pessoas jurídicas do grupo empresarial e seus administradores, tendo por objeto a indenização ou o reembolso dos valores pagos pela segurada ao ente público pela inadimplência total ou parcial da obra ou do fornecimento;

150

MACHADO, Renato Chagas; PEREIRA, Thiago Custodio, Op. Cit., p. 97. 151

Ibidem, p. 98-99. 152

CARVALHOSA, Modesto. Combate efetivo à corrupção depende a quebra do capitalismo de laços. Revista dos Tribunais, vol. 967. 2016. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-jun- 14/modesto-carvalhosa-combate-corrupcao-ataca-capitalismo-lacos>. Acesso em 28 de nov. 2017.

(ix) Trata-se de um contrato de indenização em favor da Seguradora, com cláusula de solidariedade da empreiteira ou fornecedora contratada, que inclui os principais diretores do grupo as controladoras e controladas,

diretas e indiretas etc.;

(x) O contrato de indenização firmado entre a seguradora e a pessoa jurídica contratada pelo ente público faz parte integrante da apólice, sendo, portanto, do pleno conhecimento das três partes envolvidas.153

No cenário brasileiro, para que se garanta o cumprimento do contrato celebrado com a Administração Pública, é possível que esta exija determinada garantia dos interessados na contratação. Isto, desde que haja previsão no instrumento convocatório da licitação, nos termos do art. 56, da Lei 8.666/93.

Em que pese o legislador tenha possibilitado a inclusão de garantia nos contratos públicos, vê-se que, diferentemente da performance bond americana, a garantia brasileira encontra, por disposição legal, limite de percentual do montante do valor do contrato. In verbis:

“Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia:

I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo

Ministério da Fazenda;

II - seguro-garantia;

III - fiança bancária.

§ 2o A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo.

§ 3o Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.”154

Vê-se que o valor máximo da garantia que pode ser requerida pela Administração Pública não ultrapassa a 10% do valor do contrato. Além disto, trata- se de uma opção dada ao licitador que, em querendo, pode exigir a referida garantia. O resultado não é outro: ante a baixa porcentagem de cobertura do

153

CARVALHOSA, Modesto. Combate efetivo à corrupção depende a quebra do capitalismo de laços. Revista dos Tribunais, vol. 967. 2016. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2016-jun- 14/modesto-carvalhosa-combate-corrupcao-ataca-capitalismo-lacos>. Acesso em 28 de nov. 2017. 154

BRASIL. Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Planalto, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8666cons.htm>. Acesso em: 10 mai. 2018.

contrato, somada a faculdade que o legislador deu ao ente público, a inclusão de garantias nos instrumentos convocatórios e contratos públicos se mostra tímida.

Na outra ponta, o aumento da corrupção no Brasil, e a verificação de obras públicas abandonadas, contribuiu para que alguns parlamentares do Congresso Nacional propusessem projetos de alteração da Lei de Licitações, a fim de adequá-la ao que os Estados Unidos já vinham fazendo: exigência de garantias às contratações públicas. Neste sentido, colaciona-se a narração de Cesar van der Laan:

“A ampliação e obrigatoriedade do seguro-garantia com cobertura integral das obras públicas passou a ser vista como medida essencial para extinguir a corrupção. Isso surgiu a partir de sua defesa em uma série de reportagens em revista semanal de grande circulação nacional nos primeiros meses do ano, e acatada rapidamente por alguns parlamentares no Congresso Nacional.

A ideia é adotar o modelo americano de performance bonds para obras públicas, baseado na garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro, afastando outras modalidades de caução em dinheiro ou títulos públicos ou fiança bancária, em valores de cobertura de até 10% do valor contratual.”155

A primeira manifestação parlamentar foi por meio do projeto de lei do Senado n. 59/2016, que visa a alteração da lei de licitações, a fim de que passe a ser obrigatória a prestação de garantia de 100% do valor do contrato de obras, serviços e fornecimento de bens de valor estimado superior a R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).

A alteração supracitada, proposta pelo senador Eduardo Amorim, possui como justificação a insuficiência dos limites então vigentes para a cobertura dos valores referentes às multas usualmente aplicadas por inadimplência contratual. Possibilitará também a realização da qualificação do licitante pelas seguradoras, que, quando forem contratadas, avaliarão os riscos que serão assumidos e as

qualificações técnica e financeira das empresas.156

Posteriormente, fora apresentado o projeto de lei n. 274/2016 pelo senador Cássio Cunha Lima.

Por tal projeto, fora proposta a obrigatoriedade de seguro-garantia de execução em todos os contratos públicos de obras e de fornecimento de bens e

155

LAAN, Cesar van der. Reformulação da lei de licitações e contratações públicas: fragilidades na proposta de uso de seguro-garantia como instrumento anticorrupção.

156

Conforme Projeto de Lei do Senado n. 54/2016, disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/124968>. Acesso em 23 de ago. 2018.

serviços, cujo valor fosse igual ou superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), estabelecendo, outrossim, a cobertura do seguro garantia em 100% (cem por

cento) do valor do contrato. Eis a justificativa apresentada no projeto157:

“Os constantes problemas de alterações de projetos, superfaturamentos, atrasos e abandonos de obras públicas demonstram a falta de proteção do Poder Público ao celebrar contratos com empresas privadas para a realização de obras ou fornecimento de bens ou serviços.

Esta situação torna ineficaz a gestão pública e favorece a ocorrência de atos de corrupção, com a consequente falta de amortização dos investimentos públicos que, assim, não conseguem propiciar o retorno esperado pela sociedade brasileira.

A falta de uma efetiva garantia da correta e tempestiva execução dos contratos públicos está diretamente relacionada com a inadequação da legislação nacional aplicável às licitações e aos contratos celebrados pela Administração Pública.

Daí a necessidade premente de uma legislação que, a exemplo do que ocorre na iniciativa privada, garanta o resultado esperado pelo Poder Público ao contratar obras e fornecimentos. A experiência internacional, principalmente com o Miller Act norte-americano e algumas legislações europeias, demonstra que a contratação pública somente tem eficiência, previsibilidade e segurança de amortização do investimento público, com a adoção de um sistema abrangente de seguro garantia que assegure o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelas empresas privadas ao

contratar com o Estado.

(...)” E complementa:

“Ademais, o Anteprojeto confere à seguradora amplos poderes de fiscalização da execução do contrato principal, tornando-a um terceiro interessado no correto adimplemento do contrato pelo tomador, sob pena de, em não fiscalizando corretamente o cumprimento do contrato, ver-se obrigada a indenizar o Estado ou assumir, diretamente ou por intermédio de terceiro, a execução do projeto.

É, nesse sentido, por exemplo, que o Anteprojeto exige a apresentação de projeto executivo adequado como condição à execução da apólice e, sobretudo, amplia o poder de ação imediato da seguradora após a comunicação do sinistro.

Embora o Estado continue fiscalizando o cumprimento do contrato por intermédio de seu corpo técnico próprio, o Anteprojeto cria um sistema que limita o diálogo entre os administradores públicos e as empresas privadas durante a execução do contrato, interpondo entre eles a figura da seguradora, na condição de principal interessada no correto adimplemento do contrato público.

Ele visa, assim, a complementar, aprimorar e modernizar o regime de licitação pública de obras e fornecimentos, trazendo soluções que se mostraram adequadas em outros países, sem desnaturar o atual regime nacional de contratação pública, especialmente as regras previstas nas Leis nº 8.666, de 1993 e nº 12.462, de 2011. (...)”

157

Conforme Projeto de Lei do Senado n. 274/2016, disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg - getter/documento?dm=4461967&disposition=inline>.Acesso em 23 de ago. 2018.

Observa-se que ambos os projetos, a ideia que se tem é a de que, ante o elevado valor dos contratos, as seguradoras, por iniciativa própria, passariam a fiscalizar a execução das obras públicas.

Para Cesar van der Laan, os projetos de lei são apresentados com a equivocada concepção do funcionamento do mercado de seguros. Segundo ele:

“A garantia compulsória do valor integral do contrato por seguro não irá incentivar a Seguradora a fiscalizar de perto a obra, pois ela não depende da fiel execução contratual para garantir seu lucro. Isso porque o prêmio cobrado para assunção de risco, independentemente do valor coberto, já embute a expectativa de ocorrência de sinistro, que está atrelada ao risco do segurado e da própria viabilidade inerente ao projeto a ser segurado.”158 Em que pese o defendido pelo autor, não parece crível que as seguradoras deixarão de fiscalizar as empresas para as quais elevados valores garantem. Não bastasse isto, observa-se que o projeto de lei n. 274/2016, motivando a conduta fiscalizatória, sistematiza em seus artigos 21 a 25 a maneira como as seguradoras poderão assim o fazer.

Deste modo, mostra-se viável e justificável a inserção da exigência da performance bond no ordenamento brasileiro, a fim de que se garanta a execução dos contratos celebrados com o Poder Público.

Assim ocorrendo, contribuição também se verificará para o combate à corrupção, notadamente no que se refere ao procedimento licitatório. Isto, pois, sua exigência possibilitará a lícita concretude da licitação.

Isto, pois, quando da avaliação dos riscos do negócio pela seguradora, visto que para verificar os riscos da apólice, esta verificará, por via oblíqua, o se as empresas preenchem as exigências técnica e financeira requeridas na fase de habilitação do procedimento licitatório.

Ora, como já fora exposto em capítulo anterior, na fase de habilitação é frequente a realização de fraudes, ante o subjetivismo na avaliação das capacidades dos interessados em licitar.

Além disto, com a exigência do seguro-garantia, criar-se-ão barreiras para a ocorrência dos corriqueiros conluios realizados entre agentes públicos e as empresas licitantes, que antes do início da fase externa da licitação, ajustam preços, propostas e até mesmo as cláusulas do edital.

158

LAAN, Cesar van der. É crível o seguro-garantia como mecanismo anticorrupção nas obras públicas?. Disponível em: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2016/07/28/e-crivel-o-seguro- garantia-como-mecanismo-anticorrupcao-nas-obras-publicas/>. Acesso em 20 jun. 2018.

Com a intervenção das seguradoras, os acordos ilícitos não se concretizarão com a facilidade já habitual, uma vez que, além da presença de um terceiro na relação original, este terá interesse na licitude e fiel concretude da obra, visto que

poderá arcar com os custos que os conluios deixarem159, além dos prejuízos

atinentes à inexecução da obra.

Neste sentido, já se manifestou Modesto Carvalhosa, para quem a performance bond é:

“remédio fundamental para o combate efetivo à corrupção sistêmica no Brasil é o rompimento desse capitalismo de laços, ou seja, a quebra da interlocução direta e promíscua das empreiteiras e fornecedoras com os agentes políticos e administrativos.”160

Assim, ainda que se alegue a performance bond pode frustrar o caráter competitivo das licitações, ante a exigência de outro requisito para participação no procedimento licitatório (contratação de seguradora), seu uso não induz em consequente restrição da concorrência, visto que, na prática, sua obrigatoriedade se dará apenas às contratações com valores elevados (acima de 10 milhões de reais), ou seja, em contratos de magnitude que pressupõe a boa condição financeira da interessada em licitar.

Desta forma, seja para garantir a execução de contratos celebrados com o Poder Público, seja para assegurar o bom andamento do processo licitatório, a utilização da performance bond se apresenta como uma contribuição ao Brasil, notadamente ao combate da corrupção que há muito aqui tem se destacado.

159

Neste ponto, anota-se que os custos do conluio se materializam no superfaturamento do negócio, por exemplo.

160

CONCLUSÃO

A corrupção, entendida como a putrefação de um ideal perquirido em uma sociedade, é tema corriqueiro no cenário mundial.

O Brasil, que muito experimenta os efeitos deste mal, é tido mundialmente como sendo um país com elevados índices de percepção da corrupção na Administração Pública. Isto, pois, o Brasil, dentre cento e oitenta países, é considerado um dos noventa países mais corruptos do mundo, ao lado da Colômbia e Peru, e, bem distante da Finlândia e Dinamarca, considerados os países com menor presença da corrupção.

Na Administração Pública, a prática de atos corruptos pode ser encontrada nas contratações públicas, no desvio de verbas, além da prática de nepotismo, todos cuja ocorrência se dá em razão de deficiências do sistema jurídico administrativo brasileiro.

Exemplo desta deficiência é o próprio procedimento licitatório que, conforme discorrido neste trabalho, ao mesmo tempo que nasce para combater favorecimentos na contratação pública, também pode ser utilizado como mero instrumento voltado à concretude de conluios e acordos ilícitos com vistas a saquear o erário.

Ora, a licitação, em vez de utilizada para a escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública, é usada para garantir melhores vantagens à criminalidade cartelizada que simula respeitá-la, quando, em verdade, já tinha ajustado os termos do edital, as características e qualificações nec essárias para as habilitações técnica e financeira, bem como as propostas a serem apresentadas para que se vença o procedimento licitatório.

Isto, pois, em muitos editais de licitação, exigem-se das partes qualificações técnicas que somente a empresa em conluio possui, assim como também se analisa a situação financeira das interessadas em licitar com forte grau de subjetividade.

A operação Calicute muito bem clareia esta dinâmica. Diversas empresas da área da construção civil se unem, em forma de cartel, e acertam com os agentes públicos quem delas vencerá a licitação, pagando ao representante estatal propinas em contraprestação à entrega do objeto licitatório. Tudo é garantido em razão do direcionamento da contratação, já iniciado antes mesmo do processo licitatório, em sua fase interna.

De fato, tal dinâmica não viola apenas o caráter competitivo da licitação. Seus efeitos vão além: valores pertencentes ao povo brasileiro são destinados ao enriquecimento ilícito de poucas e corruptas pessoas, que se fartam em mordomias em detrimento da sociedade. Esta, em razão de tal desfalque, a população brasileira sofre com falta de saneamento básico, moradia digna, educação decente e segurança pública apropriada.

Em que pese o esforço empreendido por diversas instituições públicas para o combate destas práticas, caso não se quebre a ligação existente entre os agentes públicos e as pessoas interessadas em licitar com o Estado, a licitação poderá perdurar por tempos como instrumento assecuratório de conluios fraudulentos.

Neste sentido, a exigência da performance bond nas contratações públicas se mostra demais necessária, visto que, além de garantir a fiel execução de obras públicas, minorará as chances de prévios acordos ilícitos entre o Poder Público e as empresas interessadas em licitar, uma vez que um terceiro interessado (seguradora) se apresentará como intermediário na relação entre eles, fiscalizando suas condutas durante todo o procedimento licitatório e execução do futuro contrato.

De certo, por tal exigência não se erradicará a corrupção, até porque as causas desta são bem amplas. O que se terá, entretanto, é um novo instrumento