• Nenhum resultado encontrado

3. Entrevistas

3.3 Sonata em Am: Apresentação e Análise dos Dados

3.3.5. Performance Historicamente Informada

Em relação à performance historicamente informada, a maioria dos flautistas entrevistados considerou ser um movimento importante, mas que é preciso ter cuidado, para que sua aplicação não restrinja ou limite a liberdade criativa dos intérpretes. De acordo com Maurício Freire, toda música tem que ser historicamente informada; ou seja, é sempre importante conhecer o contexto de criação da peça e de outras obras do mesmo compositor, independente da época em que foram escritas – pode ser Varèse, Bach, Debussy, etc. Na opinião de Freire, é interessante estudar as regras presentes nos tratados e métodos da época de Carl Philipp, por exemplo, mas ao mesmo tempo considera que “a regra é um atalho muito simples para você deixar de entrar em contato com a música”, e portanto é preciso estar atento a isso, e não deixar de utilizar o material musical majoritariamente como referência, em detrimento das regras interpretativas. Em relação às regras de trinado e uso de vibrato, segundo Freire, o intérprete deve fazer suas escolhas de acordo com o seu senso estético: a opção de fazer um trinado, por exemplo, começando pela nota de cima ou pela nota de baixo, deve ser baseada em questões harmônicas e estruturais.

Artur Andrés compartilha da opinião de Maurício Freire, quanto à importância da existência de estudiosos na área da interpretação historicamente informada, mas também sugere haver cuidado para que esse estudo não limite o intérprete e o distancie do material musical, que é o mais importante. Para Andrés, é impossível saber ao certo como se tocava há quatrocentos anos, independente de quantos estudos sejam feitos; ele considera arriscado generalizar a interpretação com base em livros escritos na época, como se houvesse apenas um jeito correto e único de se tocar as obras, realizar trinados ou utilizar o vibrato.

Lucas Robatto gosta do conceito, da ideia, de procurar informações sobre a música no contexto em que ela foi criada. Para ele, há excelentes músicos, estudiosos de época, que o inspiram não só nas performances com instrumentos originais, mas também com instrumentos modernos. Como

Maurício Freire, Robatto incorpora essa ideia da contextualização da obra e do compositor, para tudo o que estuda, de Bach a Varèse.

Felipe Amorim considera importante o movimento de interpretação historicamente informada, porque oferece ao intérprete uma série de opções interpretativas, que nem sempre são descobertas pela simples leitura da partitura. No entanto, Amorim não acha que seja imprescindível a realização de uma interpretação nos moldes da época em questão, por não percebê-la mais ou menos válida – é apenas uma opção. O flautista afirmou que “a evolução da percepção não possibilita termos uma música de época, [...] sempre ouviremos com nossos ouvidos de hoje, e a produção do sentido musical é resultado de uma experiência contemporânea”. Felipe acredita, portanto, que a pesquisa histórica disponibiliza um “leque grande de alternativas interpretativas para o intérprete, no momento da construção de uma interpretação”.

Gil Magalhães procura usar algumas ideias vindas do movimento de performance historicamente informada, mas também acha impossível saber ao certo como se interpretava a música na época, e determinar assim um padrão; ele acredita que as regras podem ajudar a justificar determinadas escolhas interpretativas, mas não as toma como uma obrigação ou algo restritivo, e as utiliza quando considera que dialogam com a sua concepção musical. Segundo Raquel Lima, é importante conhecer as regras e tratados históricos, como uma forma de se respeitar o compositor e a obra. Por exemplo, sugere ler o tratado de Carl Philipp e ouvir gravações de obras da mesma época, mas recomenda não exagerar em relação ao uso de regras, sendo sempre necessário encontrar um meio termo que faça sentido para o intérprete.

Olavo Barros é um grande estudioso do Barroco, mas, ao tocar, não demonstrou ser excessivamente ligado a regras, e quando toca flauta barroca, faz pouco ou nenhum vibrato; já na flauta moderna, faz um pouco mais, pois acredita que fica melhor no instrumento. Por ser muito ligado à música Barroca e tocar com frequência esse tipo de repertório, Barros

acredita que há algumas regras e ideias desse período que já estão internalizados, mas não representam qualquer tipo de radicalismo para ele.

Stephanie Wagner considera importante haver pessoas estudando música Barroca e pesquisando sobre suas regras de interpretação. No entanto, pensa que há decisões musicais a serem tomadas, independente de regras, pois devem ser sentidas pelo intérprete. Para ela, não se deve tocar de determinada maneira apenas porque alguém disse que essa seria a forma historicamente apropriada, ou correta. Ao mesmo tempo, Stephanie acredita que não devemos ignorar as descobertas feitas pelos pesquisadores de época – é preciso dosar e, acima de tudo, fazer de uma maneira que satisfaça esteticamente ao próprio intérprete.

Segundo Monika Streitová, é importante conhecer métodos e tratados, mas não se vê como uma “fundamentalista” quanto à interpretação historicamente informada; e citou o exemplo do vibrato, que considera ser extremamente natural na flauta, e por isso acha desnecessário deixar de usá- lo, apenas por corresponder ao que se acredita que era o estilo, no Barroco – no entanto, o vibrato não deve ser exagerado, deve ter uma vibração correspondente à respiração humana.

A seguir, o Diagrama 20 apresenta as principais ideias dos flautistas acerca das regras de interpretação barrocas, e do movimento de Interpretação Historicamente Informada:

DIAGRAMA 20 – “Performance Historicamente Informada”, da Sonata em Lá menor. A partir das informações obtidas com os flautistas acerca do “Movimento de interpretação historicamente informada”. Fonte: entrevistas realizadas entre os anos de 2013 e 2015, pela autora.

PERFORMANCE HISTORICAMENTE

INFORMADA

Toda performance deve ser historicamente informada: conhecer o contexto de criação da peça, seu estilo, o compositor e sua obra

Ler o tratado de Carl Philipp; Ouvir gravações

de obras da mesma época

Estudos históricos são muito importantes

Fornecem várias opções interpretativas, que não podem ser descobertas

apenas através da partitura

MAS é impossível saber ao certo como se tocava algo no período Barroco

MAS o material musical é o mais importante, a principal referência para

interpretação

MAS uma interpretação "de época" não é mais ou

menos válida, é a penas uma opção Sempre ouviremos com a

"escuta de hoje", atual; Nossos ouvidos não são

Barrocos

Regras ajudam a justificar escolhas interpretativas, mas não são obrigatórias,

nem restritivas

Trinado e Vibrato

Escolher como fazer, de acordo com o senso

estético pessoal

Não há apenas um jeito de fazer / utilizar

Vibrato: na flauta Barroca pouco ou nenhum; na

flauta moderna um pouco, pois soa bem, é desnecessário deixar de usar. O uso do Vibrato é

algo natural na flauta Internalizar regras e

ideias, mas utilizá-las sem radicalismo; Dosar, encontrar um meio termo

que faça sentido para o intérprete

Documentos relacionados