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MALAGRIDA E A “IDADE DE RAZÃO” Célia Cristina da Silva Tavares

A PERMANÊNCIA NA CORTE PORTUGUESA

Em 1754 Malagrida voltou a Portugal, onde assu- miu papel de destaque na corte, tornando-se o confes- sor da rainha Maria Ana de Áustria, mãe de Dom José I, e alinhando-se aos opositores de Pombal21. Os bió- grafos de Malagrida insistem em afirmar que o início das rivalidades entre Pombal e Malagrida reside em um fato corriqueiro,

poucos dias eram passados depois que Malagrida chegara a Lisboa. Saía ele, uma manhã, de longa prática com a rainha, quando nas escadas do paço encontrou o ministro. Como o não conhecesse, passou avante. Ferido no seu orgulho, Sebastião José de Carvalho reteve-o, e perguntou-lhe se o não conhecia. “Não tenho essa honra

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- respondeu-lhe simplesmente Malagrida. - Oh! que mortal tão ditoso! - exclamou o valido -. Como! o padre vive na corte, e não conhece o secretário de Estado!” A tais palavras, Malagrida, confuso de sua ignorância, lançou-se aos pés de Carvalho, desculpando-se que apenas acabava de entrar em Portugal, e lhe rogou humildosamente que lhe perdoasse a descortesia involuntária; depois, prosseguiu em tom respeitoso: “Agora que tenho a honra de conhecer e falar com a V. Exª., permita-me, senhor, que lhe faça um pedido; e é de retirar do Maranhão seu irmão, o sr. Mendonça; porque é tanto o ódio que seus processos administrativos lá lhe têm granjeado, que eu lhe futuro alguma desgraça, se ele não evade depressa à vingança de seus inimigos. Hei de pensar nisso”- respondeu secamente Carvalho.22

A se acreditar que esse episódio realmente ocor- reu, pode-se constatar a inabilidade política que tinha o jesuíta. Mas certamente essas questões pessoais, que são de difícil confirmação, não devem servir de base para o estudo dos atritos entre Malagrida e Pombal. Em outros campos é possível se obter uma indicação mais fundamentada das diferenças entre o jesuíta e o ministro.

Com o agravamento da saúde da rainha, esta trans- feriu-se para a quinta de Belém. Em Lisboa, durante a madrugada, Malagrida ouviu novamente a voz miste- riosa que lhe falara muitas vezes na colônia, instando-o a ir ao encontro da rainha que morria. Correu para lá e viu a rainha agonizante apenas uma vez, pois foi proi- bido de se aproximar novamente dela. Resolveu retirar- -se para Setúbal e em 14 de agosto de 1754, a rainha faleceu.23

A morte da rainha quebrou o círculo de proteção aos jesuítas que ela patrocinava. Sem contar com um apoio mais sólido na corte, os inacianos se tornaram alvo de muitas críticas. No episódio do terremoto de Lisboa, em 1755, Malagrida, que, segundo seus biógra- fos, tivera uma premonição do desastre, desempenhou importante atuação quando se dedicou à ajuda às víti- mas e ao amparo religioso dos desabrigados.24

Entre o povo começou a circular uma das profecias do sapateiro de Trancoso que anunciava: “na era que tem dois cincos [...] grandes gritos de gentes despeda- çadas”25. Para neutralizar o misticismo, Sebastião José divulgou uma explicação em que afirmava que as cau- sas do terremoto advinham de forças da natureza, na mais pura tradição ilustrada do século XVIII.

Nesta época, Malagrida escreveu um livro, Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto, publicado com louvor do Santo Ofício que lhe exaltava a doutrina, dando uma explicação mística para a ocorrência do fenômeno, por ele atribuído ao castigo divino, num claro antagonismo ao Marquês de Pombal:

sabe, Lisboa, que os únicos destruidores de tantas casas e palácios, os assoladores de tantos templos e conventos, homicidas de tantos habitantes, os incêndios devoradores de tantos tesouros não são cometas, não são estrelas, não são vapores ou exalações, não são fenômenos, não são contingências ou causas naturais, mas são unicamente os nossos intoleráveis pecados.26

Em meio ao desespero e desalento que tomavam conta de Lisboa destruída, essas palavras reverberavam fortemente. Mas o que não foi afirmado explicitamente no texto era falado em viva voz pela ruas da cidade27. Independente do debate, o terremoto de Lisboa foi uma catástrofe que marcou os europeus contemporâneos ao desastre. Voltaire, em Cândido ou o Otimismo, de 1759, retratou o acontecimento e a polêmica, no seguinte trecho:

estilhaços de pedra haviam atingido Cândido, que jazia caído na rua, coberto de escombros. Disse ele a Pangloss:

- Ai de mim! Arranjai-me um bocado de vinho e de azeite, que eu morro.

- Não há nada de novo num terremoto como este, respondeu-lhe Pangloss; a cidade de Lima sofreu idênticos abalos na América, o ano passado; para causas iguais, efeitos iguais; certamente, de Lima a Lisboa há um rastilho subterrâneo de enxofre.28

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REVISTA DE ESTUDOS DE CULTURA | N 05 | Mai. Ago./2016

Portanto, o tremor de terra em Lisboa aba- lou também as já frágeis ligações entre a monarquia e a Companhia de Jesus. Assim, após o episódio da publicação Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto, Malagrida foi desterrado para Setúbal, em 1756. Lá, organizou sessões dos exercícios espirituais, que eram frequentadas por muitos nobres e suas mulheres, den- tre os quais o marquês e a marquesa de Távora e o duque de Aveiro, envolvidos, posteriormente, no aten- tado contra D. José I.

O rompimento entre coroa e inacianos se desen- volveria, ainda mais, no ano de 1757, quando os jesuí- tas José Moreira, Timóteo de Oliveira, Jacinto da Costa, José Araújo e Manuel Matos, confessores da família real, foram proibidos de permanecerem na corte. A ten- são era motivada também pela divulgação de textos que continham fortes denúncias contra os jesuítas.

O ATENTADO AO REI E A PERSEGUIÇÃO AOS