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3 Um Olhar Sobre o Masculino e suas Práticas de Saúde

3.2 O masculino e suas práticas

3.2.1 Sexualidade, Saúde Sexual e as Dinâmicas das Relações Afetivas

3.2.1.3. Permanência do Vínculo x Status Sorológicos dos Cônjuges

Pudemos verificar neste estudo que nos casais soroconcordantes o laço conjugal permaneceu independente da qualidade da relação. Já nos casais sorodiscordantes, 60% das relações não foram adiante, conforme verificado na Tabela 21.

Tabela 21. Permanência do Laço conjugal x Status sorológico dos cônjuges.

Entrevistado 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Status Sorológico da cônjuge + Soro- discor- dante - + + Soro- discor- dante - Soro- discor- dante - + Soro- discor- dante - Soro- discor- dante - + Permanência do Laço após o diagnóstico Sim Sim * sem vínculo sexual

Sim Sim Não Não Viúvo

no momen

to do diagnós

tico

Não Sim Sim

De acordo com Ruffié (1988), nas populações humanas atualmente vivas podemos encontrar todos os tipos de estruturas sócio-sexuais. Mas a única invariante cultural encontrada sempre e em todo lugar é a do adultério. Os povos, com suas variantes culturais, convivem com o adultério de acordo com suas tradições, à sombra dos mitos, tabus e necessidades básicas.

50 - Em função desta questão colocada, recorri aos relatórios do Grupo de Adesão que tinham como tema:

“Namoro em tempo de AIDS”, “Vida a Dois” e “Sexualidade: antes e depois do HIV” e pude constatar, pelo número de participantes, o quanto essa discussão vai ao encontro das demandas da população. Há o registro de que a reunião possibilitou a conversa e tomada de decisão de alguns participantes e casais em relação a medidas protetoras que até então não tinham tido “coragem” para tocar no assunto ou compreendido suas implicações.

Nas conversas com esses homens essa prática foi revelada por 70% dos participantes. Foi possível encontrar essa naturalização “da infidelidade masculina”, ainda que em alguns depoimentos, o “ser fiel” fosse apontada como uma característica fundamental na sua escala de valores.

• A Não-permanência do Vínculo

Talvez, não tenha sido possível para estes homens, e para os casais, manter o laço e responder a cobrança social da traição e da possibilidade da contaminação, conforme podemos perceber no depoimento abaixo:

“(...) às vezes eu tinha um caso na rua, até então ela nunca soube...nos separamos porque eu tava pegando firme na bebida... acabei numa internação no Henrique Roxo51...vivia alucinado... aí ela saiu de casa... fiquei separado quase dois anos... aí a coisa desandou, não lembro quantas foram, escancarei... vivia em noitada... quando tava sóbrio usava camisinha... quando tive a “crise de ácido úrico” é que dei um tempo. Nessa época minha ex-esposa se reaproximou de mim, me deu força...mas não sabia do diagnóstico, e dos meus casos...voltamos a conviver... depois de um ano do meu diagnóstico...quando já “tavamos” juntos de novo, com uns sete meses é que eu fui contar...a gente tava na igreja, não achava certo esconder...ela ficou tensa...fez vários exames...todos deram negativos...eu usava camisinha sempre...a gente ainda ficou junto por mais um ano, mais ou menos, mas não deu certo...ela não confiava mais em mim, eu saía e ela achava que eu estava com outra mulher... tinha vergonha de ser vista comigo por alguém que soubesse da situação”. ( Entrevistado 6 tem 43 anos, conhece seu diagnóstico há cinco anos).

Observou-se no estudo que, após a separação, os homens que vieram a ter novo laço afetivo “estável” o fizeram em algumas situações com parceira não portadora do vírus (em relação consentida e com conhecimento prévio do diagnóstico), o que nos leva a inferir o peso da infidelidade na decisão da separação, muito mais que o medo da contaminação.

• A Permanência do Vínculo

A permanência do vínculo nos casais soroconcordantes foi referido como medida de sobrevivência mútua na busca do cuidado e no enfrentamento da doença ou a adesão a valores da moral religiosa recentemente agregada à rotina afetiva:

“(...) antigamente eu dava meus pulinhos (...) hoje sou fiel (...) eu e minha esposa fazemos o tratamento aqui tem quatro anos...depois de tudo isso que aconteceu na minha vida eu me aposentei, hoje eu vivo pra minha família, para o meu tratamento. A gente entrou pra igreja...sou presidente da união de homens da igreja da comunidade..isso tem feito bem a mim e a ela, ela tem recebido muito apoio... ela ficou muito abalada ”(Entrevistado 3 tem 57 anos, conhece o diagnóstico há quatro anos).

Nas duas situações em que o laço conjugal permaneceu na vigência do soro- discordância do casal, em apenas um há manutenção do vínculo sexual. Não foi possível avaliar se tal manutenção tem se dado em função do ideal amoroso ou por alguma relação de dependência e/ou de poder instituída. No relacionamento no qual o casal não mais mantém relações sexuais, o homem explica essa situação nos seguintes termos: “(...) a gente vive

como irmão”. Este homem trouxe um dado novo para essa amostra: mantém relações com

outros homens regularmente desde o início da sua vida sexual (ainda que tenha declarado no prontuário orientação heterossexual):

“(...) eu sou homem, mas não sou machista”... A gente tem que conhecer a si próprio... Encarar a realidade... “Eu tenho um caso e já tinha antes de casar, sexo com outros homens”. (Entrevistado 2, 50 anos início da vida sexual aos 12 anos, tem conhecimento do seu diagnóstico há 5 anos)52.

Os homens entrevistados modelam sua sexualidade incluindo, de forma natural, a infidelidade como um dos seus componentes. Uma vez naturalizada ela é tomada como um aspecto imutável das suas vidas. Diante disso parece ser necessário reforçar a necessidade de associar medidas preventivas aos casos extraconjugais como propõem Guerreiro, Ayres e Hearst (2002).

52

- Esta é uma questão complexa. No caso em questão, não houve a contaminação da parceira, mas é do nosso conhecimento fato semelhante em usuário do programa e que teve como desfecho a contaminação do cônjuge, que corrobora a observação de Baker (2000) de que o comportamento de muitos homens coloca sob risco suas parceiras.