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UMA PERNA DE MADEIRA E DE CARNE, UMA DE OSSO E DE CARNE UMA MÓVEL E OUTRA FINCADA NA TERRA.

Quando o braço deixa de ser braço, para compor um “tripé humano”.

A história do tripé.

Quero deixar claro que talvez não seja nem tripé, mas engendramento de todas as estruturas e fluxos possíveis que sirva de movimento para o acontecimento. Pura passagem de homem, árvore, força, passado, futuro, presente, desejo. Articulação de incontáveis formas em outro tempo. Desconstrução de um corpo, que ao se achar “menor” inventa outras maneiras de ser, de cavalgar, de trepar em árvores, etc. Um corpo, que ao duvidar do próprio corpo, o põe em experimento e ousa trepar num coqueiro.

Acompanhando esse exercício de subir no coqueiro e o que isso faz transportar, imagina-se que contribui para a ecosofia, articulação ética e política entre os três registros ecológicos – o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade. Isso, porque, relançar no espaço um corpo atingido pelas máquinas e motores, fazendo esse jogo sem tantos fins utilitaristas, vai desenvolvendo seres seus que se entrelaçam no espaço e no tempo permitindo aprendizados e sugerindo que nos entrelacemos no tempo e no espaço também, produção de subjetividade. “A ecosofia social consistirá, portanto, em devolver práticas específicas que tendam a modificar e a reinventar maneiras de ser no seio do casal, da família, do contexto urbano, do trabalho, etc. [...] reconstruir o conjunto das modalidades do ser-em- grupo. E não somente pelas intervenções “comunicacionais” mas também por mutações existenciais que dizem respeito à essência da subjetividade. Nesse domínio, não nos ateríamos às recomendações gerais mas faríamos funcionar práticas efetivas de experimentação tanto nos níveis microssociais quanto em escalas institucionais maiores.” (GUATTARI, 2005)

Não se trata de apenas contar sobre como que foi subir no coqueiro, mas de deixar fazer, quando a história se faz contar. Assim, Billy tem nas suas mãos uma pinça, alcança um fragmento de vida e o leva até a “boca” do baú para nos fazer saber a respeito da habilidade de subir em coqueiros. Era uma competição de meninos?

Brincadeira de criança? Desafio? É o que quiser que seja e der movimento para que seja enquanto for, enquanto a pinça puxar, enquanto a pinça passar pra mãos de outros e ir puxando coisas que estão amarradas nesta linha, até arrastando as que estão soltas.

“Quando nos dizem que o hominiem tira da terra suas patas anteriores, e que a mão é antes locomotora, depois preensiva, são limiares ou quanta de desterritorializaçao, mas, a cada vez, com reterritorializaçao complementar: a mão locomotora como pata desterritorializada se reterritorializa sobre os ramos dos quais se serve para passar de árvore em árvore; a mão preensiva como locomoção desterriotorializada se reterritorializa sobre elementos arrancados, emprestados, chamados ferramentas, que ela vai propulsar” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 155).

Fazia artemanha. Fazia dos braços direito-esquerdo perna esquerda-coqueiro uma máquina de subir em coqueiros, e como subia. Até onde não tinha mais para onde subir. Disse que era muito rápido e fazia com tal habilidade, o que um “sujeitinho com dois membros inferiores e dois superiores” não fazia. Acho que assim, cria-se uma geometria diferente ao subir. Divide a gravidade ao fazer remanejamento do espaço e do corpo desterritorializado. Remanejamento do modo de ser?

Remanejamo-nos ao viver, incessantemente.

Sobre isso, Guattari (1992, p. 119), diz assim:

“Não é um objeto „dado‟ em coordenadas extrínsecas, mas um Agenciamento de subjetivação dando sentido e valor a Territórios existenciais determinados. Esse agenciamento deve trabalhar para viver, ataliza-se a partir das singularidades que o atingem. Tudo isso implica a ideia de uma necessária prática criativa. São novas maneiras de ser do ser que criam os ritmos, as formas, as cores, as intensidades da dança. Nada está pronto”.

Imagina-se seres simbióticos. Ao passo que ele sobe no coqueiro e o coqueiro o faz subir, deixando os dois serem mais os dois e serem menos os dois. Agregando e desagregando. Para fazer entender esta imagem: os dois juntos poderiam estar se subindo. Não é um que serve para o outro. Talvez eles se queiram mutuamente para ser mais menino, para ser mais coqueiro, e ao mesmo tempo, para deixar de ser menino e coqueiro. Pois neste pedaço de tempo em que o “menino sobe” não é só menino que está lá. É o coqueiro, a lagarta, o menino, os gritos, a energia, suor, tudo isso circulando nessa engrenagem, que não vem de dentro, nem de fora, mas está entre. Na disposição, topar o desafio que não estava posto, mas que surge só

no encontro. No olho que vê possibilidades, há essas criações mutantes. Deixar ter consistência essas criações mutantes pode ser, também, remanejamento de modos de ser.

Será tão triste e perigoso não mais suportar os olhos para ver, os pulmões para respirar, a boca para engolir, a língua para falar, o cérebro para pensar, o ânus e as pernas? Por que não caminhar com a cabeça, cantar com o sinus, ver com a pele, respirar com o ventre. O Corpo sem Órgãos é o campo de imanência do desejo, o plano de consistência própria do desejo, ali onde o desejo se define como processo de produção, sem referência a qualquer instância exterior, falta que viria preenchê-lo oco, prazer que viria preenchê-lo (DELEUZE; GUATTARI, 1995c).

Quando uma associação simbiótica ocorre, não há um ser que é mais que o outro. Assim, ficando no mesmo estrato, sem “alturas de importância”, todavia, em permissividade de passagem e abertura em que lagarta, homem, árvore, entre outros, habitam o mesmo espaço e um contribui para a existência do outro.

Essas novas maneiras de ser do ser, faz tocar, faz puxar o olhar, e fazer do presente um acontecimento de valor artístico. E assim é, transmuta, vai como em telefone sem fio, que não carrega a fala primeiro, mas é distorcida, modificada de pessoa a pessoa, despessoalizando, tirando a autoridade da fala. Ilustrando: de um evento que ocorreu, outros acontecimentos vieram pelo vento, da árvore, depois sua história contada, depois a vista do menino que arranca jaca, depois a subida na árvore do parque. Passando de um para o outro. As árvores: estavam lá – Destaque – Detalhe – Produção do ser. Remanejamento do ser.

Um rapaz em cima da árvore a arrancar jaca no Centro de Ciências da Saúde, no campus de Maruípe.

Me pega de assalto nestes estudos acadêmicos. E como um punctum, de Roland Barthes em a câmara clara, isso distrai. Ou atrai. Percepção em lugares iguais um mundo de relações que se dão a existir. A forma homem-natureza, homem-animal, o destaque da jaca, as conversas gritadas para se fazer ouvido, oferecendo jaca para os que passavam naquele pedaço de caminho. Uma potência. Assim como a

resistência do chuveiro faz água descer quente, o menino da jaca faz Campus de Maruípe ser meio “coisa de interior”.

Deslocamentos que fazemos sem nos delongarmos em quilômetros de distância.

O gesto

Escorre silenciosamente, Faz da muleta coqueiro. Transporta a sala para por aí.

A subida escorre, se infiltra. Provoca uma paixão por árvores,

Mas sem destinatário imediato.

Há um gosto pelas árvores. Deve ser isso que não consegue se captar o que é que puxa. Uma linha que puxa, emenda um ser no outro. Duvido do corpo ao subir. Estico. E enquanto ele tira a jaca, as pessoas param, andam mais devagar, “quer uma?” e ganham jaca. Contemplação. A gente se faz macaco, o pé ganha garra, o braço uma força, e depois um monte de arranhão marcado pela pele áspera do tronco.

Assim, andando, de relance no Parque Moscoso, me deparei com um balanço acabando de ser colocado numa árvore, espera. Espera que pode balançar. Entra no balanço, embala. Do balanço, o movimento ganha a árvore e arranhão do tronco. Mesmo que marque a pele, é pura transmissão de energia. Que marque tantas vezes quanto for.

Devaneio. Imagina se o mundo, o que podemos encostar fossem tudo pele. Descobriríamos infinitas texturas de pele. Inventaríamos encontros coisais, pessoais, naturais e as possibilidades seriam infindas de experimentar o mundo.

Guattari (1992), nos diz que os meios de mudar a vida e de criar novo estilo de atividade, de valores sociais estão ao alcance das mãos [...]. É verdadeiramente necessário que um trabalho coletivo de ecologia social e de ecologia mental seja realizado em grande escala. [...] A condição para tais mudanças reside na tomada de consciência de que é possível e necessário mudar o estado de coisas atual e de que isso é de grande urgência. É apenas um clima de liberdade e de emulação que

poderão ser experimentadas as vias novas do habitat e não através de leis circulares tecnocráticas.

Jorge Amado (1982), nos conta assim:

“O mundo só vai prestar Para nele se viver No dia em que a gente ver Um gato maltês casar Com uma alegre andorinha

Saindo os dois a voar O noivo e sua noivinha Dom Gato e Dona Andorinha.” “Uma ordem objetiva „mutante‟ pode nascer do caos atual de nossas cidades e também uma nova poesia, uma nova arte de viver.” (GUATTARI, 1992, p. 175).