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Personagens Como Vetores de Ideologia: uma questão de exclusão social

A narrativa moderna tem como premissas básicas tendências particulares que a

colocam numa condição cada vez mais inovadora e diferente da tradição narrativa mimética

aristotélica.

Pensar a questão da personagem significa que é quase impossível iniciar uma reflexão

teórica e não voltar o olhar para a Grécia antiga e conseqüentemente para os pensadores que

principiaram e impulsionaram o saber. Dos teóricos conhecidos, Aristóteles é o primeiro a

tocar neste problema da personagem de ficção: o começo de uma tradição voltada para o

conhecimento e reflexão dessa instância narrativa. Para Aristóteles, a personagem adquire

uma fisionomia duplicada: ressalta as relações de semelhança que existem entre a personagem

e o ser humano (mimesis); e também da condição de uma personagem como construção, cuja

existência obedece às leis particulares que regem o texto.

O fazer literário das gerações seguintes foi influenciado por este legado oscilante e

dual e serviu de modelo até meados do século XVIII. Até então, esses conceitos existentes na

“Poética” não haviam sido questionados. A partir daí, neste percurso, situa-se Horácio, poeta

latino, que em “Ars poetica” divulga as idéias aristotélicas e reitera suas proposições.

Segundo Horácio, associa no que diz respeito à personagem, o aspecto de entretenimento,

contido pela literatura, à função pedagógica, e consegue com isso enfatizar o aspecto moral

desses seres fictícios. E a personagem não é apenas como uma reprodução dos seres vivos,

mas como modelos a serem imitados, identificando personagem-homem e virtude e

advogando para esses seres o estatuto moralidade humana que supõe imitação.

Rosenfeld (1987, p. 21) define que “é a personagem que com mais nitidez torna

patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e se cristaliza”.

[...] não cabe à narrativa poética reproduzir o que existe, mas compor as suas possibilidades. Assim sendo, parece razoável estender essas concepções ao conceito de personagem; ente composto pelo poeta a partir de uma seleção do que a realidade lhe oferece, cuja natureza e unidade só podem ser conseguidas a partir dos recursos utilizados para a criação (BRAIT, 1985, p. 31).

A concepção de personagem elaborada por Aristóteles e reiterada pelo filósofo latino

Horácio permanece um longo período histórico sem ser questionada. Só vem sofrer alteração

e ser substituída por uma visão psicologizante, na segunda metade do século XVIII.

De acordo com essa nova tendência, final do século XVIII e todo o XIX, acredita-se

na personagem como representação do universo psicológico de seu criador. Fazendo uma

reflexão das concepções acima mencionadas, têm-se, na primeira, uma preocupação em

detalhar e esculpir a personagem com base na verossimilhança; e, na segunda, uma nova

forma de caracterizar a personagem desvinculada desta preocupação em retratar o mais

fielmente o real, mas sim em diferenciá-la deste padrão uniforme: uma personagem que

demonstra – pelo perfil do universo psicológico – ter acompanhado a evolução dos tempos no

que diz respeito à complexidade do ser humano.

Nos séculos XVIII e XIX, o sistema de valores da estética clássica sofre declínio e

simultaneamente a este fato acontece o desenvolvimento do romance, que se afirma com a

aceitação do novo público: a burguesia.

Estabelecendo uma relação do romance com a concepção de mundo burguês, Lukács

(1920 apud. SEGOLIN, 1978, p. 23) afirma ser a forma romanesca “a epopéia de um tempo

em que a totalidade extensiva não é já dada de maneira imediata, de um tempo em que o

homem e as estruturas por ele criadas se alienam mutuamente”. Pode-se pensar que é no

romance que se defrontam o herói romanesco e o herói problemático, porque ambos estão à

procura de valores autênticos. O primeiro situa-se num mundo de conformismo e convenção e

Lukács, a forma de pensar de Frateschi (1974 apud. SEGOLIN, 1978, p. 50) que afirma a

possibilidade de, no romance, o protagonista “ser ao mesmo tempo herói e traidor, vencedor e

vencido, covarde e corajoso”.

Com a evolução consolidada do homem e conseqüentemente da narrativa, o universo

da diegese muda: ao se pensar em enredo, estabelece-se uma ligação automática com os

personagens que nele habitam. A personagem pode ser considerada como a reprodução do ser

humano melhor do que é, uma vez que o mundo ficcionalizado pelo poeta, pode ser

considerado como melhor do que o real.

Para tanto, hoje se supõe que na construção de uma narrativa sejam os personagens

elementos cruciais, aos quais devam ser dispensados grande parte da atenção do narrador.

Assim o sendo:

[...] a personagem antes de ser a representação do ser humano, a personagem é, na verdade, uma “metáfora epistemológica” do homem e do mundo, uma vez que se trata não de um ser semelhante ao homem, mas de um ser semelhante ao universo tal como se nos apresenta a partir de um específico comportamento cognitivo [...] (SEGOLIN, 1978, p. 114).

O enredo existe através das personagens, portanto, elas vivem no enredo. Por isso,

deve-se reconhecer que, de maneira geral, que só há:

[...] um tipo eficaz de personagem: a inventada; mas que esta invenção mantém vínculos necessários com uma realidade matriz, seja a realidade individual do romancista, seja a do mundo que o cerca; e que a realidade básica pode aparecer mais ou menos elaborada, transformada, modificada, segundo a concepção do escritor, a sua tendência estética, as suas possibilidades criadoras. Além disso, convém notar que por vezes é ilusória a declaração de um criador a respeito de sua criação. Ele pode pensar que copiou quando inventou; que exprimiu a si mesmo, quando se deformou; ou que se deformou quando se confessou. [...] (CANDIDO, 1987, p. 69).

Desta maneira, os estudos desenvolvidos nada mais fazem do que tentar reproduzir por

prismas diversos a visão antropomórfica da personagem.

Desta forma,

[...] as personagens têm maior coerência do que as pessoas reais (e mesmo quando incoerentes mostram pelo menos nisto coerência); maior exemplaridade [...]; maior significação; e paradoxalmente, também maior riqueza – não por serem mais ricas do que as pessoas reais, e sim em virtude da concentração, seleção, densidade e estilização do contexto imaginário, que reúne os fios dispersos e esfarrapados da realidade num padrão firme e consistente. Antes de tudo porém, a ficção é o único lugar – em termos epistemológicos – em que os seres humanos se tornam transparentes à nossa visão, por se tratar de seres puramente intencionais, sem referência a seres autônomos; de seres totalmente projetados por orações [...] É precisamente o modo pelo qual o autor dirige o nosso “olhar”, através de aspectos selecionados de certas situações, da aparência física e dos comportamentos sintomáticos de certos estados ou processos psíquicos – ou diretamente através de aspectos da intimidade das personagens – tudo isso de tal modo que também as zonas indeterminadas começam a “funcionar” – é precisamente através de todos esses e outros recursos que o autor torna a personagem até certo ponto de novo inesgotável e insondável [...] ( ROSENFELD, 1987, p. 35-6).

Partindo destes pressupostos básicos, tem-se a explicação – através de alguns pontos

de vista – que a personagem é um dos elementos fundamentais para a construção ficcional e

que o romance é o palco dessas representações.

Lukács (1920 apud. SEGOLIN, 1978, p. 170) parte do princípio de que “o homem

ocupa um lugar na natureza, considerada não como uma entidade abstrata, mas como a base

de formas sociais peculiares, portanto de estruturas que implicando-se umas às outras , só

podem ser definidas no seu conjunto”. Diante de tais perspectivas relativas à personagem e ao

romance, tem-se que ela é entendida não como uma “tentativa de reprodução mimética do

homem, através da imitação de suas ações e/ ou paixões e sentimentos, mas como uma

O enfoque principal fica direcionado para a convergência dos pontos que estabelecem

semelhanças e diferenças entre o mundo real e o ficcional. Por alargar horizontes acerca

desses dois universos distintos, pela manutenção da coesão e coerência internas das

características das personagens, pelo espaço que ocupam, pelo estilo de narrar lenta ou

rapidamente e outros domínios que estruturam o texto de ficção percebe-se, após uma análise

teórica mais apurada, ser o mundo da ficção, um espaço mais apertado. Esta afirmação pode

ser explicada porque exige do autor uma grande habilidade em trabalhar com esses elementos

teóricos narrativos, para proporcionar através da palavra um universo ficcional instigante.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, qual outro signo de maior competência que

daria conta de explorar com eficácia o terreno ficcionalizante a não ser a palavra?

Como diz Brait (1985, p. 9) “que outra natureza reveste esses seres de ficção, esses

edifícios de palavras que, por obra e graça da vida ficcional, espelham a vida e fingem tão

completamente a ponto de conquistar a imortalidade?”.

Para que a ficção se sustente como tal, esse signo – “palavra” – é acionado e usado

como elemento imprescindível para a construção do enredo. A palavra, portanto, carrega junto

a si uma força ideológica particular. Tudo que é ideológico possui um significado especial, e

por assim o ser, remete a algo situado fora de si mesmo. Pensando em outros termos, tudo que

é ideológico é signo. Sem esses signos não existe ideologia. Partindo dessas premissas

básicas, a palavra é o primeiro e o mais importante signo constituinte do universo ficcional.

Se a personagem é um ser elaborado através de palavras, ela traz a complexidade e força

ideológica que a palavra carrega em si. Percebe-se, desta maneira, a quase impossibilidade de

externar pensamentos sem se valer de palavras. Torna-se impossível construir um discurso

interior sem que elas sejam utilizadas. Assim sendo, a palavra é utilizada como signo

importante no discurso interior, funcionando como signo sem expressão verbal externa, e está

Portanto,

[...] As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A

palavra constitui o meio termo no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram

tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais (DAMATTA, 1997, p. 41).

No mundo real ou ficcional, em muitas formas de comunicação, por mais elementares

que sejam, quase sempre exigem a presença das palavras. Partir-se-á mais adiante, através

deste signo para uma possível análise das personagens enveredando por entre elas, buscando

deslindar a força de cada indivíduo na ficção pela utilização da palavra; pela atuação do

narrador que pode falar pelas personagens, surtindo assim um outro efeito. Outra situação

particular é quando o narrador se vale de personagens que utilizarão poucas palavras, ou

ficarão destacados pela ausência delas. São postos em cena para não falar. Esta manutenção

do silêncio pode significar uma outra forma de falar.

Pensando nesta força de tendências desmitificadoras é na narrativa moderna que se

evidenciam essas personagens “inacabadas”. Ou seja, construídas imprecisamente através de

palavras, como personagens que não se caracterizam definitivamente.

A personagem dos romances atuais tem ocupado grande destaque no universo

diegético.

Por isso:

[...] o romance possui uma natureza dialética na medida em que, precisamente, participa, por um lado, da comunidade fundamental do herói e do mundo que toda

forma épica supõe e, por outra parte de sua ruptura insuperável; a comunidade do herói e do mundo resulta, pois, do fato de ambos estarem degradados em relação aos valores autênticos, e a sua oposição decorre da diferença de natureza entre cada uma dessas degradações. O herói demoníaco do romance é um louco ou um criminoso, em todo o caso, como já dissemos, um personagem problemático, cuja busca degradada e, por isso, inautêntica de valores autênticos num mundo de conformismo e convenção, constitui o conteúdo desse novo gênero literário que os escritores criaram na sociedade individualista e a que chamaram de romance (LUKÁCS 113. 1920 apud GOLDMANN, 1990, p. 9).

Essa questão não é assim tão simples. Não serão estas as primeiras e nem as últimas

linhas a tentarem desvendar os segredos da personagem.

É na tentativa de deslindar o lugar habitado por elas e reconhecer que ocupam espaço

e matéria diferentes do ser humano, que se pretende dirigir um estudo mais aprofundado e de

merecido destaque, pois são criações que a habilidade humana inventa para representar e

simular o real. Para afirmarmos a ironia do escritor e a autonomia em relação aos

personagens, tem-se que explicar a conversão final dos heróis romanescos em realidades

incontestáveis. E poder com isso, pensar que o romance é uma criação imaginária de um

universo regido pela degradação universal.

Executando um trabalho extenuante para delinear a personagem, o terreno romanesco

tem sido o lugar adequado para desenvolver e explorar esta tendência constante. A

personagem pode aparecer, em formas distintas:

1. [...] como seres íntegros e facilmente delimitáveis, marcados duma vez por todas com certos traços que a caracterizam; 2. como seres complicados, que não se esgotam nos traços característicos, mas têm certos poços profundos, de onde pode jorrar a cada instante o desconhecido e o mistério. Deste ponto de vista, poderíamos dizer que a revolução sofrida pelo romance no século XVIII consistiu numa passagem do enredo complicado com personagens simples, para o enredo simples (coerente, uno) com personagem complicada [...] (CANDIDO, 1987, P. 60-1).

Até o presente momento a abordagem feita abarca as questões pertinentes à

personagem. Reflitamos agora algo sobre a figura da anti-personagem.

A anti-personagem ocupa um lugar oposto ao da personagem, porém de mesma valia.

Trabalha na contramão quando quebra regras estabelecidas. Comporta-se como um anti-herói;

busca os verdadeiros sentimentos de liberdade e prazer; ironiza e debocha do mundo

submetido a tantas regras que muitas vezes não são cumpridas. Trata com indiferença o falso

moralismo e, por assim dizer, a contradição de uma personagem “normal”, apoiando-se na

inconseqüência e aproximando-se do mundo ideal por ele pretendido. Os romances, em

grande maioria, têm na constituição da instância narrativa um herói, que reforça a

manutenção de uma ideologia de classes sociais que se conservam no poder. Mas se no

universo da narrativa trabalha-se com o anti-herói, a inversão de valores está posta em cena, e

o sentido é distanciar-se de tudo aquilo que é estabelecido, das regras até então dominantes.

Para tanto, o anti-herói ou a anti-personagem trabalha na contramão, e representa uma

desconstrução a tudo que é tido como regras de domínio. Tenta caminhar em sentido

contrário à atuação de que um herói faria.

Assemelha-se ao ponto de vista de Candido no trecho apresentado como item 2, a

forma de abordagem que segue:

[...] Ao se constituir para destruir, ao destruir para explicitar um nada que é negação do destruído, o texto, no caso, se propõe como um universo desfuncionalizado, como um grau zero ou como um silêncio. E a anti- personagem, que na sua desfunção e desintegração em relação à personagem tradicional se identifica com o texto, evidencia igualmente como um silêncio, ou o que dá no mesmo, como um ruído que interpõe o branco de sua descomunicação ou o negro das palavras que a desconstroem ao significado multicolorido e comunicativo das personagens miméticas, construídas à luz de uma lógica rigorosa e de uma referencialidade apaziguadora [...] (SEGOLIN, 1978, p. 92).

Na obra selecionada para estudo, a personagem protagonista é Quincas, um herói às

avessas ou como dito acima anti-personagem. A obra tem razão em apresentar um (anti-herói

que se livra das regras sociais tidas como corretas e vive uma vida melhor despida das ilusões,

falsidades e mascaramentos instalados nas classes sociais de maior poder aquisitivo. Tem-se a

impressão, pensando com Segolin (1978, p. 93) que este “anti-personagem” antes de ser um

nada, é na verdade “um espaço que escapa ao tempo e à palavra. [...] é o espaço da não

representação que se estende entre o ser e o não-ser”.

Segolin ainda menciona que:

[...] a anti-personagem interroga acerca da possibilidade da existência da personagem no momento mesmo que desvela seu verdadeiro ser. Linguagem que se aponta enquanto linguagem, a anti-personagem não é, portanto, um fim, mas trânsito, passagem, ponto de partida de um recomeço, espelho de uma crise que atinge a Arte e a Literatura, a crise da representatividade que não é pura contestação, mas pelo menos os primórdios de uma tentativa de concretização do sonho de uma escritura inocente, ou seja, de uma linguagem cujo frescor, por uma espécie de antecipação ideal, representaria a perfeição de um novo mundo adâmico, em que a linguagem não seria mais alienada [...] (SEGOLIN, 1978, p. 93)

Parafraseando Barthes, diríamos que a anti-personagem é a utopia da

personagem.

Mediante tais colocações reitera-se que Quincas Berro D’água ocupa – dentro da

instância narrativa – a categoria de anti-personagem carregando consigo uma proposta de vida

irreverente, inovadora: um recomeço. Assume esta condição com a missão/intenção de

questionar o sentido da vida. Para tanto, o narrador implementa ambigüidade: inicia o enredo

pela morte e não pela vida. Instaura o princípio do romance discutindo a veracidade das

versões atribuídas à morte de Quincas Berro D’água. Costumeiramente, o indivíduo quando

chega a este estado – “morte” – é tido como bom, santo. Apagam-se todas as máculas e

Diante desta perspectiva pode-se chegar à conclusão de que a morte, neste caso, e

também em muitos outros, pode significar sinal de libertação: o indivíduo livre das amarras

que o cercam e o aprisionam. Há uma preocupação constante nas atitudes que devam ser

tomadas, por conta de tantas regras que o subjugam a um espaço ínfimo de atuação

comportamental.

Refere-se que:

[...] no pensamento cristão da Idade Média, a morte era para o indivíduo um problema particularmente importante, visto que assinalava o momento de balanço de sua vida, o instante em que iria decidir-se, uma vez por todas, o caráter de sua existência eterna, o fato de que seria eternamente reprovado ou salvo [...] Enquanto o indivíduo existe, ele é valor como indivíduo, depois de morto, não existe mais como valor, nem como problema; por isso, já o dissemos algures, as filosofias individualistas são, em suas tendências, virtualmente amorais, inestéticas e irreligiosas [...] (GOLDMANN, 1990, p. 47-8).

A morte é o elemento de libertação neste mundo ficcional e é na instância narrativa

que Quincas se transforma como um ser de linguagem, um herói problemático que vai sendo

construído aos poucos pelo narrador, para chegar ao leitor o saborear de uma obra

diferenciada.

Como Joaquim não se identifica com o mundo em que vive. Transforma-se, então,

em Quincas Berro D’água: um personagem essencial para equalizar valor e significação à

própria existência. Notável é perceber que Quincas, enquanto personagem principal do

romance, vem na maioria das vezes, apresentado ao leitor pelo narrador e parece nunca ser

um indivíduo completo e dono dos próprios atos. Um personagem que está sendo construído e

manobrado pelo narrador.

É possível pensar então, que o ser humano nunca seja livre. Quincas vai ser, na

maioria das vezes, controlado ou manipulado pelas regras sociais, pela família, pelos amigos

pelo narrador como anti-herói, a negação do ser humano submetido a regras e para atender

aos propósitos dentro da instância textual, o narrador quase não lhe oportuniza voz.

Grande parte das vezes é o próprio narrador que relata os fatos, mas quando isso não

acontece, vale-se de focalização interna de um outro personagem para que atinja a narração de

forma distinta e intenção diferenciada. Pode-se perceber os momentos em que o narrador

concede voz a Joaquim/Quincas:

[...] Lembrava-se da fisionomia [...] murmurando: - Pobre coitado...

[...]

- Sei disso... sei disso... Estava pensando noutra coisa.

A verdade é que Joaquim só começara a contar em suas vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado Leonardo de bestalhão, fitou a ela e a Otacília e soltou-lhes na cara, inesperadamente:

- Jararacas! (grifo meu. 1959: 34-5)

[...]

O grito de um animal ferido de morte, de um homem traído e desgraçado:

-

Águuuuua! (AMADO, op. cit, p. 45, grifo nosso).

É possível verificar pelo mínimo discurso utilizado por Quincas a imensidão de

idéias que ele busca externar, ou essa atitude pode representar a sabedoria de perceber que se

não modificaria alguém? Para que falar? Quando diz “pobre coitado” antevê no genro a

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