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Perspectiva enunciativo-discursiva: um enfoque acerca dos enunciados

PERSPECTIVA ENUNCIATIVO-DISCURSIVA: UM ENFOQUE ACERCA DOS ENUNCIADOS

“O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e

que termina por uma transferência da palavra ao outro.” Bakhtin, citado por Brait 2007, p. 61.

A teoria enunciativo-discursiva concebe que as noções de enunciado, enunciado concreto e enunciação ocupam um papel central para o estudo da linguagem, sem perder de vista os aspectos históricos, culturais e sociais envolvidos no discurso. O enunciado, nesta perspectiva, corresponde a uma unidade de comunicação e

significação, inseridos em um contexto específico (BRAIT; MELO, 2007).

Diante disto, o enunciado não é uma frase em si, mas “um todo de significação” que deve conter um sentido, sendo realizado em um dado lugar e momento do discurso para que os interlocutores possam produzir significação diante do que estásendo falado. É a partir da contextualização situacional do discurso que o enunciado ganha sentido, uma vez que existe uma situação extraverbal implicada no verbal que deve ser considerada.

Segundo Brait e Melo (2007, p. 67):

[...] esse enunciado implica muito mais do que aquilo que está incluído dentro dos fatores estritamente lingüísticos, o que, vale dizer, solicita um olhar para outros elementos que o constituem. [...] O enunciado é definido como compreendendo três fatores: (a) o horizontal espacial comum (a unidade do visível - neste caso, a sala, a janela etc.), (b) o conhecimento e compreensão comum da situação por parte dos interlocutores e (c) sua avaliação comum dessa situação.

A construção de enunciados faz parte de um processo interativo, em que o componente verbal e o não-verbal se integram à situação, fazendo parte de um contexto

morfológica, ele ultrapassa os limites gramaticais de uma oração ou frase. Constitui ainda uma relação verbal entre dois sujeitos (no mínimo), que possuam determinada competência discursiva.

Há uma diferença marcante entre frase e enunciado. Uma frase é caracterizada por qualquer “seqüência de sons” que contenha uma ou mais palavras. Ela está relacionada a um objeto teórico que não pertence ao domínio do observável, enquanto, o enunciado, marca a existência de algo que não existia antes da fala e que não existirá depois, sendo, neste sentido, um acontecimento “histórico”. Além disso, ele possui uma pretensão de verdade e por isso o participante do discurso pode se questionar sobre a veracidade ou não do mesmo.

No que se referem aos enunciados concretos, estes estabelecem conexões com o contexto extraverbal a partir do que é percebido e presumido pela palavra. Quando separado do contexto extraverbal, os enunciados concretos perdem a significação, sendo assim, o termo enunciado nos remete ao ato concreto do uso da linguagem na medida em que possuem como particularidades: autoria, atitude responsiva do “outro”, alternância dos sujeitos na comunicação, pretensão valorativa (certo, errado, bom, ruim etc.) em relação à realidade, e a relação do enunciado com o enunciador e com os outros parceiros da comunicação. Desta maneira, os enunciados apresentam peculiaridades que os caracterizam como uma unidade concreta da comunicação.

O termo “enunciado concreto” evidencia a necessidade de pensar que as formas comunicativas não são adquiridas em manuais, mas sim nos processos interativos. Por exemplo, a aprendizagem da língua materna não ocorre por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas devido aos enunciados concretos ouvidos e reproduzidos na comunicação discursiva (BRAIT; MELO 2007).

Para a perspectiva enunciativo-discursiva, o enunciado, o enunciado concreto e a enunciação estão relacionados diretamente com discurso verbal, à palavra e ao evento. A enunciação se refere a um acontecimento que marca o aparecimento de enunciados, sendo assim, não há como separá-los.

De acordo com Bakthin (2003, p. 297), “Os enunciados não são indiferentes entre si nem bastam cada um a si mesmos [...] Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva”.

Defende-se uma concepção dialógica da linguagem, em que o “outro” é constitutivo do discurso e a heterogeneidade é constitutiva da linguagem. Aqui, não se considera apenas a visão de mundo do enunciador, mas um outro componente determinante é a relação deste enunciador com os enunciados dos outros parceiros da comunicação verbal.

Bakhtin (2003), ao destacar o vínculo estreito entre discurso e enunciado, considera o enunciado como unidade real da comunicação discursiva, tendo em vista que as relações dialógicas são estabelecidas entre os enunciados produzidos durante um diálogo. Assim, cada enunciado é sempre original, único e deriva do lugar ocupado por determinado sujeito no meio sócio-cultural em que vive, assumindo um caráter marcante de imprevisibilidade. Além disso, cada produção suscita a necessidade de compreensão e um posicionamento responsivo do outro, participante do diálogo, que ocorre através de novos enunciados, com nova demanda de atitude responsiva, alimentando assim esta cadeia de relações dialógicas infinita, mutante e inconclusa, passível apenas de interpretações, seja em cada diálogo, seja em cada época em que se produz.

Torna-se essencial ressaltar que apesar do discurso assumir o caráter de um “diálogo inconclusivo”, o enunciado somente pode ser definido como uma manifestação conclusiva com a finalidade de não ser contestado. Por exemplo, uma formulação filosófica ou uma proposição científica precisam apresentar “uma totalidade de sentido” para não ser contestada. Isto significa dizer que a conclusividade interna do enunciado é uma condição para sua circulação na cadeia discursiva.

A concepção de sujeito defendida pela perspectiva enunciativo-discursiva coloca em destaque a competência do homem de interpretar o processo interativo através de uma avaliação social que ele realiza, à medida que é capaz de julgar uma situação específica. Essa avaliação social interfere diretamente na produção e organização dos enunciados (BAKHTIN, 1929/2003). Neste contexto, a relação dialógica entre falante e ouvinte coloca o sujeito dentro de um processo de interação “ativa”, pois o falante é sempre um contestador em potencial.

De modo geral, os enunciados são atualizados a partir de uma situação histórica e social concreta, em que a análise do sentido produzido deve levar em consideração a idéia de particularidade da situação em que se dá o enunciado, bem como, o lugar de geração do mesmo e os envolvimentos intersubjetivos presentes nos discursos. A este envolvimento intersubjetivo, Bakhtin denominou de “entonação” ou “tom do discurso”. A entonação refere-se a um lugar de memória do falante e ouvinte, pois eles são totalmente impregnados de entonações, desde a mais tenra infância. Além disso, a entonação também constitui um lugar de encontro, pois é resultado do cruzamento das entonações respectivas (DAHLET, 2005). Bakhtin ressalta, assim, a importância de que o texto deve ser analisado articulando-se suas dimensões históricas e intersubjetivas (entonação).

Na medida em que se considera que as relações, e não os termos, são a base do sentido, a discussão proposta neste estudo será retomada, no próximo capítulo, de maneira relacional, ou seja, se fará uma articulação teórica entre as perspectivas enunciativo-discursiva (Bakhtin) e sócio-histórica (Vygotsky) com a intenção de possibilitar uma maior visibilidade acerca de suas contribuições para compreensão de questões relacionadas com os sentidos e a significação.