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Volte-se o primeiro dos olhares da deusa Janus ao passado. É o passado de Ponta Grossa relevante para a compreensão de seu presente e de seu futuro? Poderá auxiliar na compreensão das amarras e das possibilidades de uma futura prosperidade no mundo pós-fordista ?

“Os homens constróem sua própria história, baseados, porém, em condições definidas, herdadas do passado”, já disse Marx (Lipietz, 1988, p. 28). Que se examine, então, a história dessa cidade, fundada a como erva daninha que cresceu da semente caída dos alforjes dos tropeiros, no início dos oitocentos (itens 2.1, 2.2 e 2.3, adiante), até que a colheita de um bem comum (a erva mate, tratada no item 2.4), o fracasso da imigração européia nos oitenta do século XIX - que transformou colonos que deviam agricultar nos mais eficientes agentes do transporte no Paraná (item 2.5) - e, no final desse mesmo velho século, a chegada dos trilhos (item 2.6) a transformou, finalmente, naquilo que ela é até hoje: uma encruzilhada.

Da efervescência dos anos 10 e 20, durante os quais Ponta Grossa veio a se transformar na segunda maior economia do estado, momento único caracterizado por movimentos e ritmos febris (um charleston industrial?), será necessário passar pela crise de 29 e a extraordinária flexibilidade com que os pontagrossenses a enfrentaram (objeto do item 2.7), para, a partir dos anos 40 do século XX, ver cair a economia local nas presas de uma forma de acumulação que relembra os traços mais sanguinários da “acumulação primitiva” descrita por Marx (Bottomore, 1988, p. 2), que não somente mutilou um sem-número de mãos operárias como também foi agente da maior onda de

devastação ambiental já vista no sul do país, ao dilapidar as florestas de araucárias de 50 a 100 anos de idade, em proveito de importadores de Londres e de Buenos Aires (item

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).

A vingança da natureza espoliada de seus pinheiros tomou a forma de uma equivalente devastação na capacidade empreendedora dos pontagrossenses; o momento de letargia e estagnação representado pelo final dos anos sessenta, fotografado sem nenhuma das luzes, mas com todas as sombras, por uma equipe de estudiosos externa e, portanto, razoavelmente isenta, na ocasião mesma em que ocorria, é objeto de descrição no item 2.8.

O remédio para o estado de choque em que a cidade foi encontrada naquela ocasião teve a receita assinada por Perroux, por Ford e pelos tecnocratas que serviram ao regime militar: a atração - vitaminada a incentivos fiscais e de doação de infra- estrutura - de grandes moinhos de soja, depois acompanhados de outros segmentos industriais, tendo em comum a “separação dos fatores de produção entre si, concentração de capitais sob o mesmo poder, decomposição técnica de tarefas e mecanização” (Perroux, 1975, p. 101). A criação do ‘Distrito” Industrial de Ponta Grossa é o objeto dos itens 2.9 e 2.10; já a criação da Cidade Industrial de Curitiba, pólo que deveria com ele compartilhar o eixo leste de desenvolvimento industrial do estado e que, na verdade, só fez concentrar o crescimento na região metropolitana, deixando ao interior do Paraná a tarefa de processar alimentos, solapando a atratividade local, é analisada, com certa rapidez e nenhuma leveza, no item 2.11.

Já os anos oitenta e noventa compõem o solo pouco firme da história contemporânea e, por isso, serão apenas sucintamente passados em revista no item 2.12 para retomarem, de certa forma, à exposição (e alguma análise) no Capítulo 3, quando então se tratará da verificação do estado atual da indústria, que, rascunhado nos setenta, foi ao acabamento (encerramento?) nos anos recentes.

2.1 Campos Gerais

Na memória do brasileiro médio de mais de quarenta anos, o Paraná é o seu Norte: um paraíso rural de terras de alta fertilidade que permitiu, a partir da década de 30, que milhões de deserdados se tomassem proprietários de minifúndios altamente produtivos nos quais até 63% do café brasileiro veio a ser produzido (dados de 1962/63,

conforme Padis, 1980, p. 119). Mesmo após o declínio da produção cafeeira, algodão, cereais (trigo) e oleaginosas (soja) continuaram a se valer da fertilidade característica dos solos de terra-roxa, decorrente do “maior derrame de efusivas básicas que se conhece na crosta da terra” (Maack, 1950, p. 1401), que cobre não menos que 135 mil quilômetros quadrados do território do Paraná (71 mil dos quais correspondem ao Norte paranaense). Uma outra imagem persistentemente veiculada em mídia e gravada no imaginário popular diz respeito ao Oeste e Sudoeste paranaenses, terra onde colonos sulinos foram configurando, a partir dos anos 40, um espaço econômico caracterizado por razoável igualdade de oportunidades (para padrões brasileiros), típica da civilização colonial “teuto-ítalo-gaúcha” (expressão introduzida pelo engenheiro, historiador e governador do Paraná Bento Munhoz da Rocha Neto, ao prefaciar Balhana, Pinheiro Machado e Westphalen, 1969, p. 11-23). Também os colonos do Oeste são ocupantes do Terceiro Planalto, em 67 mil quilômetros quadrados recobertos de solo que, aparentados, mas não premiados com a fantástica fertilidade natural que caracteriza o do Norte, permitem ainda assim a retirar do primário um excedente econômico capaz de sustentar um secundário todo ele voltado a uma pujante indústria de alimentos. Embora essas imagens cultivadas pela mídia e apadrinhadas por governantes dados à auto­ promoção acabem por ocultar as brutais contradições sempre presentes num país colonizado e num estado periférico, esses cenários não deixam de apresentar alguma dose de consistência, mormente, no caso no Norte, enquanto durou o ciclo do café e, no caso do Oeste, enquanto houver necessidade de soja, leite e carne suína para ser consumida... 74

Já ao Paraná Velho ou Paraná Tradicional (expressões criadas no Departamento de História da Universidade Federal e disseminadas, principalmente, por Balhana, Pinheiro Machado e Westphalen, 1969), que constitui o restante dos 62 mil quilômetros quadrados do Estado, correspondem o litoral, a serra do Mar e os dois primeiros planaltos do grande anfiteatro de três degraus que configura a geologia paranaense, revelando diferenças fisiográficas que marcam profundamente a economia de cada parcela regional. Ao Litoral e à Serra, ambos de pequena extensão, cuja ocupação se deu através da costumeira febre de mineração que caracterizou os primórdios da nação,

74 A auto-imagem positiva dos “pés-vermelhos” do Oeste e do Norte, contraposta a uma certa hegemonia

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