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2.5 Empreendedorismo

2.5.1 Perspectiva histórica e conceitual

Lembra-se que o possível empreendedorismo existente no processo de transferência de tecnologia universidade-empresa constitui objeto de uma das questões postas para este trabalho. O entendimento das origens e do desenvolvimento conceitual do termo se faz necessário para que consiga responder a essa questão.

Segundo Dornelas (2005), muitos consideram o escritor e economista do século XVII, Richard Cantillon, um dos criadores do termo empreendedorismo, uma vez que ele teria diferenciado a figura daquele que assumia riscos – o empreendedor – daquele que fornecia o capital – o capitalista. No entanto, considera-se Jean-Baptiste Say como o pai do empreendedorismo (Dolabela, 1999; Drucker, 1986). Filion (2000, p. 25) indica que:

“[...] o empreendedor é uma pessoa que empenha toda sua energia na

inovação e no crescimento, manifestando-se de duas maneiras: criando sua empresa ou desenvolvendo alguma coisa completamente nova em uma empresa preexistente (que herdou ou comprou, por exemplo)”.

Para Dolabela (1999, p. 68):

“[...] o empreendedor é alguém que define por si mesmo o que vai fazer

e em que contexto será feito. Ao definir o que vai fazer, ele leva em conta seus sonhos, desejos, preferências, o estilo de vida que quer ter. Desta forma, consegue dedicar-se intensamente, já que seu trabalho se confunde com prazer”.

O mesmo autor ressalta que “o empreendedor é um insatisfeito que transforma seu inconformismo em descobertas e propostas positivas para si mesmo e para os outros” (Dolabela, 2008, p. 24).

Embora afirme que boa parte dos serviços prestados pelos empresários de uma firma seja moldada e condicionada pela própria firma, Penrose (2006) identifica algumas dimensões “temperamentais” da qualidade desses serviços. A versatilidade empresarial, segundo a autora, difere da versatilidade administrativa ou técnica, por envolver imaginação e visão. Assim, ela observa que existem muitos exemplos de firmas que cresceram por administrações vigorosas e criativas, mas também muitos outros em que as firmas estacionaram por limitações dos seus recursos empresariais e não em função da demanda como incorretamente acreditava-se. Desse modo, dentre os recursos empresariais mais importantes, a autora cita a habilidade dos empresários em mobilizar recursos financeiros.

A autora considera a capacidade de planejamento da expansão de uma firma como significado da crença de seus empresários quanto às possibilidades dessa expansão. Ela observa que uma firma cujos empresários acreditam na capacidade de expansão percebe oportunidades de inovação que outras em situação contrária não visualizam ou sequer chegam a imaginar. Embora Penrose (2006) interprete essa convicção do empresário como um serviço empresarial disponível a determinadas firmas, ela reconhece que a economia não está aparelhada para esse tipo de análise psicológico-social. Por isso, nesse ponto, ela simplesmente pressupõe a busca pelo lucro, mesmo se rendendo ao fato de que isso não encerra as motivações dos empresários.

Penrose (2006) justifica o fato de se agarrar na análise da busca pelo lucro. Assim, ela lembra que o lucro se refere à sobrevivência e constitui um teste social e econômico, bem como uma maneira de se atingir maiores realizações.

A ligação entre o papel da empresa e dos empreendedores na inovação tecnológica foi analisada por Schumpeter (1934, 1942). Na primeira metade do século XX, o economista austríaco reconheceu a importância da inovação para a economia das nações e, por conseguinte, dos empreendedores. Dentre vários outros estudos na área, a mesma visão sobre a contribuição schumpeteriana já era compartilhada por Zambalde & Alves (2004).

Em sua teoria do desenvolvimento econômico, Schumpeter (1934) indica trabalhar com três elementos em sua análise: as novas combinações dos meios de produção, o crédito e o empresário ou empreendedor; este último desvendado por ele como sendo fundamental ao desenvolvimento econômico. Mas, Schumpeter considera empreendedor apenas o inovador, ou seja, aquele que combina os fatores produtivos pela primeira vez, passando o mesmo a simples função de rotina quando e se vier a conduzir a operação de um negócio. O autor concorda, assim, com a definição de J. B. Say. Desse modo, Schumpeter sinaliza as bases da diferenciação entre o empreendedor e o administrador, posteriormente observada por Penrose (2006), dentre outros. Schumpeter (1942) entende a função do empresário como a de efetuar uma reforma ou revolução no sistema produtivo; isto pela utilização de uma invenção ou pela aplicação produtiva de uma nova possibilidade tecnológica.

Schumpeter (1934) denota ao empreendedor grande força de vontade que ele traduz como liberdade mental, característica que sinaliza ser naturalmente rara. O autor não concorda com a definição do empreendedor como alguém que corre riscos, uma vez que o risco estaria com os financiadores do empreendimento, chamados de capitalistas. Além disso, ele procura desmistificar qualquer glorificação da figura do empreendedor quando o coloca como mais egocêntrico que a média das demais pessoas e cuja racionalidade estaria circunscrita apenas na lógica utilitarista. A glorificação não passaria de desejo do próprio empreendedor, cuja necessidade de autoafirmação e de

reconhecimento seria o principal motivadores de sua atitude. Para o autor, o resultado financeiro não apresenta importância primária para o empreendedor. Em vez disso, significa uma medida de vitória. No entanto, o autor salienta a presença de um forte motivador para o empreendedor: a satisfação em criar, em agir com vitalidade e engenhosidade, em aventurar-se. Schumpeter (1934) lembra que outras configurações sociais, que não o resultado econômico privado, podem atender às necessidades de autoafirmação, reconhecimento e de satisfação em criar. Assim, ele deixa o espaço aberto para a descoberta de novos estímulos à atividade empreendedora, ao menos em situações específicas.

No entanto, Leite tece críticas a Galbraith e ao próprio Schumpeter por preverem o “desaparecimento do empreendedor individual”, em alguns de seus escritos (Leite, 2000, p. 325). Isso se daria pelo crescimento das empresas gigantescas e pelo seu domínio sobre os meios de produção, sendo as mesmas administradas por tecnoestruturas que repartem as decisões (Galbraith & Salinger, 2000). Mas, o que se verifica é o surgimento de novas e pequenas empresas, inclusive aquelas fundadas por ex-funcionários de outras empresas maiores, denominadas spin-outs (Leite, 2000).

Convém lembrar que Schumpeter (1934) considera as spin-outs como exceção; isso em seu contexto histórico. O autor enfatiza a descontinuidade característica da destruição criadora e considera que, via de regra, as novas combinações ensejam novas empresas que, normalmente, não provêm das antigas. Como exemplo, observa que não é o proprietário de diligências quem constrói estradas de ferro. Não obstante, ele sinaliza que algumas das novas empresas brotam das antigas.

Em sua obra intitulada Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter (1942) chama a atenção para uma mecanização do progresso, cujos reflexos sociais podem atingir o capitalismo e o empreendedor independente, similarmente à cessação do progresso econômico que ocorre pela destruição

criadora. Desse modo, o autor afirma que a própria inovação já estaria (à época) reduzida à rotina. O progresso tecnológico seria levado a cabo por especialistas. Assim, segundo o autor, a função do empresário estaria minguando e correndo o risco de desaparecer.

No mesmo sentido, Após classificar como decisivo um “mercado competitivo” na fase de nascimento de cada tecnologia nova, Dosi (2006) se volta à etapa seguinte, de maturação, e visualiza que a “internalização” da mudança técnica em um setor empresarial deve levar à transformação desse tipo de mercado mais livre, cuja característica centra-se, segundo ele, no empreendedor-herói.

Além de Leite (2000), Nelson & Winter (1982) também discordam dessa visão sobre essa possível rotinização da inovação e o declínio do empreendedor. Para Nelson & Winter (1982), isso equivaleria a procurar um ótimo para a atividade de inovação. Nesse caso, ressaltam que a teoria evolucionária considera tal tentativa como resultando em ineficiência.

Trazida para o âmbito da universidade, a importância do empreendedor para a inovação recai sobre a consideração do pesquisador-empreendedor que cria spin-offs como um possível fator determinante na transferência de tecnologia universidade-empresa. Assim, faz-se necessária uma avaliação quanto ao perfil desse pesquisador, bem como das condições em que ele se insere, para transformar conhecimento científico em tecnologia aplicada.

2.5.2 Abordagem por características pessoais X perspectiva