• Nenhum resultado encontrado

3 DISCURSOS SOBRE CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADES NO CURRÍCULO

3.2 INCLUSÃO DAS TEMÁTICAS CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADES NO

3.2.2 Perspectivas de Currículo

O PPPI apresenta o conceito de currículo como “[...] um conjunto de elementos que integram o processo de ensino-aprendizagem num determinado tempo de contexto” (IFS, 2014a, p.43). No trecho transcrito é possível retirar conceitos que são típicos do currículo tradicional como o “processo ensino-aprendizagem”, concebendo o conhecimento como algo estático em que o/a professor/a cumpre o papel de transmiti-lo e o/a aluno/a o recebe de forma passiva. Apesar de alegar neutralidade, a teoria tradicional privilegia os saberes das classes dominantes e ignora os grupos minoritários.

Os objetivos do PPPI apenas trazem questões de ordem práticas, quais sejam: ministrar os cursos nas diversas modalidades, dividido em seis itens nos quais lista as atividades que devem ser desenvolvidas pela instituição. Este fato revela a adoção de perspectiva tradicional do currículo, preocupada com questões estruturais do curso e não enfatizam o papel formativo do currículo. O currículo tem significados que são mais importantes que simplesmente a estruturação. Como esclarece Silva (2005, p. 150), “[...] o currículo é lugar, espaço e território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso”.

No PPC do curso de licenciatura em Matemática, a justificativa é de que “[...] o professor deve ter competência de, além de transitar com destreza diante dos saberes da Matemática, compreender os modos de construção do conhecimento e suas implicações sociais” (IFS, 2014b, p. 9). Neste caso, ficaria sob a responsabilidade do/a professor/a questionar não somente a realidade encontrada em sala de aula, mas também a forma pela qual o conhecimento repassado foi produzido. Esse fato não seria um problema se todos/as os/as professores/as tivessem contato e familiaridade com a temática do gênero e sexualidade na formação, mas, assim como nesse currículo de formação de professores/as do IFS, a maioria dos cursos não traz tal discussão. Foi encontrada aqui novamente a referência ao/a professor/a detentor do conhecimento, segundo a qual o/a estudante será como um receptáculo para guardar a sabedoria que lhe será repassada. O/a estudante nada tem a acrescentar na relação e nem seus conhecimentos serão reconhecidos como válidos, mostrando uma visão tradicional do currículo. É o que pensa a educação “bancária”, que traz o conhecimento sendo transferido do professor para o aluno, como num depósito bancário, ficando o papel ativo ao educador e o educando limitado à recepção passiva (SILVA, 2013).

O objetivo geral, no PPC do curso de licenciatura em Matemática, foi definido como:

Formar professores Licenciados em Matemática para a atuação na Educação Básica e Educação Profissional com visão ampla do papel do educador, capazes de trabalhar em equipes multidisciplinares e interdisciplinares através da articulação efetiva entre os saberes matemáticos, a realidade e outras ciências na construção e socialização do conhecimento (IFS, 2014b, p. 9).

Ou seja, os/as alunos/as formados/as neste curso deverão estar preparados/as para trabalhar na Educação Básica, e ter a formação de uma consciência social necessária na profissão docente. Também no PPC de licenciatura em Química, foi encontrado entre os objetivos específicos um reforço ao papel social:

Estimular o licenciando a compreender os contextos sociais, políticos e institucionais na configuração das práticas escolares; (...) Possibilitar ao licenciando a apropriação de metodologia de ação e de procedimentos facilitadores do trabalho docente com vistas à resolução de problemas de sala de aula (IFS, 2014c, p. 5-6).

No PPC de Química, encontraram-se mais referências a preocupações que não estão circunscritas somente ao papel de meros/as reprodutores/as de conteúdo em sala de aula, ampliando a ação para os demais contextos que envolvem a escola. Por exemplo, no item perfil profissional de conclusão é esperado do/a egresso/a de licenciatura em Química que possua:

[...] capacidade crítica para analisar os seus próprios conhecimentos; assimilar os novos conhecimentos científicos e/ou educacionais e refletir sobre o comportamento ético que a sociedade espera de uma atuação e de suas relações com o contexto cultural, socioeconômico e político; (...) Interessar-se pelos aspectos culturais, políticos e econômicos da vida da comunidade a que pertence, estando engajado na luta pela cidadania como condição para a construção de uma sociedade justa, democrática e responsável (IFS, 2014c, p. 7).

Nos trechos transcritos dos PPCs de Química aparecem características do sujeito como capaz de analisar os conhecimentos que objetivam a reprodução da estrutura de classes, e a produção de um novo conhecimento capaz de superar e combater a dominação da classe econômica hegemônica por meio de ações e mediações na escola e no currículo.

O item Princípios Metodológicos, da concepção do PPPI informa que está inspirado na “[...] teoria da superação e na renovação-reflexiva do processo ensino-aprendizagem” (IFS, 2014a, p.21). Percebe-se que considera currículo algo mais amplo do que somente um conjunto de regras e diretrizes a serem seguidas pela comunidade da Instituição, trazendo concepções de um currículo crítico, acreditando que o sujeito pode desvincular-se do poder dominante e emancipar-se para além dele. Nesse ponto a teoria pós-crítica esclarece que o poder não é uma entidade que se estabelece de cima para baixo, como o poder do Estado, mas está presente em todas as relações, como micropoderes que se deslocam constantemente e são inerentes ao conhecimento sendo, portanto, incompreensível à ideia de superá-lo para ser livre, emancipado, pois o poder não está circunscrito apenas a relações socioeconômicas, mas também em questões étnico-raciais, de gênero e sexualidade.

Num currículo pós-crítico, há uma crítica à concepção de sujeito autônomo, unitário, centrado, racional, pois este sujeito centrado é resultado de uma construção histórica e a própria concepção de liberdade e emancipação é colocada em questão. Silva (2013) esclarece que é impossível, depois das teorias críticas e pós-críticas, que o currículo volte a se preocupar somente com conceitos técnicos, categorias psicológicas (aprendizagem e desenvolvimento), grades curriculares e listas de conteúdo. Um currículo pós-crítico pode englobar tudo isso, mas não é seu foco, ele amplia e transforma as teorias críticas na medida em que concebe o poder como presente em todas as relações e não supõe que possa existir um conhecimento livre de poder. O sujeito não é mais o centro da ação social nesta teoria e a identidade é concebida como descentrada, fragmentada. Rejeita-se o currículo linear, estático, como pretendido no currículo do IFS. É necessário valorizar o fluxo, a mobilidade, privilegiar a diferença.

Em suma, esta seção buscou compreender qual currículo de corpo, gênero e sexualidade está presente nos documentos oficiais que regulam o funcionamento dos cursos de licenciatura em Matemática e Química do IFS. Percebeu-se neles tanto avanços, como contradições. O documento oficial é baseado no currículo tradicional que valoriza a forma e a estrutura, com algumas nuances do currículo crítico que percebe o sujeito como capaz de se desvencilhar dos efeitos do poder do estado e tornar-se livre, autônomo. Não valoriza o fluxo e a diferença.

Documentos relacionados