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Perspetiva epidemiológica: obesidade, síndrome metabólica e

2.2. Conceito de criança ou jovem de risco

2.2.5. Perspetiva epidemiológica: obesidade, síndrome metabólica e

A Organização Mundial de Saúde refere, no seu trabalho “Childhood overweight and obesity, 2013”, que a obesidade e o sedentarismo são das epidemias mais importantes e problemáticas do nosso tempo pelo seu caráter

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altamente nefasto na saúde e bem-estar de crianças e jovens. Sedentarismo e obesidade são estados que conduzem, necessariamente, à condição de risco de crianças e jovens, a que se associa o aumento de outras comorbilidades, mormente as do foro cardiovascular(36). Ao contrário do sedentarismo, que pode ser “tratado” de modo mais eficiente, a obesidade tem um caráter excecional pela complexidade da sua manifestação e etiologia (20). A obesidade é uma condição multifatorial, que resulta de sucessivos balanços energéticos positivos, em que a quantidade de energia ingerida é superior ao gasto energético(15). Este tipo de obesidade é considerado exógeno/primário, diferente do endógeno/secundário, resultante de causas genéticas, endócrinas ou iatrogénicas.

A obesidade na criança e no jovem é um dos grandes problemas de saúde pública a nível mundial(49, 54). O acesso fácil a alimentos nutricionalmente densos e disponíveis em maiores quantidades, aliado ao crescente sedentarismo, promove o aparecimento da obesidade na criança e no jovem, tornando-os CJR. O ambiente “obesogénico” (soma das influências, oportunidades ou condições de vida que promovem a obesidade em indivíduos ou populações) é um dos principais fatores para o seu aparecimento(25).

O aumento do sobrepeso/obesidade em crianças e adolescentes pode levar à comorbilidade cardiometabólica e a alterações do comportamento alimentar que podem conduzir a uma maior dificuldade de inserção no meio social, dando origem a problemas psicológicos como a depressão e ansiedade(19), os quais aumentam o estado de risco.

Os riscos de curto a longo prazo da obesidade pediátrica incluem as dimensões físicas e psicológicas que podem induzir alterações psicossociais imediatas (isolamento social, fatores depressivos, baixa autoestima, distorção da imagem corporal e discriminação social); podem também conduzir a discriminação e estigmatização(11), que começam nos últimos anos da infância e se vão prolongando ao longo da vida(13).

Ao contrário do que ocorre nas perspetivas social ou psicológica, é relativamente fácil identificar a categoria nutricional (sobrepeso e obeso) de uma criança ou jovem, com recurso aos valores da sua altura e peso, que

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permitem calcular o seu índice de massa corporal (IMC). Com base nos valores de corte sugeridos na tabela da International Obesity Task Force;

http://www.iaso.org/iotf/, de Cole et al.(9), a identificação de CJR ponderal/nutricional é imediata.

Com base na informação atualmente disponível, é possível ter uma ideia das alterações ocorridas nas prevalências de sobrepeso e obesidade nos últimos dez anos na população pediátrica portuguesa e, portanto, na CJR ponderal (i.e., da obesidade), não obstante o caráter local das amostras (Tabela 1).

Tabela 1. Estatísticas descritivas relevantes dos valores de sobrepeso e obesidade expressos pelo IMC em Portugal nos 10 últimos anos (amostra de estudos realizados em diferentes localidades do país com crianças e jovens dos 6 aos 19 anos de idade).

Autor, Ano

Região

Título do estudo Amostra Principais resultados

(Prevalências)

Maia et al., 2002

R.A. Açores

Estudo do Crescimento Somático, Aptidão Física, Atividade Física e Capacidade de coordenação corporal de crianças do 1º ciclo do ensino básico da Região Autónoma dos Açores 3744 crianças 1829 ♂ 1915 ♀ Idades: 6 - 10 anos Sobrepeso: 15% Obesidade: 12% Maia e Lopes, 2003 R.A. Açores

Um olhar sobre crianças e jovens da Região Autónoma dos Açores. Implicações para a Educação Física, Desporto e Saúde 1159 crianças e jovens Idades: 6-19 anos 285 crianças até 10 anos: 143 142 Sobrepeso: 21,5% Obesidade: 11,6%

Sousa & Maia 2005

Amarante

Crescimento Somático, Atividade Física e Aptidão Física associada à Saúde

2940 crianças 1549 1391 Idades: 6 - 10 anos Sobrepeso: 20,0% Obesidade: 10,0% Pereira 2008 R. A. Açores

Sobrepeso, Obesidade, Níveis de Atividade Física em Crianças dos 6 e 10 anos da Região Autónoma dos Açores.

3699 crianças 1886 ♂ 1813 ♀ Idades: 6 - 10 anos Sobrepeso: 17,6% 22,8% Obesidade: 12,3% 13,2%

Criança e jovem de risco. Extensão desta noção ao contexto da Educação Física 36 Gouveia 2009 R. A. Madeira Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes da Região Autónoma da Madeira 2503 indivíduos 1266 ♂ 1237 ♀ Idades: 7 - 18 anos Sobrepeso: 14,22% 10,99% Obesidade: 2,61% 1,86% Maia et al., 2009 Vouzela

Vouzela Ativo – Um olhar sobre o crescimento, o desenvolvimento e a saúde de crianças, jovens e famílias do concelho de Vouzela 1167 crianças 605 ♂ 562 ♀ 458 – 1º ciclo 7 - 10 anos 235 ♂ 223 ♀ Sobrepeso: 28,9% Obesidade: 7% Santos 2009 Albergaria-a- Velha

Sobrepeso, Obesidade, Níveis de Atividade e Aptidão Física em crianças doa 6 aos 10

anos do Concelho de Albergaria-a-Velha. 1110 crianças Idades 6 - 10 anos Sobrepeso: 24,8 % 31,6% Obesidade: 13,9% 12,7% Valente et al., 2010) Lisboa Prevalência de Inadequação Nutricional em Crianças Portuguesas 4845 crianças 2400 2445 Idades: 7 - 9 anos Excesso de peso/ Obesidade 28,8% 32,9% ♀ Figueiredo 2011 Santo Tirso Obesidade e sobrepeso em adolescentes: relação com atividade física, maturação biológica e estatuto socioeconómico 960 crianças 462 ♂ 498 ♀ Idades: 12 - 17 anos Sobrepeso: 19,0 % ♂ 19,9% ♀ Obesidade: 6,1% ♂ 6,0 % ♀

Segundo Tomkins(50), há evidências, em estudos longitudinais, de que a obesidade infantil está associada a um maior risco de problemas vasculares e metabólicos na vida adulta. Nguyen & Lau(37) referem que a hipertensão é o sinal mais comum de risco cardiovascular. A ligação entre obesidade e hipertensão já se tornou um problema epidemiológico, tanto em homens como em mulheres. Os obesos têm um risco 2 ou 3 vezes superior de desenvolvimento de hipertensão. As crianças com sobrepeso e obesidade e tensão alta poderão ter anormalidades na sua estrutura arterial.

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As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na maior parte dos países desenvolvidos ou em vias desenvolvimento(48), e Portugal não é exceção, sendo que, de todos os óbitos ocorridos em 2010, são atribuídos a causa cardiovascular 31,8% (41).

Estas doenças de patologia complexa, embora tenham um componente importante associado a fatores não modificáveis (genéticos, idade, sexo), poderão ser objeto de intervenção quando associadas ao sedentarismo, ao consumo de tabaco e/ou a uma alimentação inadequada(7).

Segundo Pereira(39), um grupo de fatores de risco designado por síndrome metabólica (SM) e a alta morbilidade e mortalidade que lhe estão associadas constituem um dos principais problemas de saúde pública da atualidade. A SM é definida como um conjunto de fatores de risco cardiovasculares que inclui a obesidade abdominal, a dislipidémia aterogénica (hipertrigliceridémia e/ou redução dos níveis de colesterol – HDL), a elevação da tensão arterial, anomalias do metabolismo glicídico (pré-diabetes e diabetes melittus tipo 2), associadas a um estado pró-trombótico e pró-inflamatório(21). A SM da adolescência define-se pela associação de pelo menos três dos cinco possíveis fatores: tensão arterial sistólica ≥ percentil 90 para cada idade e sexo; colesterol total ≥ 110 mg/dl; triglicéridos ≥ 110 mg/dl; glicose ≥ 100 mg/dl; obesidade abdominal (perímetro da cintura em cm) ≥ P90 para cada idade e sexo(22). Não obstante alguma controvérsia em torno dos indicadores e valores de corte(26), é relativamente consensual a identificação de CJR cardiometabólico com base nos valores de corte anteriormente referidos.

Há evidências de níveis moderados a elevados de atividade física (AF) funcionarem como medida protetora da SM ao contribuírem para uma redução do peso corporal e da obesidade visceral, aumentando a sensibilidade à insulina e os níveis de colesterol HDL, e diminuindo o nível de triglicéridos e a pressão arterial(45).

No mesmo estudo de Santos et al.(45) sobre a “Associação entre AF, aptidão cardiorrespiratória e síndrome metabólica em crianças e adolescentes”, verificou-se uma associação negativa entre AF e/ou aptidão cardiorrespiratória e SM. Os resultados sugerem que incrementos dos níveis de AF e aptidão

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cardiorrespiratória em jovens se apresentam como estratégias para prevenção de fatores de risco metabólico. É, portanto, necessário ter um estilo de vida saudável com o objetivo de prevenir as doenças cardiovasculares, no qual a AF atua de diferentes formas: melhorando a sensibilidade à insulina (visto que os músculos treinados lhe são mais sensíveis); reduzindo o risco do aparecimento da HTA ou o seu controlo; sendo, ainda, um fator cardioprotetor na redução da adiposidade corporal, no aumento dos HDL-C, na diminuição dos LDL-C e triglicerídeos e no controlo da glicemia em pessoas com a diabetes.

O termo “sedentário” sempre esteve associado à redução da longevidade e a uma saúde debilitada. Por exemplo, Hipócrates (460 aC a 370 aC), considerado o Pai da Medicina, já referia os benefícios do exercício físico contra doenças do foro físico ou psíquico. Galeno, médico e filósofo romano de origem grega (129 dC a 199 dC), também discorreu sobre as vantagens do exercício físico enquanto adjuvante importante no tratamento de doenças(43). Nos últimos 50-60 anos, epidemiologistas e fisiologistas validaram, de modo experimental, a opinião destes vultos da Medicina, mostrando a relação significativa entre AF moderada a vigorosa regular e o combate a um conjunto bem diversificado de patologias, culminando na possibilidade de prolongamento da longevidade(18).

Se bem que o termo sedentarismo expresse a qualidade de quem está quase sempre sentado, sai pouco ou é geralmente inativo(12), não tem sido muito fácil encontrar uma definição consensual para o descrever em termos de dispêndio energético. O mesmo não acontece com a definição de atividade física (AF), que Caspersen et al. (1985) considera como “qualquer movimento corporal produzido pela contração muscular que resulta em gasto energético”(8)

.

Segundo Russell et al.(43), comportamentos sedentários são atividades que não aumentam substancialmente o gasto de energia acima do nível de repouso e incluem atividades como dormir, estar sentado ou deitado, visionamento de televisão ou outras formas de entretimento baseado em tela. A atividade física enquanto comportamento complexo inclui um vasto conjunto

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de atividades que podem ser descritas em função de quatro níveis de intensidade: (1) sedentário, gasto energético de 1,0 a 1,5 MET’s (1 MET corresponde a um dispêndio equivalente a 3,5 mL O2·kg-1·min-1); (2) AF leve,

de 1,6 a 2,9 MET´s; (3) AF moderada, de 3 a 6 MET´s; (4) AF vigorosa, superior a 6 MET´s.

Baptista et al.(4) apresentam um estudo de avaliação objetiva da atividade física por acelerometria, realizado em Portugal Continental, com 3211 jovens de ambos os sexos (1456 meninos e 1755 meninas). Os resultados mostram que as meninas são mais sedentárias em todas as idades e em todas as regiões de Portugal. A região centro é a que tem menor percentagem de sedentários, seguindo-se a região de Lisboa e o Norte. Os jovens que têm maior atividade moderada e vigorosa são os da região Norte. Com a mesma base de dados, Sardinha & Magalhães(47) avaliaram o comportamento sedentário com recurso a acelerometria, referindo que as crianças e os adolescentes (10-17 anos) passam, em média, aproximadamente 545 minutos do dia em atividades sedentárias, o que corresponde a 65% do tempo de registo.

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