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Estrutura e Dinâmica dos Habitats e da Paisagem

Conforme indicado no ponto anterior, a dissertação é sustentada em pressupostos e abordagens metodológicas das Ciências da Vegetação, da Ecologia da Paisagem e CIG.

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Segundo Mateus (1992), qualquer investigação que se baseie numa perspetiva de análise da vegetação e da paisagem vegetal1 de um determinado território, tal como

dos seus padrões temporais dinâmicos, deverá ser inicialmente suportada pela caraterização das comunidades vegetais atuais, sendo seguida de uma contextualização e caraterização histórica desse mesmo território. Mateus (1992) recorre a três disciplinas - Análise de Vegetação, Análise Polínica e Morfologia Polínica - para investigar a vegetação atual e passada (posicionada no período Holocénico) da região do Carvalhal (concelho de Grândola) e paisagem envolvente. A esta perspetiva, acrescentaria que a integração dos recentes desenvolvimentos provenientes da Ecologia da Paisagem e das Ciências da Vegetação constituirá um importante contributo para uma melhor compreensão dos processos de transformação do território (principalmente os relacionados com as dinâmicas de uso e ocupação do solo) e para o desenvolvimento de cenários evolutivos futuros.

Considerando que uma sistematização exaustiva dos fundamentos e conceitos dos três ramos científicos adotados (Ciências da Vegetação, Ecologia da Paisagem e CIG) não constitui per se o objetivo desta dissertação, convém clarificar que foram essenciais para a estruturação do raciocínio lógico e analítico do autor e, consequentemente, para o desenvolvimento da pesquisa científica.

Neste sentido, na presente dissertação apresenta-se a Fitossociologia Integrada2

enquanto uma das disciplinas base da Geobotânica3. No território analisado, onde a

presença da vegetação é preponderante e onde se verifica uma significativa intervenção humana, a Fitossociologia Integrada reveste-se de grande relevância na compreensão da paisagem (Géhu & Rivas-Martínez, 1981; Theurillat, 1992; Biondi,

1 Segundo Arsénio (2011): "(...) existem diversas abordagens, definições e interpretações da paisagem, podendo essas ser descritas como Natureza, Habitat, Artefacto, Sistema, Problema, Riqueza, Ideologia, História, Lugar e Estética". Na presente dissertação, focada na análise da componente natural da

paisagem, a definição adotada como paradigma será a enunciada por Farina (2000): “Uma paisagem é

uma configuração espacial de manchas, com dimensões relevantes para o fenómeno a ser estudado. Paisagem, de um ponto de vista morfológico, é a extensão espacial, seguida por uma área espacial heterogénea. Paisagem é mais que um lugar, mais do que um local geográfico ou um mosaico de coberto, é na realidade o contexto físico e funcional em que os processos ecológicos e organismos relacionados ocorrem a diferentes escalas espaciais e temporais [...] poderíamos definir paisagem simplesmente como uma porção do Mundo real, na qual estamos interessados em descrever e interpretar processos e padrões”.

2 Segundo Monteiro-Henriques (2010): "A Fitossociologia Integrada dedica-se ao estudo das comunidades vegetais e suas relações com o meio, incluindo as dinâmicas temporais e os aspetos espaciais, com vista a uma compreensão alargada e uma sistematização útil da paisagem vegetal. Divide- se, normalmente, em três níveis de estudo (hierarquicamente relacionados): a Fitossociologia s.str., a Fitossociologia Dinamica e a Fitossociologia Dinamico-catenal".

3 Segundo Rivas-Martínez (2007): "Geobotânica é uma ciência ecológica que estuda a relação entre a vida vegetal e o meio. Segundo o mesmo autor as disciplinas base da Geobotânica são: a Idiotaxonomia, a Fitossociologia Integrada, a Bioclimatologia, a Biogeografia, a Edafologia e a Geomorfologia".

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1996; Asensi, 1996; Alcaraz, 1996; Capelo, 2003; Neto, 2002; Capelo, 2007; Monteiro- Henriques, 2010; Arsénio, 2011; Portela-Pereira, 2013).

Do ponto de vista científico, este trabalho pretende ainda aprofundar as potencialidades das metodologias fitossociológicas e de modelação preditiva aplicadas ao estudo das séries de vegetação (Fitossociologia Dinâmica ou Sinfitossociologia4) e

da dinâmica sucessional das séries de vegetação na paisagem (Fitossociologia Dinâmico-catenal ou Geosinfitossociologia5), e contribuir para o avanço e divulgação

da área da modelação Geo-Ecológica. Neste sentido, tendo como suporte os conceitos de VNP e de modelação preditiva, é exequível o desenvolvimento de modelos preditivos baseados em diversos algoritmos estatísticos e de ‘machine learning’, que possibilitam a determinação da VNP de um determinado território. Foi também intenção do autor clarificar e relacionar a importância do uso e ocupação do solo na análise integrada dos habitats e paisagem vegetal. De facto, o uso e ocupação do solo e suas alterações temporais são fundamentais em estudos científicos, para a gestão de recursos naturais, para o estabelecimento de políticas e para o desenvolvimento de diversas atividades humanas, sendo cada vez mais um fator fundamental no valor atribuído à terra pela sociedade (Julião, 2001; Caetano et al., 2005; Plantier, 2006; Plantier & Caetano, 2007; Carrão et al., 2006, 2008). O uso e ocupação do solo varia num intervalo de escalas espaciais, das escalas locais às globais e na frequência temporal, de dias a milénios. À medida que foi aumentando a importância do Planeamento e Ordenamento do Território, a necessidade de obter informação sobre o uso e ocupação do solo também aumentou (Cihlar, 2000). As alterações de uso e ocupação do solo podem ser vistas como a variável mais importante nas alterações que afetam os sistemas ecológicos, com um impacto global pelo menos tão significativo como o impacto associado às alterações climáticas.

4 Segundo Monteiro-Henriques (2010): "Fitossociologia Dinâmica ou Sinfitossociologia estuda a sucessão (temporal) das fitocenoses (séries de vegetacao - conjunto ordenado de comunidades que, num mesmo lugar, podem suceder-se no tempo). A sua unidade abstracta fundamental é a sigmassociação ou sigmetum. Ao conceito de sigmassociação corresponde também um modelo ecológico-taxonómico da realidade concreta (sendo a realidade concreta a série de vegetação). Atualmente, em Fitossociologia Dinâmica utilizam-se dois conceitos fundamentais na sistematização de grandes tipos de dinâmica da sucessão: o conceito de sigmetum s.str. (no sentido de séries de vegetação com mais de uma etapa de vegetação perene) e o de permasigmetum (representando as series compostas por apenas uma etapa perene). O conceito de permasigmetum é de extrema utilidade para a sistematização da dinâmica serial e para a determinação de medidas de gestão para o território".

5 Segundo Monteiro-Henriques (2010): "Fitossociologia Dinâmico-catenal ou Geosinfitossociologia estuda a zonação das séries de vegetação ao longo de gradientes ecológicos precisos (geosséries de vegetação). Tendo em conta a posição ocupada pelas séries no referido complexo de gradientes, as séries podem denominar-se: “climatófilas", "edafófilas” (edafoxerofilas ou edafo-higrofilas) ou permaséries. A sua unidade abstrata fundamental é a geossigmassociação ou geosigmetum. O modelo ecológico- taxonómico que lhe está associado contém a noção de um geocomplexo de vegetação (informação biológica: florística, fitossociológica, sinfitossociológica etc.), ocupando uma pluritessela particular (informação corológica) a que corresponde um determinado geo-hábita (informação ecológica)".

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Apesar da importância do uso e ocupação do solo como variável ambiental, o nosso conhecimento sobre esse uso, ocupação e a sua dinâmica ainda se revela escasso (Foody, 2002).

Nesta perspetiva, a investigação ao nível da estrutura e dinâmica da paisagem requer métodos que possibilitem a quantificação e espacialização de padrões espaciais atuais e futuros (métricas de paisagem ao nível da estrutura; e modelos híbridos (Cadeias de Markov e Autómatos Celulares (AC)) ao nível da dinâmica), comparação de paisagens, identificação de diferenças significativas e determinação das relações dos processos funcionais nos padrões da paisagem (Turner & Gardner, 1991; Godinho- Ferreira, 1997; Turner et al., 2001; Godinho-Ferreira et al., 2004; Leitão et al., 2006; Laranjeira, 2009). Na avaliação da dinâmica da paisagem e da consequente alteração do mosaico de habitats que a compõem, importa compreender os processos espaciais intervenientes e compreender se as sequências de alterações da paisagem podem ser identificadas. Tais sequências permitirão minimizar os efeitos negativos da fragmentação e identificar a melhor ou pior localização (no tempo e no espaço) de uma alteração particular, o que se apresenta de extrema utilidade ao nível do Planeamento e Ordenamento do Território.

Finalmente, o desenvolvimento das CIG possibilita a operacionalização de numerosas abordagens metodológicas, nos domínios das Ciências da Vegetação, da Ecologia da Paisagem, entre outros, e que cada vez mais requerem a integração de uma enorme quantidade de dados. A análise de diferentes fontes de informação (de base geográfica, observações de campo, alfanumérica e de DR), em conjunto com sua localização no espaço geográfico, tem contribuído significativamente para uma melhor compreensão dos fenómenos naturais e dos fatores que estes influem. Atualmente, e como resultado da dinâmica que o desenvolvimento atual das sociedades impõe ao Território, é fundamental o desenvolvimento de abordagens multi-disciplinares que incorporem diferentes fontes de informação ou classificações geográficas funcionais. Segundo Hengl (2009), têm vindo a ser disponibilizadas numerosas soluções metodológicas (processamento de imagem em DR, Geoestatística, Geomorfometria, entre outras) para a análise dos padrões espaciais e temporais, denominada como Análise de Dados Espaciotemporal (STDA) (Figura 1). Em traços gerais podemos definir STDA como uma combinação de duas grandes Ciências: Ciência da Informação Geográfica (CIG) e a Estatística espaciotemporal, ou em termos matemáticos: STDA = CIG + Estatística.

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42 Figura 1 – Esquema da Análise de Dados EspacioTemporal (STDA) (adaptado de Hengl,

2009).

Nestes domínios, destaca-se o estudo desenvolvido por Rocha (2012), no qual é apresentado uma nova geração de modelos dinâmicos caracterizados por um paradigma inovador, que denomina de Geossimulação6 e ao discutir a importância da

sua incorporação enquanto sistemas espaciais dinâmicos nos processos de Planeamento Ordenamento do Território.

Neste contexto, tendo como base esta inovadora linha de investigação, que possibilita a incorporação de uma componente dinâmica como uma parte essencial do espaço geográfico, é inequivocamente justificada a utilização de modelos híbridos (Cadeias de

6 Segundo Rocha (2012): "O conceito de Geossimulação é baseado em autómatos geográficos, i.e. espacialmente relacionados. A representação em ambiente SIG do espaço geográfico é frequentemente estática, logo, um foco de investigação com elevada relevância na Geossimulação é a elaboração de modelos que combinem os elementos estruturais do espaço (objetos geográficos) com os processos que o modificam (ações humanas e a forma como se processam ao longo do tempo)".

E ESSTTAATTÍÍSSTTIICCAA E ESSPPAACCIIOOTTEEMMPPOORRAALL C CIIGG G GEEOOMMÁÁTTIICCAA N NOOVVAAGGEEOOGGRRAAFFIIAA Análise Temática de Dados Espaciais T TIIGG((SSIIGG//DDRR)) Processamento de Imagem (Análise de imagem e Extração de Objetos) G GEEOOEESSTTAATTÍÍSSTTIICCAA Fenómenos contínuos no espaço e/ou no tempo Análise de Tendências Detecção de Alterações Análise de padrões pontuais G GEEOOMMOORRFFOOMMEETTRRIIAA Análise quantitativa da superfície terrestre

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Markov e AC) para a análise das dinâmicas de uso e ocupação do solo, bem como do caráter reflexivo de padrões de alteração nos habitats e paisagem vegetal do território em análise.

1.3. Justificação e Objetivos da dissertação

O autor da presente dissertação pretendeu desenvolver uma aproximação integrada dos SIC ‘Estuário do Sado’ e ‘Comporta / Galé’, sobre a estrutura e dinâmica dos habitats e da paisagem vegetal e a sua relação com o uso e ocupação do solo, de acordo com a sua ocupação passada e presente.

A escolha da área de estudo fundamenta-se no facto de os SIC ‘Estuário do Sado’ e ‘Comporta / Galé’ apresentarem uma invulgar riqueza da flora e da vegetação no contexto europeu. Esta importância resulta numa grande diversidade de comunidades vegetais e plantas endémicas dos territórios Sadense e Costeiro Vicentino, como resultado de condições originais do ponto de vista das caraterísticas físicas dos biótopos (único território que dentro da região mediterrânea europeia apresenta exposição atlântica). Assim, desde há alguns anos este Território tem sido alvo de diversos estudos que contemplam as importantes zonas húmidas salgadas (Moreira, 1987; Mateus, 1992; Moreira & Psuty, 1993; Neto, 2002; Neto et al., 2005), as zonas húmidas não salgadas (Costa et al., 1996; Neto, 1997; Neto, 2002) e os ecossistemas de praia, dunares e das áreas conglomeráticas (Costa et al., 1994; Costa et al., 1993; Neto et al., 1996; Neto, 2002; Neto et al., 2004; Neto et al., 2007a,b; Neto et al., 2009; Neto et al., 2010). No seu conjunto, estes estudos constituíram um importante referencial de caraterização das comunidades vegetais e da flora dos SIC ‘Estuário do Sado’ e ‘Comporta / Galé’. Contudo, em matéria de análise de estrutura e dinâmica dos habitats e da paisagem vegetal a investigação é escassa.

A dissertação enquadra-se no domínio da Geografia Física, e sendo o objeto de estudo primordial os ecossistemas, pretendeu-se dar um contributo para um melhor conhecimento destes espaços naturais, dotados de grande originalidade, uma vez que apresentam diversos habitats e espécies que integram as Diretivas nacionais, europeias e extracomunitárias. Contudo, como estas áreas constituem uma fonte de recursos considerável, são atualmente submetidas a enormes pressões que, juntamente com a sua posição de interface mar-continente as torna zonas de elevada sensibilidade ecológica (Martins et al., 2013). Por outro lado, estas paisagens litorais estão sujeitas a uma sucessão de fenómenos biológicos que conduzem a equilíbrios

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naturais, mais ou menos frágeis que, ao serem destruídos, desencadeiam muitos dos processos degradativos atuais.

Destes, os fenómenos erosivos que assumem uma magnitude crescente e deveras preocupante, associados à acentuada pressão demográfica sobre a faixa costeira, arrastam consigo um desordenamento feroz, provocam consideráveis contrariedades económicas e marcantes desequilíbrios ecológicos. Tais fatores contribuem significativamente para a descaraterização de longos troços da costa nacional, constituindo-se, deste modo, como um fator de ameaça à elevada biodiversidade existente.

Assim sendo, numa primeira fase da dissertação, destaca-se a relevância da atualização do conhecimento da flora e da vegetação, advindo do facto de que a flora e, por consequência, as comunidades vegetais, se apresentarem como excelentes bioindicadores de diagnóstico do estado de conservação dos habitats naturais e seminaturais existentes.

Num segundo momento foi analisada a estrutura e dinâmica espaciotemporal do uso e ocupação do solo (com ênfase nos habitats naturais e paisagem). Pretendeu-se descrever e contextualizar a história da transformação na região, aplicar metodologias convencionais e automáticas de produção de cartografia de uso, ocupação do solo e habitats, com o intuito de proceder à análise da paisagem do território estudado em diferentes períodos. E, deste modo, discutir questões científicas relevantes para o Planeamento e Ordenamento do Território, contribuindo para a tomada de decisões no sentido de salvaguardar o património natural, através de medidas de recuperação e valorização biofísica nos habitats e paisagem dos SIC ‘Estuário do Sado’ e ‘Comporta / Galé’.

Finalmente, a última fase da dissertação posicionou-se na avaliação da importância e demonstração do acréscimo de precisão e eficiência associado ao uso de TIG (nomeadamente da DR) na monitorização dos habitats da Rede Natura 2000 à escala local (de acordo com as normas de implementação da Diretiva Habitats).

Assim, os objetivos específicos da presente dissertação são:

1. Contribuir para a atualização do conhecimento dos valores florísticos, fitocenóticos, dos habitats e da paisagem vegetal dos SIC ‘Estuário do Sado’ e ‘Comporta / Galé’;

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2. Produzir cartografia atualizada da vegetação atual, habitats da Rede Natura 2000, sinfitossociológica e geosinfitossociológica (à escala 1:10 000) da área de estudo, com vista a apoiar um melhor Planeamento e Ordenamento do Território da região.

3. Avaliar o contributo da análise das alterações de uso e ocupação do solo (com recurso a indicadores de transformação), da estrutura (com base em métricas de paisagem) e dinâmica (com base em técnicas de Geossimulação (Cadeias de Markov e AC)) no Planeamento e Ordenamento do Território dos Sítios. 4. Avaliar o contributo da VNP, determinada por técnicas de modelação preditiva,

na gestão e restauro da paisagem vegetal.

5. Avaliar o contributo da Fitossociologia Integrada e da DR na gestão e monitorização dos habitats da Rede Natura 2000 à escala local.

6. Analisar os principais fatores que contribuíram para a evolução identificada nos pontos anteriores. Este aspeto reveste-se de especial importância na definição de estratégias de Ordenamento do Território para a gestão das comunidades vegetais e respetivos habitats.

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