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4 CAMINHOS TEÓRICO E METODOLÓGICO: O MODO DE FAZER A

3.1 Pesquisa documental

Neste momento falo do tipo de pesquisa escolhida a qual se insere nos parâmetros da pesquisa documental. Este tipo de análise envolve o uso de documentos, e vale destacar que a pretensão não é julgar os ditos sobre estágio, mas olhá-los investigando como foram produzidos.

O uso de documentos em processos investigativos deve ser valorizado (Jackson Ronie SÁ-SILVA; Cristóvão Domingos ALMEIDA; Joel Felipe GUINDANI, 2009), pois eles permitem organizar um rico conjunto de informações para contextualizar o objeto analisado. Por vezes, o documento se constitui o “único testemunho de atividades” ocorridas num período mais recente. (André CELLARD, 2008, p. 295). A riqueza de informações que deles “podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas [...] porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural”. (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009, p. 2). Mas, antes de fazer a análise do corpus documental, é preciso um certo cuidado em que é necessário ver, por exemplo a pertinência do texto, sua credibilidade. (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).

Sobre os documentos Jacques Le Goff (1996, p. 539), lembra que “em princípio o documento era sobretudo um texto”, tal definição foi mostrando-se incompleta, limitada diante do qual estudiosos e adeptos de uma história nova empenharam-se por sua ampliação,

alargando o seu conteúdo para som, imagem, dentre outros. Mas, tal ampliação foi apenas uma etapa para revolução do documento. Em tal evolução a história, deixa de prender o interesse nos grandes homens e passa a interessar-se por todos os homens, mas esta dilatação teria se reduzido ao estado de intenção, exigindo um extensivo trabalho artesanal se não houvesse uma revolução tecnológica. Estes dois momentos revolucionários tiveram seus desdobramentos que ensejaram um novo estatuto ao documento, mas é de interesse da pesquisa discorrermos sobre este ponto, mas apenas enfatizar que o conceito de documento foi sendo modificado no conexo da evolução da história.

Documento foi entendido, durante muito tempo, como escrita oficial com potencial comprobatório, no entanto, esta compreensão foi alargando-se. Cellard (2008, p. 296) nos diz que “tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento, ou fonte” a exemplo de textos escritos, material iconográfico, cinematográfico, ou outro que sirva de testemunho como objetos do cotidiano. No livro Pesquisas social:

questões, métodos e processos, Tim May (2004), referenciado em diferentes estudos,

apresenta várias fontes que podem ser consideradas documentos, dentre elas: leis, relatos de pessoas, anais de congressos, registros ministeriais, romances, peças, livros, biografias, diários e fotografias, entre outros, encontrados em meios que foram evoluindo, se sofisticando, tanto impresso quanto eletrônico. Para o autor, independentemente do tipo de fonte, um documento não pode ser lido de maneira “desligada”, ao contrário, devemos abordá-lo de um modo engajado, não desligado”. (MAY, 2004, p. 213). Isto nos permite afirmar que as diferentes implicações do contexto político e social, que tiveram presentes no processo de produção dos documentos, devem ser observadas. Assim, constitui-se um desafio selecionar e organizar os documentos aos quais me proponho e, analisá-los dentro de uma temporalidade que tem sua história e suas implicações.

Pela aproximação, que nos propomos, da teorização foucaultiana, tomo como desafio a análise dos documentos como monumentos. A intensão não é alcançar o que foi largado, pois o documento, enquanto monumento, não percorre este caminho, “mas desdobra um conjunto de elementos, isola-os, agrupa-os, estabelecendo relações, reúne-os segundo níveis de pertinência”. (Eduardo Manuel CASTRO, 2009, p. 41). Desta forma, ao olhar para os documentos – as produções dos ENDIPEs – como monumentos, vou buscar este desdobramento isolando elementos, desarmonizando, agrupando e estabelecendo relações.

No livro A arqueologia do saber, Michel Foucault (2008, p. 7), nos fala sobre documento a partir da história (enquanto atividade teórica, enquanto disciplina), e menciona

que “desde que existe uma disciplina como história temo-nos servido de documentos”, entretanto, a atenção da história deslocou-se das “continuidades do pensamento”, para o que ele chama de “fenômenos de ruptura”. Para tanto, importa não a tradição com seus alicerces, que parecem integrar um contínuo ininterrupto, mas as transformações que ensejam novos alicerces.

Foucault (2008, p. 7) destaca, ainda, que, diante do documento, a história “considera como sua tarefa primordial não interpretá-lo, não determinar se diz a verdade nem qual é seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo em seu interior e elaborá-lo”. O autor dá visibilidade ao fato de que a história veio mudando seu posicionamento diante dos documentos, construindo uma nova racionalidade, que permite, entre outras coisas, outra forma de pensar as continuidades e as interrupções do pensamento, cabendo ao pesquisador um trabalho de elaboração:

Digamos para resumir que a história em sua forma tradicional, se dispunha a “memorizar” os monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes rastros, que por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio coisa diversa do que dizem: em nossos dias a história é o que transforma os documento em monumentos e que desdobra onde se decifravam rastros deixados pelos homens, onde se tentavam reconhecer em profundidade o que tinham sido, uma massa de elementos que devem ser isolados, agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjunto. (FOUCAULT, 2008, p. 8).

Nesta perspectiva, o documento deixa de ser uma matéria sem pulsação, útil para recontar o que fizeram os homens celebrando a memória e passa a ser algo com outra dinâmica que permite precisar, na esfera documental, “unidades, conjuntos, séries, relações”. (FOULCAULT, 2008, p. 7).

A partir da contribuição de Le Goff (1996) podemos dizer que documento e monumento pertencem à história e à memória coletiva, sendo o monumento considerado pelo autor como “herança do passado” e documento como “escolha do historiador”. (LE GOFF, 1996, p. 535).

Trabalhar com a noção de documento/monumento não é uma tarefa sem propósito, ela aponta para um dever: “a crítica do documento” (LE GOFF, 1996, p. 545) ao ser assumido como monumento, é o que afirma o autor:

A concepção de documento/monumento é pois independente da revolução documental e entre seus objetivos está o de evitar que esta revolução

necessária se transforme num derivado e desvie o historiador de seu dever principal: a crítica do documento – qualquer que ele seja – enquanto monumento. O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. (LE GOFF, 1996, p. 545).

Tal noção reforça a intensão de olhar para os documentos, que fazem parte do acervo dos ENDIPEs, como monumentos, uma vez que eles foram produzidos por pesquisadores que atuam na sociedade, que assumem posições, dentro de um movimento de lutas que caracterizam relações de forças. Os documentos referidos neste projeto, carregam as marcas de diferentes sujeitos e de seus tempos, e, assim, podemos compreender que “não são resultado da manifestação de sujeitos individuais [...], mas obedecem a um conjunto de regras historicamente situadas que estão submetidas a um regime de verdade que as tornam possíveis e necessárias”. (DAL’IGNA, 2005, p. 66).

Compreendo que ao assumir uma postura investigativa diante dos documentos estarei criando, junto com os sujeitos que os produziram, deixando ali minha impressão, e que, pelas características próprias do meu modo de pensar e por minhas limitações, determinados sentidos serão vistos e outros não.

Não se pretende lançar novos conceitos que suplantem os anteriores, ou encontrar a verdade sobre o Estágio Supervisionado, nos cursos de formação docente. Na tentativa de demarcar uma conduta investigativa próxima da perspectiva teórica já evidenciada, penso, de maneira indagativa, quais os sentidos produzidos sobre Estágio Supervisionado e de que modo tais sentidos contribuem para a constituição da identidade profissional docente. A seguir, faço algumas considerações sobre as ferramentas conceituais a serem utilizadas nesta empreitada investigativa: o discurso, esclarecendo como ele é compreendido neste trabalho à luz das contribuições foucaultianas para pensar a temática em questão.

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