• Nenhum resultado encontrado

Não será possível nenhum peixe razoável sem pensar no anzol e na rede, sem distinguir o rio do mar, sem conhecer linhas e iscas, sem apanhar chuva e sem sentir o sol (GANDIN, 2001).

Compreende-se que, a partir desse objeto de estudo, o referencial teórico sociointeracionista impôs-se como uma condição para compreender os fenômenos que se apresentam ao longo desta investigação. Coerente com esse enlace entre natureza do objeto e referencial teórico, a pesquisa qualitativa, também, não é uma opção, mas um acordo teórico.

Desse modo, esta pesquisa, com sujeitos em fase de desenvolvimento da linguagem oral, ancora-se na abordagem qualitativa. Dentro dessa abordagem, optamos pelo estudo de caso, com uma especificidade: estudo de casos múltiplos (TRIVIÑOS, 1997), que

se caracteriza pelo estabelecimento de comparações de enfoques específicos de um mesmo tema, seguindo, geralmente, o método da pesquisa comparativa: descrevendo, explicando e comparando os fenômenos entre si. Esta pesquisa investigou três formas de utilização do texto literário em salas de Educação Infantil, em três realidades distintas, e suas conseqüências para o desenvolvimento da linguagem oral. A técnica de apreensão dos dados constou de observação simples, do tipo reportagem (GIL, 1999).

A pesquisa qualitativa dá conta de uma parcela da realidade que não pode ser mensurável, trabalhando, desse modo, com o universo dos significados, das ações e das relações humanas, com a subjetividade, com o modo como os sujeitos pensam e compreendem suas vidas. Essa abordagem metodológica caracteriza-se por cinco elementos, a saber: fonte de dados direta; ambiente natural; descrição, ou seja, o foco central é o processo, em vez dos resultados; análise indutiva dos dados e significado, que têm importância vital no processo (BOGDAN e BIKLEN, 1994; TRIVIÑOS, 1997).

O conhecimento acerca do universo cultural que vai pesquisar é de suma importância para o pesquisador, uma vez que boa parte do material que subsidiará os pressupostos é coletada a partir da vivência de um determinado grupo social. Saberes prévios sobre valores, sobre costumes e sobre história social do grupo são elementos imprescindíveis ao bom desenvolvimento do trabalho (BOGDAN e BIKLEN, op cit.).

Assim, o ingresso no campo de investigação foi evoluindo a partir de vários contatos, até obtermos o assentimento e a confiança dos agentes sociais envolvidos na pesquisa. Isso, porque, “numa ciência, onde o observador é da mesma natureza que o objeto, o observador, ele mesmo, é uma parte da observação” (LÉVI-STRAUSS p. 215, 1975 apud MINAYO, 1994: p. 14).

Então, compreender o modo como professores e crianças relacionam-se com o texto literário, a fim de confrontar esses elementos com os pressupostos e com a análise do material coletado tornou-se um imperativo.

O paradigma que orientou a investigação – sociointeracionista - conjugou-se à técnica de observação simples, como meio mais adequado para favorecer o contato direto com a realidade da comunidade escolar e das salas de Educação Infantil, nas quais realizamos esta pesquisa. Uma vez que não desenvolvemos atividades pedagógicas de contação de histórias, essa atividade foi desenvolvida pela professora de sala. Apenas o reconto coletivo junto aos grupos de sujeitos foi motivado pela pesquisadora.

ou seja, o sentido atribuído ao que está sendo observado. Nesse sentido, os princípios da Etnometodologia podem auxiliar na interpretação de dados coletados a partir de observação simples e daqueles que necessitam de uma leitura interpretativa no contexto de sua produção. A Etnometodologia, como operacionalização da Etnografia, privilegia as abordagens microssociais dos fenômenos, dando maior importância à compreensão do que à explicação. Enquanto a Sociologia tradicional despreza as descrições que os agentes/autores fazem dos fatos sociais que os cercam, entendendo que essas descrições são por demais vagas, a Etnometodologia valoriza exatamente essas interpretações, que passam a ser o objeto essencial da pesquisa. Desse modo, recorremos a três princípios desse paradigma para compreendermos e para explicarmos o contexto estudado.

O primeiro princípio é a prática e a realização, de acordo com o qual a realidade social é produzida no dia-a-dia pelos agentes sociais em interação. As mudanças macro acontecem a partir das operações micro. Durante a observação exploratória, focamos a prática docente e sua relação com os educandos e com o texto literário, o que possibilitou uma leitura crítico-compreensiva da resposta dos sujeitos frente ao que lhes era solicitado, a qualidade e a quantidade de fala nos dados coletados na pesquisa.

O segundo princípio é a “indiciabilidade”, a incompletude que toda palavra possui, não devendo ser substituída, pelo pesquisador, por expressões indiciais, supostamente objetivas, mas sim mergulhar no contexto para melhor compreender a ação que os autores realizam para a elaboração de tais expressões. Isso quer dizer que o significado de uma palavra está atrelado ao contexto no qual foi pronunciada, não podendo ser desvinculada desse, sob pena de perder seu valor, ao mesmo tempo subjetivo e objetivo, para os agentes envolvidos (COULON, 1995). A utilização desse princípio justifica-se porque a linguagem dos sujeitos desta pesquisa poderia ser denominada de multilinguagem, uma vez que eles falam com o corpo, com gestos e com onomatopéias; é uma linguagem mais ideomotora do que verbal, como diz Wallon (in DANTAS, 1990). Para compreender uma criança nessa fase (projetiva), é preciso olhar para ela e para o contexto mais do que para a verbalização em si, porque o gesto expressa e carrega a idéia, suprindo o que a insuficiência de recurso verbal deixa em suspenso. Nesse caso, considerar esse princípio durante todo o processo e, sobretudo, no registro do material de análise e na própria análise dos dados, impõe-se como condição de fidelidade aos objetivos do trabalho. Conforme recomenda Travaglia (2005), falando sobre coleta e análise de material em pesquisa sobre a língua falada, “registrar não só o sonoro da língua falada, mas a situação, o entorno e elementos paralingüísticos como gestos

e expressões fisionômicas que na língua falada podem desempenhar papel fundamental, inclusive na comunicação de conteúdos”. O registro fílmico mostrou-se de grande auxílio para garantir essa gama de informações não verbais.

A “relatabilidade”: os relatos são informativos ou estruturantes do estado de enunciação. A “relatabilidade” está ligada à noção de reflexividade, estabelecimento da realidade, da fabricação do mundo. O material de análise é a fala dos sujeitos, mas também o conjunto que os cerca: a escola, com sua proposta pedagógica, o discurso dos professores, as relações familiares; enfim, as condições sociais e materiais em que vivem os sujeitos. Desse modo, consideramos, confrontando os dados no interior deles mesmos, como e por que foram produzidos dessa e não daquela forma.