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A pesquisa social apoia-se em dados sociais que são construídos nos processos de comunicação. Para o desenvolvimento da pesquisa social, Uwe Flick (2009) aponta que os estudos de abordagem quantitativa têm apresentado limitações no que se refere aos estudos de cunho social e crítico, tendo em vista que as relações em que ocorrem são controladas ao extremo e tentam eliminar a influência e as opiniões do pesquisador e dos participantes, logo fornecem ofertas limitadas para a interpretação. Bauer e Gaskell (2017, p. 24) argumentam que não há quantificação sem qualificação tendo em vista que

[...] a mensuração dos fatos sociais depende da categorização do mundo social. As atividades sociais devem ser distinguidas antes que qualquer frequência ou percentual possa ser atribuído a qualquer distinção. É necessário ter uma noção das distinções qualitativas entre categorias sociais, antes que se possa medir quantas pessoas pertencem a uma ou a outra categoria.

Ademais, a pesquisa quantitativa tem como objetivo documentar e analisar a frequência e a distribuição dos fenômenos sociais na população, entretanto, essas “[...] descobertas científicas não são incorporadas às práticas políticas e institucionais tanto quanto se esperava que fossem” (FLICK, 2009, p. 22). Desse modo, os estudos de abordagem quantitativa afastam-se dos problemas da vida cotidiana.

Por outro lado, encontra-se um processo contínuo de propagação da pesquisa qualitativa, pois, apesar dos mecanismos de controle metodológico, torna- se difícil, em estudos sociais, evitar a influência dos interesses da formação social e cultural na pesquisa. A discussão sobre a pesquisa qualitativa, segundo Bauer e Gaskell (2017, p. 20), tem conseguido desmistificar a estatística como único método para conseguir resultados significativos. Sobre o mesmo aspecto, Flick (2009, p. 24) também pondera que a formulação empiricamente bem fundamentada de enunciados relacionados a sujeitos e a situações é um objetivo que pode ser alcançado com a pesquisa qualitativa. Para o autor, os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem na escolha de métodos e teorias convenientes; no reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas; nas reflexões dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produção

de conhecimento e na variedade de abordagens e métodos. Reforça ainda que, na pesquisa qualitativa,

[...] os objetos não são reduzidos a simples variáveis, mas sim representados em sua totalidade, dentro de seus contextos cotidianos. Portanto, os campos de estudo não são situações artificiais criadas em laboratório, mas sim práticas e interações dos sujeitos na vida cotidiana. (FLICK, 2009, p. 24).

Por esse mesmo ângulo, Izabel Magalhães et al. (2017, p. 30) aludem que

[...] na pesquisa qualitativa é possível examinar uma grande variedade de aspectos do processo social, como o tecido social da vida diária, o significado das experiências e o imaginário dos participantes da pesquisa; a forma como se articulam os processos sociais, as instituições, os discursos e as relações sociais, e os significados que produzem.

Portanto, a pesquisa qualitativa demonstra a variedade de perspectiva sobre o objeto, partindo de significados sociais e subjetivos a ele relacionados. O conhecimento, as práticas e as interações dos participantes em um campo específico são analisados, levando em consideração que “[...] os pontos de vista e as práticas no campo são diferentes devido às diversas perspectivas e contextos sociais a eles relacionados” (FLICK, 2009, p. 25). Ademais, a subjetividade do pesquisador e dos participantes torna-se parte do processo de pesquisa, portanto, esses pontos de vistas subjetivos constituem o primeiro ponto de partida para a abordagem teórico-metodológica das pesquisas qualitativas de modo que “[...] a pesquisa qualitativa torna-se um processo contínuo de construção de versões da realidade” (FLICK, 2009, p. 27). Essa concepção está de acordo com o que Fairclough (2001, p. 246) nos apresenta ao afirmar que “[...] os analistas não estão acima da prática social que analisam; estão dentro dela”.

Outro argumento em favor da pesquisa qualitativa é que ela é intrinsecamente uma forma de pesquisa mais crítica e potencialmente emancipatória e, para isso, o pesquisador precisa “[...] compreender as interpretações que os atores sociais possuem do mundo, pois são estes que motivam o comportamento que cria o próprio mundo social” (BAUER; GASKELL, 2017, p. 32).

Fica claro que a abordagem qualitativa preocupa-se em compreender o significado das ações sociais, ou seja, com o que os atores sociais fazem ou dizem.

Nesse âmbito, o texto em suas mais diversas formas (fala, escrita, imagem, sons) é a mediação da vida social contemporânea e ainda que, viabilizado por novas tecnologias, ocorre em um contexto virtual de comunicações, portanto, trata-se de importante fonte de pesquisa. Magalhães et al. (2017, p. 31).) versam que a proposta de análise textual precisa ser contextualizada e que

[...] os elementos textuais são entendidos como argumentos para a interpretação da prática social. Nesse sentido os textos são artefatos para o estudo do processo social, podendo ter sua análise expandida na relação com categorias sociais, como é o caso das identidades. Logo, para entender o texto, é necessário relacioná-lo ao contexto social específico em que as ações dos participantes e suas relações sociais têm significados. De acordo com os autores, o método desenvolvido pela ADC “[...] situa- se na tradição da pesquisa qualitativa, em virtude do foco na análise detalhada de textos e discursos” (MAGALHÃES et al., 2017, p. 33). Trata-se de um método que conjuga o estudo textual-discursivo à crítica social.

Em suma, a abordagem qualitativa trata da construção social de fenômenos na vida cotidiana, pois parte dos “[...] sujeitos envolvidos em uma determinada situação e dos significados que essa situação representa para eles” (FLICK, 2009, p. 75). O contexto situacional, as interações com outros membros, os papéis que os participantes desempenham e os significados sociais e culturais são reconstruídos. Esse processo pode ser observado na figura 29.

Figura 29: Perspectivas na pesquisa qualitativa

Flick (2009) destaca que a pesquisa qualitativa visa à compreensão do fenômeno ou do evento em estudo a partir da reconstrução de casos como ponto de partida. Esses casos contêm fenômenos interativamente produzidos por diferentes atores que, em vários níveis, reconstituem a realidade. A reconstrução dessas estruturas de significados ocorre a partir de textos que servem como base da interpretação.

Dessa maneira, apresento, neste estudo, uma investigação da linguagem e de recursos linguísticos/discursivos particulares, sob a concepção crítica e social, a fim de ponderar sobre o quanto a produção, a distribuição e o consumo de diversas modalidades de textos servem como instrumento de alienação e dominação.

Sob essa orientação, as letras de funk ostentação são produto de uma prática discursiva ideologicamente estruturada que pode tanto servir para resistir quanto para distorcer a realidade e legitimar a desigualdade em todo o processo social. Os referidos textos constituem uma forma de ação comunicativa informal que, segundo Bauer e Gaskell (2017, p. 20), possui poucas regras de competência explícitas, ou seja, pouco conhecimento especializado, mas que referem-se à “[...] maneira como as pessoas espontaneamente se expressam e falam sobre o que é importante para elas e como elas pensam sobre suas ações e a dos outros” (BAUER; GASKELL, 2017, p. 21). Descrevo, na seção seguinte, os meios de investigação eleitos para a análise.

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