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CAPÍTULO 3. A construção teórico-metodológica: arcabouços e alternativas

3.1. Pesquisa qualitativa em educação

Inicialmente optamos pelo referencial qualitativo porque Educação, escola, e ensino somente fazem sentido quando os sujeitos que dela fazem parte também façam parte, mesmo que de forma indireta, da investigação científica.

A pesquisa qualitativa, segundo Bogdan & Biklen (1994), pode estar ou não associada a cinco características, pois uma pesquisa não é algo tão fechado em que deva (no modo imperativo) ter determinada característica como obrigação. No entanto, é importante levar em consideração alguns elementos na construção teórico metodológica em Educação como campo cientifico e é isto que faremos a seguir.

A primeira característica sobre pesquisas qualitativas elencada pelos autores diz respeito “a fonte direta de dados e o ambiente natural do objeto”, ou seja, é necessário que o investigador se introduza e mergulhe no ambiente a ser investigado – no nosso caso, a escola - e dedique grande quantidade de tempo a esse processo:

Os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as acções podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das instituições a que pertencem. Quando os dados em causa são produzidos por sujeitos, como no caso de registos oficiais, os investigadores querem saber como e em que circunstâncias é que eles foram elaborados. Quais as circunstâncias históricas e movimentos de que fazem parte? Para o investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.48).

As proposições acima trazidas pelos autores dialogam com a nossa proposição inicial de que a escola é um universo complexo e que para investigá-la devemos vivenciar seus espaçotempos do acontecer cotidiano. Em linhas mais gerais, é importante ressaltar que independente de qual for o objeto da pesquisa, é necessário uma aproximação a ele, mesmo que indireta. É necessário “lançar o olhar” para a interconexão escalar que existe entre as políticas mais amplas e as práticas que ocorrem na micro escala escolar.

A segunda característica - “a investigação qualitativa é descritiva” - possibilita usar observação e descrição como recurso, isto é, grande parte dos dados de investigações qualitativas podem incluir: transcrições de entrevistas, notas de campo, documentos pessoais, fotos, registros oficiais, entre outros, que devem ser analisados em sua totalidade e não em redução. Por isso, a descrição é um processo tão importante, inclusive porque as palavras escolhidas são fundamentais para o registro de dados e para a disseminação dos resultados. A palavra escolhida neste caso se relaciona com a outra parte da metodologia voltada para a análise dos discursos dos currículos investigados:

Ao recolher dados descritivos, os investigadores qualitativos abordam o mundo forma minuciosa. Muitos de nós funcionamos com base em "pressupostos", insensíveis aos detalhes do meio que nos rodeia e às presunções que nos guiam. Não é raro passarem despercebidas coisas como os gestos, as piadas, quem participa numa conversa, a decepção de uma sala e aquelas palavras especiais que utilizamos e às quais os que nos rodeiam respondem (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.49).

Por isso, selecionamos trechos dos documentos e os descrevemos em alguns momentos para tratá-los de forma minuciosa como dados a ser investigados qualitativamente. A terceira característica - “os investigadores qualitativos se interessam mais pelo processo do que somente pelos resultados ou produtos” - enfatiza a importância dos processos da pesquisa e não apenas com seus resultados. Segundo os autores, saber entender rótulos, termos, noções de senso comum para compreender atitudes e as interações diárias são elementos do processo que enriquecem a pesquisa. Essas banalidades do dia-a-dia têm muito a dizer numa pesquisa qualitativa em educação porque demonstram que também estamos inseridos numa esfera subjetiva que muito tem a dizer sobre nós e na forma como nossas ações e interações são encaminhadas para a vida social.

A quarta característica - “os pesquisadores qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva” - segundo o autor os dados recolhidos não devem ter o único objetivo de confirmar hipóteses estabelecidas previamente, ao contrário disso, as abstrações devem ser construídas na medida em que os dados vão aparecendo:

Para um investigador qualitativo que planeja elaborar uma teoria sobre o seu objecto de estudo, a direcção desta só se começa a estabelecer após a recolha dos dados e o passar de tempo com os sujeitos. Não se trata de montar um quebra-cabeças cuja forma final conhecemos de antemão. Está-se a construir um quadro que vai ganhando forma à medida que se recolhem e examinam as partes. O processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão abertas de início (ou no topo) e vão-se tornando mais fechadas e específicas no extremo (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p.50).

A quinta, e última característica, - denominada “o significado é de importância vital na abordagem qualitativa” – demonstra que os pesquisadores qualitativos devem se preocupar com perspectivas participantes onde é possível mostrar a dinâmica interna das situações que numa outra perspectiva não apareceria ao observador exterior.

Contudo, entendemos que essas perspectivas anunciadas por Bogdan & Biklen (1994) estão perfeitamente adequadas para metodologias procedimentais de “Como pesquisar qualitativamente em Educação”, e acreditamos ter sido necessário pontuar esses princípios para clarear as ações de um pesquisador, pois sem ter isto em mente, o método e a metodologia da pesquisa parecem incompletas e pouco relacionadas.

Entretanto, também podemos pensar que a pesquisa em Educação, segundo Ghedin & Franco (2008), nos dizem sobre o fazer científico e a existência persistente de contradições e ambiguidades, até porque a ciência moderna tem pretensão de encontrar a “verdade” única dos fenômenos que investiga. Então, muitas vezes, foi (e ainda é) necessário quantificar o mundo por meio da razão para que este seja considerado um conhecimento cientifico. Por outro lado, nas ciências humanas e sociais houve tentativas de compreender a dimensão reflexiva dos saberes que se atém mais aos processos da pesquisa e a qualidade dos dados, do que propriamente as quantidades e seus resultados. Por isso, é necessário entendermos os sentidos da prática cientifica que são construídos historicamente e que não consideram as especificidades das práticas sociais de investigação na

Educação. Nesse sentido, os autores enfatizam a especificidade da Educação como campo de pesquisa, e nós corroboramos com tais afirmações.

Nesse sentido, acreditamos que as cinco características elaboradas para a pesquisa qualitativa por Bogdan & Biklen (1994) fazem parte do universo de nossa pesquisa de forma coexistente e relacional. E que, por mais que seja necessário fazer escolhas e optar por um recorte, mantemos como foco apenas a análise dos documentos curriculares como superfícies textuais, pois apesar do universo do cotidiano escolar ser muito rico e indissociável da escala das políticas curriculares, a pesquisa científica deve ser aprofundada a determinados aspetos da realidade a partir de uma problematização que se escolhe. Os documentos curriculares são importantes instrumentos de significações passíveis de traduções e múltiplas interpretações que geram sentidos que variam de leitor para leitor, sobretudo, para professores que seguem (ou não) o currículo como fonte de conteúdo a ser cumprida.

É, portanto, na escala de políticas curriculares do estado de São Paulo, que buscamos compreender o currículo de Geografia e os “caderninhos” do Estado de São Paulo, pois a metodologia qualitativa permite que façamos a opção em relacionar as cinco características procedimentais de investigação. O mergulho no ambiente natural do objeto (a escala da escola) foi realizada pela autora na condição de professora da rede estadual de educação, Categoria O27, em que foi possível o contato com a fonte direta de dados – o documento curricular de geografia aqui já apresentado e os “caderninhos” - por meio da leitura e ministração de aulas. Num segundo momento, da realização da descrição dos dados, procuro evidenciar as marcas e as pistas das formações discursivas e ideológicas presentes na superfície textual do currículo, que me permitiu relacionar a análise indutiva e interpretativa em que diferentes significados são criados, apesar de não optarmos por realizar entrevistas nesta pesquisa, os enunciados aparecem subjetivamente no encaminhar de toda a pesquisa.

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Categoria O, é uma das categorias de contratação de professores do estado de São Paulo criada em 2009 pela Lei Complementar 1093/09. É uma categoria de contrato temporário, que não se enquadra no regime Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e nem no estatutário, fazendo com os professores que lecionam por meio deste contrato tenham poucos direitos. Os contratos têm duração de até dois anos (APEOESP, 2017. Disponível em: <

http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias/precarizacao-professores-de-sp-querem-estabilidade-de- temporarios-e-nova-forma-de-contratacao/>). Acessado em 27 de julho de 2017.