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As pesquisas nos/dos/com os cotidianos “da” Educação Física: configuração de outros modos de produção/conhecimento ou indícios de um

tem sua validade expressada exatamente pelo fato de constituir-se em procedimentos que garantem pertinência ao tempo Aspecto cuja

Professora 4: Ainda não se faz! Acho que na escola ainda não se faz! A

3.2 POTENCIALIDADES E FRAGILIDADES DAS PESQUISAS NOS/DOS/COM OS COTIDIANOS “NA” E “DA” EDUCAÇÃO FÍSICA

3.2.3 As pesquisas nos/dos/com os cotidianos “da” Educação Física: configuração de outros modos de produção/conhecimento ou indícios de um

déficit para/na teorização pedagógica?

Reservamos para este breve e último subtópico a elaboração de uma síntese especulativa que tem como pano de fundo os aspectos que, em certa medida, permearam as reflexões elaboradas ao longo de todo o capítulo. Do mesmo modo, corroborando essa estratégia de uma “escrita em camadas”, desde já, ressaltamos que a sessão subsequente se mostra complementar àquilo que aqui se apresenta, dado configurar-se em um diálogo com referenciais a partir dos quais buscamos fortalecer algumas ideias e argumentos apresentados, além de destacar outros. À exemplo do que ocorre no campo da Educação, os estudos nos/dos/com os cotidianos da Educação Física buscam apresentar-se como uma perspectiva alternativa à teorização pedagógica convencional. Ou seja, visando romper com aspectos que interpretam como problemáticos nas pesquisas, anunciam a assunção da tarefa de configuração de outros modos de produzir conhecimento. Conforme já vimos destacanto, a marca central de tal empreitada reside, talvez, na ideia de pensar o cotidiano e seus saberes como dotados de lógicas próprias, sempre dependentes dos contextos específicos em que se manifestam. Logo, entendemos referir-se a uma posição para a qual a ideia de normatividade deve ser concebida também sob uma ótica distinta (algo que, a partir de nossas leituras, percebemos na conotação de uma perspectiva normativa orientadora que, se em alguns casos

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Sendo radicais em nossa crítica, arriscamo-nos a dizer que, em alguns momentos dos textos acessados, as argumentações desenvolvidas possuem um grau genérico tamanho, a ponto destas “servirem” a outra disciplina, bastanto para tal, apenas, a substituição do termo Educação Física por outro qualquer, como, por exemplo, Artes, Literatura, etc.

aparenta ser quase prescindível, em outros, configura a própria ideia de um aspecto que não deve, em qualquer circunstância, submeter o contexto estudado).

Temos insistido na ideia de que uma particularidade visualizada nas elaborações da Educação Física, no entanto, é o fato desse “modo de proceder” ter sido importado do campo educacional sem um maior esforço problematizador. Nesse caso, destacamos o entendimento de que essa corrente acabou sendo assumida como algo já consolidado, pois, entendida como uma perspectiva que, em certo sentido, possui certa trajetória no âmbito das pesquisas em educação. A esse respeito, nos intriga a maneira pouco aprofundada como a proposta desse novo modo de produção do conhecimento é discutida, particularmente, do ponto de vista daquilo que se refere ao tipo de teorização pedagógica da Educação Física vislumbrada. Nessa direção, não se trata de propormos aqui uma nova discussão sobre a questão da normatividade (dado entendermos, inclusive, que aquilo que observamos na Educação Física assemelha-se àquilo que destacamos nas problematizações dirigidas aos artigos da área da Educação). O que nos move nesse momento é novamente ressaltar que, ao ser assumida de forma direta, e a despeito da crítica às demais formas de produção da área, a perspectiva “nos/dos/com” não foi acompanhada em seu processo de adesão por uma discussão acerca das implicações desta para a teorização da Educação Física.

Antes de prosseguir, vale enfatizar que, à medida que nos debruçamos sobre a produção em análise, progressivamente, temos buscado qualificar nossa percepção acerca das lógicas em que se pauta. Entre outros aspectos, esse cuidado auxilia- nos na tentativa de evitar a atribuição, “injusta”, de responsabilidade pelo cumprimento de tarefas não anunciadas ou com as quais não se comprometeram. Daí a centralidade desse exercício “acautelatório” soar-nos fundamental, em especial, quando pensamos nessa ideia de “teorização pedagógica”. Quer dizer, temos refletido, por exemplo, sobre a possibilidade hipotética de uma distinção entre a construção de uma “teorização pedagógica da Educação Física” (de caráter mais amplo) e um tipo de “teorização acerca das práticas pedagógicas da disciplina” (cuja perspectiva seria menos abrangente). Nesse caso, a diferenciação residiria no aspecto de que a primeira teria como pretensão a discussão e o fornecimento de uma fundamentação para a Educação Física escolar (pautando-se para tanto numa espécie de tensão entre um “ser” e um “dever ser” da disciplina), ao passo que a

segunda, mais restrita, teria como preocupação a tentativa de visibilizar as práticas docentes em seus contextos (ou seja, apresenta maior interesse na interpetação da lógica das práticas).

Assim, se tal tipo de distinção faz algum sentido, por aproximação, seria mais pertinente situarmos os estudos nos/dos/com os cotidianos no segundo grupo. Compreensão essa que lhes “eximiria” de parte da crítica que temos operado (afinal, estes passariam a ser compreendidos, em última instância, como uma espécie de “etapa inicial” da teorização pedagógica em sentido mais amplo). Quer dizer, forjada sob essa ótica, uma “teoria das práticas”, conforme apresentada, teria como méritos a aposta no reconhecimento e valorização de uma pluralidade de fazeressaberes, e, principalmente, o fato de orientar tanto as suas investidas no cotidiano, quanto as produções delas derivadas, a partir de uma perspectiva colaborativa e de coautoria. No entanto, restar-lhes-ia, ainda, a outra parte da crítica, aquela, por assim dizer, correspondente aos limites (e, também, aos riscos) contidos/derivados na/da efetivação das proposições alternativas produzidas.

Ou seja, mesmo que concebida numa perspectiva de teorização “mais restrita”, a proposta dos estudos nos/dos/com os cotidianos da Educação Física carrega fragilidades que residem na impossibilidade de pleno alcance daquilo que anunciam47, bem como no fato de não dar conta de uma “tradução” das práticas estudadas, que seja detentora de elementos consistentes por meio dos quais seja possível avançar na construção de outras normatividades legitimadoras para a disciplina. Dito de outro modo, ainda que a interpretemos do ponto de vista de um “passo inicial”, a pesquisa com o cotidiano da Educação Física pode ser vista como geradora de uma espécie de déficit na teorização da Educação Física, dado possuir fragilidades do ponto de vista da elucidação dos fazeressaberes realizada (aspecto agravado, particularmente, diante da postura assumida por tal perspectiva ao operar

47 O reconhecimento desses “limites” apresenta-se no campo da Educação nos escritos de Ferraço (2004), na

ocasião em que o autor reconhece que, a despeito da crítica aos modelos convencionais de produção do conhecimento, também as pesquisas com os cotidianos ainda não estão libertas de algumas daquelas suas lógicas, e, portanto, reproduzem-nas; além do mais, lembra o autor, os pesquisadores é que seguem “selecionando” aquilo que visibilizam. Impende pensar, nesse caso, em que medida esse mesmo exercício autocrítico tem sido assumido/reconhecido nos estudos nos/dos/com da Educação Física, particularmente, na direção de permitir uma qualificação de suas contribuições para esse exercício de construção de uma teoria da Educação Física.

a crítica das demais produções da área, e, em certo sentido, apresentar-se como “a” forma correta de investigação do cotidiano da disciplina).

A percepção desta “característica deficitária” poderia ser interpretada por alguns (e por nós próprios) como uma dificuldade nossa de operar a partir de um entendimento de produção de conhecimento sobre o cotidiano da Educação Física – cuja forma e continência se apresentam distanciadas daqueles elementos que convencionalmente poderiam ser julgados como mais profícuos para a construção da pesquisa. No entanto, a despeito da imputação de qualquer limitação interpretativa ou, mesmo, de perspectiva, que nos possa ser direcionada, procuramos ao longo de todo nosso processo analítico realizar algo daquilo que Almeida (2018) sinaliza como um pensar “com” e “contra” a diversidade de possibilidades que se anunciam em nosso campo. Nesse caso, até de forma curiosa, acreditamos que foi exatamente pensando “com” os estudos “nos/dos/com” que pudemos atestar os elementos que embasam a tese de um “déficit na teorização da Educação Física”. Quer dizer, identificamos os limites que os estudos nos/dos/com os cotidianos da disciplina apresentam mediante tal empreitada, exatamente, ao consideramos a pertinencia da ideia de uma produção que não somente tenha como ponto de partida o cotidiano escolar, mas, que avance na direção de considerar as lógicas nele presentes como aspectos também importantes para a (re)construção dos elementos normativos que orientam ou legitimam a Educação Física.

Em nosso entendimento, esse tipo de constatação encontra fundamento quando pensamos, principalmente, que a ideia de produção de uma teoria das práticas só faz sentido à medida que fornece elementos tanto para a compreensão, quanto para o encaminhamento de perspectivas de ação “para” e “a partir” daquilo que a disciplina vem “sendo”. Aqui, levando em conta aquilo que é preconizado no tipo de pesquisa em análise, não nos referimos apenas à afirmação da compreensão de que o exercício de valorização das produções cotidianas da Educação Física não pode ser algo que, ao valorizar os processos que engendram fazeressaberes na escola, se permita desconsiderar a tematização daquilo que fora engendrado. Mas, tratando de um aspecto ainda mais elementar, apontamos a ideia de um déficit que seria oriundo da maneira pouco contextualizada que as práticas, seja em relação ao seu processo de produção, seja no que tange aos seus produtos, têm sido

concebidas nos textos analisados.48 Ou seja, enfatizamos a ideia de que a produção de outras normatividades legitimadoras da Educação Física, para se constituir em um projeto “de baixo pra cima”, carece ser sustentada por um tipo de teoria das práticas que compreenda que a “visibilização daquilo que ‘de fato’ os professores produzem no cotidiano” não consiste, tão somente, em conferir relevância às alternativas pontuais construídas em meio às angustias do trabalho diário. Mas, sim, pautar-se por uma perspectiva que, mormente atentando-se às especificidades da disciplina, esteja comprometida com a interpretação dos processos autoorganizativos e dos saberes que nele se originam.

Assim, se, em alguns momentos, denotamos a ideia de que a visibilização/valorização das lógicas escolares cotidianas devem ser tomadas como passos fundamentais no processo de (re)construção de uma teoria da Educação Física (em especial, por expressarem o reconhecimento de que há nessas lógicas a instituição de outras normatividades legitimadoras), a fragilidade ou o caráter pouco consistente da apresentação desses fazeressaberes mapeados parece retirar deste modelo de teorização, exatamente, aquilo que lhe dá potencial/suntentação. Quer dizer, ainda que o julguemos pertinente, o exercício crítico direcionado às pesquisas que buscam no cotidiano aspectos correspondentes às prescrições ou modelos pré- estabelecidos ainda necessita ser alçado a um novo “patamar”, e, ultrapassando esse primeiro estágio crítico, deve avançar na direção de evidenciar a peculiaridade dos “fazeressaberes efetivados nas escolas”, principalmente, permitindo que se torne também mais esclarecida sua articulação com a especificidade da contribuição da disciplina para um projeto escolar mais amplo.

Em outras palavras, a possibilidade de uma revisão da narrativa que atribui à intervenção pedagógica da Educação Física um permanente status de “crise” (discurso esse, geralmente, pautado na expectativa otimista de materialização dos avanços teórico-epistemológicos alcançados na academia) somente se faz concreta

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A esse respeito, vale lembrar um aspecto já ressaltado nos tópicos anteriores, quando apontamos que a ênfase na dimensão didático-metodológica dos fazeressaberes apresentados não possibilitava uma melhor compreensão das situações em que foram produzidos; da maneira como se articulavam ao projeto pedagógico da escola, da Educação Física ou, mesmo, ao planejamento do professor; e, principalmente, que elementos relacionados à especificidade da disciplina se faziam evidentes nas ações mapeadas e/ou que relações os estudantes com eles constroem.

se contraposta pela apresentação de uma “nova narrativa”, cujo conteúdo necessita ser suficientemente consistente no sentido de esclarecer tanto aquilo que orienta sua produção, quanto a relação do que é produzido com os elementos a partir dos quais esta se configura legítima na escola.

4- EDUCAÇÃO FÍSICA E A PECULIARIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR