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Pessoas jovens e Adultas como sujeitos de aprendizagem

No documento Educação de Jovens e Adultos (páginas 42-45)

Numa sociedade como a nossa, na qual a escola é a instituição responsável por ampliar o repertório de práticas sociais dos estudantes, pelo desenvolvimento de capacidades, atitu- des e valores, pelo domínio e uso de sistemas de representação, como a língua escrita, pela apropriação e construção dos conhecimentos, entre outros aspectos, como são e como vivem pessoas que não puderam se escolarizar?

Lembremos ainda que o nível de escolaridade ou a certiicação formal na escolarização tem se colocado como elemento fundamental para a seleção, entrada e permanência em postos de trabalho para pessoas que se encontram nos ciclos de vida adulta e juvenil.

Como incluí-los no processo de escolarização nos ciclos de vida em que se encontram? O que essas pessoas buscam na escola? O que a escola pode oferecer a esses sujeitos? Como considerá-los nesse processo?

Para começar o estudo sobre esse tema, vamos ler alguns depoimentos de pessoas jovens e adultas que buscaram se escolarizar tardiamente e reletir sobre os motivos pelos quais não estudaram ou permaneceram por curtos períodos na escola durante a infância e adolescência.

Texto coletivo produzido por uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), de Porto Alegre

Muitos foram os motivos que izeram com que a gente não estudasse:

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Transferência do pai de um lugar para o outro, estava sempre se mudando, em alguns lugares não tinha escola, era interior;

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Problema de saúde que não deixava aprender, tive que me tratar. Meus pais ado- tivos não quiseram me botar na escola, eles eram muito ruins, desde pequena eles me colocaram no trabalho;

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Meus pais me registraram só com 12 anos, por isso entrei na escola com essa idade, daí mais tarde eu tive que estudar à noite para trabalhar;

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Meu pai me tirou do colégio quando era pequeno, porque dizia que eu era burro;

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Vim estudar à noite porque eu tinha muita diiculdade de aprender e já tinha mais idade e não sabia ler, aí os professores acharam melhor eu vir estudar à noite. (Atividade coletiva realizada por estudantes da EJA, Escola Municipal de Ensino Fun- damental Chico Mendes, Porto Alegre (RS)1

(...) lá na roça a vida é muito difícil, lá onde a gente morava era muito longe da cidade não tinha colégio perto, por isso, nem eu nem meus irmãos estudamos quando crianças (...) e também meu pai e minha mãe não se interessaram para que os ilhos estudassem. (...) eu tinha treze anos foi quando a gente mudou para a cidade, eu comecei a estudar, iz até a 4ª série lá na Paraíba e aí foi um tempo que parei de estudar né? E vim pra São Paulo com 16 anos e eu tenho 4 anos aqui e sempre trabalhei desde os 12 anos né? Eu trabalhava e estudava lá, aí eu parei de estudar lá, vim para cá e comecei a trabalhar. E na verdade, assim, eu sempre fui uma pessoa bem sonhadora sabe? Eu sempre sonhava: “um dia eu vou estudar, um dia eu vou, sabe? “E a gente [ela e o marido] pretende voltar a estudar quando a gente tiver na casinha da gente, que a gente possa estudar sabe, mais tranquilamente, porque é muito difícil sabe essa vida que a gente leva também. Trabalha muito. Descansa muito pouco. A gente trabalha inal de semana, você vem correndo para o colégio, chega em casa meia-noite, às 6 horas da manhã tem que está de pé de novo sabe? Não é fácil a gente trabalhar o dia inteiro, acordar às 6 horas da manhã, até dormir é meia-noite, meia-noite e meia, uma hora. 6 horas todo dia de pé. Trabalha o dia inteirinho, sem ter direito nem de sentar e tem que vir para o colégio sabe? Então é muito sacriicado. (...) Josefa.2

1 VÓVIO, C. L. e CORTI, A. P. Jovens na Alfabetização: para além das palavras, decifrar mundos. Brasília: Ministério da Educação, Ação Educativa, 2007.

2 VÓVIO, C. L. e CORTI, A. P. Jovens na Alfabetização: para além das palavras, decifrar mundos. Brasília: Ministério da Educação, Ação Educativa, 2007.

Lá eu iz praticamente até 2ª série, 3ª série. Quando eu vim para cá, que foi, se não me engano em 91, aí eu tive que fazer a 2ª série de novo. (...) eu acho que o ensino de lá é bem fraco. (...), mas antigamente o ensino era fraco, não tinha nada a ver com o que eu vim aprender aqui na 2ª série, sendo que lá eu fazia a 3ª série.

(...) Bom eu faltava muito. Ah, garotinha só pensava em passear com as outras. A gen- te pulava o muro direto para ir para as várzeas. Porque em casa eu era a caçulinha, meus irmãos nunca deixaram eu sair, nunca deixaram eu fazer nada. (...) eu indo para a escola era a única oportunidade. Então a gente juntava um bolinho de cinco ou seis meninas. Lucia3

Por trás destas explicações aparentemente individuais para o não acesso e permanência na escola, há fatores sociais, que atuam como fortes obstáculos na entrada, continuidade e acesso aos estudos. Podemos notar que os motivos para não cursar ou ter permanecido por pouco tempo na escola são variados: condição de renda das famílias ou a individual, a falta de acesso a serviços sociais e a equipamentos públicos próximos aos locais de moradia (escolas, unida- des de saúde, espaços de cultura e lazer, entre outros), instabilidade no mundo do trabalho e intermitência na ocupação de postos de trabalho pelas famílias, entrada durante a infância no mundo do trabalho, falta de incentivo e valorização das famílias em relação à escolarização, entre outros.

Se estas pessoas e suas famílias tivessem condições de vida dignas, direito à saúde, condições adequadas de trabalho, oferta de vagas escolares no seu local de moradia, teríamos depoimen- tos como estes?

Para aqueles que, desde a infância, passaram pela escola e permaneceram por um longo pe- ríodo nesta instituição, pode ser difícil imaginar como as pessoas não escolarizadas aprendem, quais estratégias criam e usam, como acessam conhecimentos, quais saberes possuem, como fazem para se organizar com seus salários, para gerir a casa e educar os ilhos, para assinar um documento, para retirar dinheiro ou pagar contas num caixa eletrônico, para usar medica- mentos, sem consultar bulas ou receitas médicas, para aprender a tocar instrumentos musicais e compor canções, para não esquecer compromissos etc.

Geralmente, é difícil compreender que pessoas não ou pouco escolarizadas são também su- jeitos que aprendem, em interação com outros. Elas criam as mais diversas estratégias para lidar com os problemas que enfrentam em outros âmbitos sociais como a família, o trabalho, a religião, o lazer. E em todos esses âmbitos também aprendem.

3 VÓVIO, C. L. e CORTI, A. P. Jovens na Alfabetização: para além das palavras, decifrar mundos. Brasília: Ministério da Educação, Ação Educativa, 2007.

No documento Educação de Jovens e Adultos (páginas 42-45)

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