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Pethö Sándor: uma vida de experiência

IV. Métodos do Trabalho Corporal

4.1. Pethö Sándor: uma vida de experiência

Este ensaio biográfico foi escrito com base nas informações contidas na Home Page Calatonia e Toques Sutis , assim como nas entrevistas realizadas com os familiares de Sándor.

Parece-nos importante aqui, realizar este trabalho para que o leitor, que não conheceu Sándor, possa tomar conhecimento de quem foi e de como viveu este homem.

“Todo psicoterapeuta não só tem o seu método: ele próprio é esse método” (Jung, 1981, p.84). Assim, c ontar aqui brevemente a trajetória de vida de Sándor, foi a maneira que encontramos para demonstrar e justificar as palavras de Jung. Além de também apresentar o homem Sándor, que levava dentro de si uma história, uma experiência de vida que muito tem a ver com a construção do método de trabalho corporal.

Para justificar esta colocação, mencionamos as palavras de um dos depoentes, que fala sobre o homem Sándor, que construiu o método de trabalho corporal:

“... quando o Sándor tocava, ele trazia o médico que

andou na neve, que viu o pai dele morrer, que viu a mãe dele morrer, trazia a história nele. Você era tocada por um homem que tinha essa história e isso é bom a gente perceber. Nós somos nossa história. Esse é nosso currículo”.

Sándor nasceu em abril de 1916, na cidade de Gyertyamos, no sul da Hungria, região que hoje compõe a Iugoslávia. Era filho de Tibor Sándor, um juiz de Direito, e de Sarolta Kafka. Foi um dos três filhos do casal. Durante sua infância, viveu em Also Göd, lugar onde ocorriam movimentos intelectuais e eventos culturais. Por volta dos cinco anos de idade já lia, tendo aprendido sozinho. Nesta idade, era escoteiro e aos cinco anos participou do primeiro Jamboree41, do qual Baden Powell, o fundador do escotismo estava presente. Nesse encontro, a pedido de Powell, Sándor pode demonstrar como era habilidoso na arte de jogar laço. Quando adulto, na Hungria, dirigiu vários grupos de escoteiros, o que também fez quando chegou ao Brasil, por um ano.

Estudou canto lírico e se formou em medicina pela Faculdade de Medicina Paz Many Peter de Budapeste, em 1943, especializando-se em ginecologia e obstetrícia. Quando jovem Sándor praticava canoagem, remo, andava muito de bicicleta, tendo um bom preparo físico. Casou-se com Marieta Marton, com quem teve dois filhos.

Em 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, com o avanço das tropas russas, vê -se obrigado a mudar de seu país, para um lugar mais seguro. Durante a viagem, numa das paradas, desce para buscar água. O trem é equivocadamente bombardeado: assim, Sándor perde seus pais. Como era o único médico presente, atende a todos os feridos, para só depois velar os pais falecidos. Tinha vinte e nove anos de idade.

Nessa época, Sándor procura um amigo que fizera durante a fuga: Jozsef Stoker. Como conta um dos depoentes, esse amigo faz com ele um estudo astrológico e lhe avisa, que “ele precisaria se cuidar porque naquele ano, ainda o filho mais velho e a esposa estariam em perigo”.

Depois de seis meses, seu filho mais velho, na época com dois anos de idade, tem uma crise de apendicite grave e fica hospitalizado para a realização de cirurgia. Sua esposa, Marieta, ao visitar o filho, fica gripada e tem uma inflamação do nervo trigêmeo e por isso também fica

41 Encontro de escoteiros do mundo todo, do qual participam radio amadores, para que os escoteiros dos

hospitalizada. Aos vinte e seis anos, Marieta fale ce, com o agravamento de seus problemas de saúde. Assim, aos vinte e nove anos Sándor perde os pais, a esposa e a Pátria. Fica com os dois filhos, que nessa época tinham dois e três anos. Com todos esses acontecimentos Sándor resolve que, como conta um dos depoentes, “precisava mudar a vida”. Procura Jozsef Stoker que está no norte da Alemanha. Jozsef era juiz, advogado, tocava órgão, piano, regia orquestra e compunha música; era grafólogo, caracterólogo, isto é, fazia a leitura através da observação do corpo da pessoa, e entendia de astrologia. Sua esposa, Iren era professora e ceramista. Com Josef e Iren, Sándor aprendeu astrologia e começou a estudar os antigos ensinamentos. Como coloca um dos depoentes, “espiritualmente eles eram muito fortes (...) esse é o dom deles (...) nós somos sempre intuitivos, que percebemos as coisas de um outro jeito, e o dele era o científico (...) por isso é que mesclou tão bem.” E, apesar de ser objetivo e científico, em outro depoimento encontramos: “Ele era uma pessoa muito chão-chão e ao mesmo tempo tinha uma fé bem grande espiritual.”

Quando foi encaminhado para trabalhar num campo de refugiados na fronteira com a Suíça, deixou seus filhos com a família Stoker, no norte da Alemanha. Seu professor de canto estava na Suíça e lhe ofereceu a chance de ir para lá. Sándor poderia ter desenvolvido o canto, já que queria muito ser cantor de ópera, só que teria que deixar os filhos. Ele sabia que os Stoker assumiriam seus filhos, mas preferiu voltar para junto deles.

Depois, foi trabalhar em outro hospital, da Cruz Vermelha em campo de refugiados, na Alemanha, atendendo todo tipo de pacientes, desde feridos e traumatizados de guerra, até gestantes. Assim, em plena guerra, Sándor inicia seus estudos, observações e pesquisas que o levaram à elaboração da técnica da calatonia, aplicando-a em pacientes das áreas psicológica e neuropsiquiátrica.

No final da guerra, antes de chegar ao Brasil, Sándor e a família Stoker se mudaram para dezessete lugares diferentes, ainda na

Europa. Ficaram durante onze meses na Polônia, onde Sándor aprendeu um pouco da língua eslava.

Em 1949, emigram para o Brasil: Sándor acompanhado pelos filhos e os amigos que se transformaram em sua família. Durante a viagem, estudou a língua portuguesa, idioma que integrou aos outros que já dominava: alemão, inglês, grego, latim, e sua língua natal, o húngaro.

No Brasil não pode atuar como médico, pois necessitava da documentação para validar seu diploma. Esses documentos nunca chegaram. Como a psicologia ainda não estava oficializada no país, e por isso esses profissionais não necessitavam de documentação, Sándor pode montar seu consultório e começar, a atender a comunidade húngara, que o conhecia e nele confiava.

Sándor não cursou faculdade de psicologia, mas aprendeu muito durante os anos de guerra. Como diz um dos depoentes,

“... ele aprendeu psicologia como ninguém durante a

guerra, por causa da guerra e pelo que ele via na guerra. (...) ele contava: ‘... eu dizia pras pessoas que carregavam duas malas: ou você solta uma ou você vai morrer... e eu vi gente de monte morrer com duas malas na mão’. Então, isso cria na pessoa um modo de ver a vida. Quer dizer, hoje você vê a nossa geração dar muito valor para bens materiais. Era a última coisa que Sándor pensava, não porque ele fosse comunista, ateísta, o que fosse. Nada disso, porque ele descobriu na guerra que isso simplesmente não vale nada. (...) ele tinha uma marca de guerra...”.

Ainda continuando a falar sobre seu aprendizado durante a guerra temos:

“...ele descobriu uma coisa: que os sintomas antes de

ficarem físicos, eles estão no psicológico já gritando. Ele sempre dizia: ‘É incrível como os psicólogos gostam de ser mini-médicos’ ou ‘Como a psicologia é a segunda opção para a medicina e eu larguei

a medicina para ser psicólogo e as pessoas não entendem que você poderia estar atuando antes do problema virar problema físico’. (...) ele queria chegar antes no enfoque do problema do camarada e como psicoterapeuta talvez ele conseguiria mais sucesso ”.

Aqui vale lembrar que, na guerra Sándor, era conhecido entre os oficiais alemães, como “o médico que cura com as mãos”. Isso porque quando lhe traziam algum oficial doente ou machucado, Sándor o atendia em uma sala com as portas fechadas para que ninguém pudesse observar como aplicava as técnicas corporais. Como pagamento, recebia comida que repartia com os que dela necessitavam.

Chegando ao Brasil, em Junho de 1949, Sándor vai inicialmente trabalhar como laboratorista na empresa Nitroquímica, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Nesse emprego permanece por quatro anos. Depois, quando já tem mais conhecimento da língua portuguesa, monta seu primeiro consultório na Rua Augusta, em frente ao Conjunto Nacional, na região dos Jardins. Sándor, nessa época, tinha o consultório adaptado em um dos cômodos da casa, e assim também foi quando se mudaram para a Rua Paraguaçu, e depois para a rua Bocaina. Como conta um dos depoentes se referindo à atividade psicológica em lugar da atividade médica, “cada vez mais trabalhava o corpo e cada vez menos ferviam-se as seringas ”.

Em outro depoimento encontramos:

“Ele se interessava por corpo, então ele trabalhou com

massagem nos primeiros tempos de Brasil. Ele sabia fazer massagem muito bem. Ele fazia uma massagem que chamava de tecido profundo, que é mais parecida com a massagem sueca. Ele entendia de massagem....o trabalho com o corpo para ele era uma coisa natural... e apesar de que num primeiro momento a massagem vinha junto com o toque sutil, com o passar do tempo ele foi se interessando mais pelo sutil, foi deixando a massagem, e isso foi acontecendo naturalmente.”

Logo que chegaram ao Brasil, Jozsef falece, e em 1955, Sándor casa-se com Iren, que falece em 1966. Como conta um dos depoentes, “Quando Jozsef morre Sándor faz questão de se casar com Iren. Ela é muito mais velha que ele, mas ele quer casar com ela, quer assumir a família dela.”

Nessa época, é convidado a fazer parte do corpo docente do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia São Bento, localizada no Bairro Higienópolis em São Paulo. Mais tarde, esse curso é agregado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), através de um acerto econômico entre as duas escolas, onde Sándor assume a disciplina de Psicologia Profunda e introduz a disciplina Integração Físiopsíquica. Quando Madre Cristina Sampaio Dória funda o Instituto Sedes Sapientiae, Sándor é convidado para fazer parte do corpo docente do curso de Psicomotricidade, que mais tarde é extinto. Sándor cria, então, o curso de Psicologia Profunda de Jung. Neste curso há a disciplina chamada Cinesiologia, que dá origem a outro curso, com o mesmo nome, que Sándor dirigiu até seu falecimento. Este curso existe até hoje, assim como perduram os Encontros Anuais de Cinesiologia, que por ele foram idealizados.

Quando Sándor iniciou sua carreira acadêmica, já desenvolvia grupos de estudos em seu consultório. Nestes grupos, ensinava técnicas básicas de relaxamento, como o método de Schultz, o método de L. Michaux, a relaxação progressiva de Jacobson, Reich e a calatonia, além da psicologia junguiana, astrologia e temas esotéricos. Não aceitava pagamento pelos ensinamentos que recebera gratuitamente, ou seja, astrologia e esoterismo que estudara com a família Stoker. Entretanto, exigia de seus alunos pontualidade, assiduidade e dedicação em relação a esses grupos, assim como às aulas, pois para ele os grupos, de maneira geral eram de importância fundamental.

Sándor aperfeiçoou o método de trabalho corporal que elaborou, depois que chegou ao Brasil. Como a calatonia é uma técnica que exige mais tempo para ser aplicada, alguns profissionais e alunos lhe

pediram, como conta um dos depoentes:

“... o pessoal solicitou: ‘Sándor, será que tem alguma

coisa mais rápida que se possa fazer com os pacientes, que se possa fazer sentado, que não precise ser deitado numa cama, numa sala...’ Especialmente num hospital, que é um entra e sai, muitas vezes não dá para você fazer calatonia.... então será que não tinha algo mais rápido, mais focal? Então ele começou a pensar nessa coisa do focal, de fazer toques que soltassem determinados grupos musculares e que fossem mais focais e não tão sistêmicos como a calatonia .”

Sándor ficou entusiasmado quando recebeu esse pedido:

“...você via que ele estava com aquilo na cabeça o dia

todo, pensando, consultando material, repensando, experimentando... ele ia elaborando e falava disso, do que ele pensou... ele ficou muito entusiasmado.”

Assim, seu método de trabalho sutil foi se expandindo através de experiências com os toques, que ele fazia ou pedia para que uma dupla fizesse. Como conta um dos depoentes,

“Ele tinha que pesquisar no corpo das pessoas, tinha que

experimentar em outras pessoas, ele chegou a experimentar na gente. Lembro de uma vez que ele pediu para (...) fazer um toque que era aqui, no dente canino, e quando ele me perguntou o que eu observei, respondi que fiquei com vontade de morder o dedo dele. Ele tirou o dedo depressa!”

Em 1985, após um período de viuvez, casa-se novamente com uma psicóloga, sua colaboradora, Maria Luiza Simões.

Sándor gostava de descansar em seu sítio em Pocinhos do Rio Verde, cidade de Minas Gerais, onde entrava em contato com a natureza

e realizava trabalhos braçais, como “fazer caminhos e buracos na terra para colocar as árvores”.

Foi neste sítio que faleceu, tranqüilamente, durante as férias de Janeiro de 1992, com setenta e seis anos de idade.

Dignamente Sándor viveu e assim também, enquanto cochilava, deixou de viver.

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