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3 OS GÊNEROS TEXTUAIS QUE COMPOEM O CORPUS E

3.2 O CORPUS E SUA CARACTERIZAÇÃO

3.2.1 Petição inicial

O gênero Petição Inicial tem uma importante marca para o procedimento jurídico, uma vez que é dele que decorre o início da demanda litigiosa. Com efeito, devemos compreender que os indivíduos vivem em sociedade e organizam-se, celebram negócios e partilham de convivência e situações de acordo com suas vontades. Todavia, em alguns casos, os indivíduos não conseguem resolver seus problemas no convívio social e necessitam da proteção do estado para saldar seus conflitos. Assim, procuram advogados para que possam ser representados frente ao Estado e resolver seus litígios, buscando, assim, o que imaginam que lhes seja de direito.

No que se refere ao gênero Petição inicial, encontramos, no Dicionário de gêneros textuais de Sérgio Roberto Costa, encontramos a seguinte definição:

PETIÇÃO (v. ABAIXO-ASSINADO, INICIAL,

REQUERIMENTO): formulação escrita de pedido (v.), dirigida ao juiz competente ou que preside ao feito. Trata-se, portanto, de um documento (v.), em que a parte autora, fundada no direito da pessoa, alega seus direitos e exige providências jurisdicionais. Alto grau de formalidade linguística e interlocutiva é uma coerção genérica típica desse tipo de gênero, cuja estrutura composicional se assemelha à do requerimento (v.). (COSTA, 2012, p. 190)

A elucidação do linguista é clara no sentido de que se trata de um gênero escrito, dirigida ao juiz que preside e julgará o feito, e como foi já foi mencionado, a parte autora exporá seus direitos e exigirá providências jurídicas por meio do texto escrito por seu procurador/advogado.

Conforme explana Cabral (2015, p. 129), é o advogado que assume a voz do cliente, e, por essa razão, é importante que esse profissional exponha a condição de seu cliente de forma adequada, para que o juiz intervenha a favor de seu pedido.

O Código Civil brasileiro exige que o “autor” exponha, na “Petição inicial”, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido. Por isso, é de suma importância que o advogado da parte não apenas conheça o direito de seu cliente, mas também, e, sobretudo, saiba expor os fatos mostrando claramente o conflito e a razão de seu cliente [...] é por meio de narração dos fatos que o juiz toma ciência dos fatos, e os avalia, com base na lei; nesse sentido, mais do que a simples exposição dos acontecimentos, a narração dos fatos constitui estratégia argumentativa para convencer o juiz. (CABRAL, 2015, p. 130)

Assim, entendemos que é por meio do gênero Petição Inicial que se inicia o processo e que, segundo Tartuce (2015, p. 114), começará por iniciativa da parte interessada (autor). Esse gênero, além do nome Petição Inicial, poderá receber a alcunha de exordial, peça inaugural, proscenial ou “vestibular”.

Os requisitos básicos formais exigidos para construção textual desse gênero compreendem o endereçamento ao juiz de direito, a qualificação das partes com nome, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu, os fatos e os fundamentos jurídicos da causa de pedir, bem como os pedidos, o valor da causa e o requerimento de provas.

No que tange a nossa análise em questão, a narração dos fatos é a construção textual mais importante. Acerca dessa premissa, expõe Cabral:

Defendemos, por conseguinte, que o elemento chave para o texto narrativo, na área jurídica contenciosa, é a apreensão do estado de conflito, em torno do qual se desenrola a ação no eixo temporal. A noção de conflito está ligada a intencionalidade, pois o conflito se estabelece a partir da oposição entre intenções dos personagens, ou partes, no caso de uma disputa jurídica. (CABRAL, 2010, p. 131)

Ainda nesse diapasão, explica:

Normalmente, o cliente faz ao advogado um relato dos fatos de maneira desordenada e confusa. Cabe ao advogado selecionar elementos que se prestam à construção de seu texto. A atividade do advogado se inicia, assim, por um processo de escolhas, a fim de selecionar, dentre os fatos apresentados pelo cliente, aqueles que serão utilizados em sua narração [...] Nesse processo, ter em mente a organização sequencial da narrativa constitui um recurso estratégico: é importante expor uma situação inicial em que o individuo gozava

de paz, exercendo seu direito pacificamente; somente depois de exposta a situação inicial é que cabe expor o conflito. (CABRAL, 2015. p. 132)

Desse modo, entendemos a narração dos fatos como argumentação fundamental à decisão do juiz e também à defesa, pois é da narrativa da Petição Inicial que sairão os demais desdobramentos processuais.

Nesse sentido, trazemos a teoria retórica para consolidar esse entendimento, uma vez que, nesse gênero, o orador é o advogado (representando o direito de seu cliente, ora “autor”), e o auditório será o juiz (que representa o estado e tem poder para resolver o conflito). Não obstante a sistematização obrigatória da peça, encontramos, no campo da narrativa dos fatos, espaço para que o orador possa criar um ethos sobre as partes e também sobre si mesmo como advogado, para que possa persuadir o juiz.

Ainda sobre o assunto, temos o seguinte trecho na obra de Trubilhano e Henriques:

[...] harmoniza-se com o processo judicial, mormente com o processo de conhecimento, a Teoria da Argumentação, já que as alegações realizadas pelo autor são recepcionadas pelo juiz apenas como proposições verossímeis, razoáveis. A produção de provas e a força argumentativa dos elementos linguísticos é que terão o condão de atribuir, a essas alegações razoáveis, poder de convencimento suficiente para persuadir o julgador da conclusão sustentada.

Daí se conclui que quando uma ou mais premissas têm razoabilidade, verossimilhança, possibilidade de verdade, já está fornecida a base sobre a qual um discurso argumentativo-retórico bem elaborado pode efetivamente persuadir o julgador sobre a conclusão afirmada.

Tal discurso, entretanto, há de obedecer aos princípios de coerência da lógica formal, sem os quais a verdade não pode ser demonstrada sequer com premissas absolutamente verdadeiras. (TRUBILHANO; HENRIQUES, 2015, p. 331-332)

Portanto, é nítida a função essencial da retórica e da verossimilhança para o convencimento do julgador, tudo isso retratado de acordo com os preceitos formais necessários e inerentes a peça processual, indispensáveis para que seja apreciada pelo judiciário.

Por fim, é válido mencionar que o orador lança mão do tripé-retórico, pois, ao construir seu discurso, precisa dos elementos do logos no que tange à criação sistemática e correta, com a premissa de razoabilidade e racionalidade na construção textual dos fatos, bem

como é indispensável que crie um ethos confiável, concedendo uma possível veracidade e sinceridade ao seu discurso, indispensáveis para suscitar o pathos do juiz que será responsável por decidir sobre o conflito, em posição de auditório.