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As vias metabólicas são controladas em diferentes níveis em resposta a estímulos neurais, hormonais e ambientais. Esse controle decorre, em parte, de modificações nos padrões de transcrição gênica. A regulação da expressão gênica depende de uma série de mecanismos complexos, sendo a interação de fatores de transcrição com proteínas coativadoras e correpressoras, um dos mais relevantes. Uma dessas vias de regulação metabólica é a via do peroxisome proliferator-activated receptors gamma (PPARgama) coactivador-1 alfa (PGC-1alpha) (85).

O PGC-1alfa é ativado por sinais que controlam a homeostase energética e de nutrientes. Ele ativa e controla a expressão de genes que estimulam a biogênese de mitocôndrias, o programa termogênico do tecido adiposo marrom, mudanças de características das fibras musculares e das vias metabólicas hepática em resposta ao jejum (85). Este gene prepara a célula

39 para ajustar a demanda energética de acordo com o estímulo externo, promovendo aumento da biossíntese de mitocôndria, aumento da taxa respiratória celular, regulando a captação e a utilização do substrato energético. Este coativador está expresso em tecidos com alta capacidade oxidativa como o tecido adiposo marrom, o coração, o rim, o músculo esquelético e o cérebro.

O coativador PGC-1 alfa é uma proteína de 798 aminoácidos com massa molecular de 92 kDA. Seu gene está localizado no cromossomo 4. Existem três membros na família PGC-1, o PGC- 1alfa, o PGC-1beta e o PGC-1 coativador relacionado. Sua presença foi inicialmente caracterizada no tecido adiposo marrom e no músculo, em decorrência da sua capacidade de ser induzido pelo frio, de participar da termogênese adaptativa e de se ligar ao PPARgama (86).

O coativador PGC-1alfa se liga a regiões específicas dos fatores de transcrição e recruta várias proteínas que controlam o processo de transcrição via a modificação enzimática da cromatina, como a acetilação ou a metilação de histonas ou através da interação direta com o maquinário de transcrição gênica (87).

O PGC-1alfa exerce um efeito pleiotrópico no controle do metabolismo celular e interage com diversos fatores de transcrição. O primeiro receptor e fator de transcrição a ser identificado foi o PPARgama, em seguida Wu et al. (88) demonstraram que o PGC-1alfa coativa os fatores respiratórios nucleares 1 e 2 (NRF-1 e -2). A lista de receptores inclui vários outros como: o PPARbeta e o PPARalfa, o receptor do hormônio tireoidiano, o receptor X-retinóide, o receptor de estrógeno e de glicocorticoide, o fator nuclear hepático-4 (HNF-4), entre outros. A ativação de receptores não nucleares já foi identificados para os receptores: myocyte enhancer factor-2 (MEF- 2), forkhead box O1 (FOXO1), Sterol regulatory element binding protein 1 (SREBP1) entre outros. É através da sua ligação a esses fatores de transcrição que o PGC-1alfa exerce seu efeito de regulação do metabolismo energético (89).

40 O fato do PGC-1alfa em ser um importante regulador do metabolismo energético o associa a diversas funções fisiológicas e também a diversos processos patológicos. A desregulação do nível de PGC-1alfa por alterações tanto na sua atividade como pela presença de polimorfismos, que podem interferir na sua expressão ou função, pode estar relacionado com várias doenças em vários tecidos.

PGC-1alfa e o metabolismo da glicose e o diabetes tipo 2. A manutenção da homeostase da glicose é essencial para sobrevivência dos mamíferos e sua concentração plasmática é finamente ajustada em resposta aos nutrientes e aos estímulos hormonais. O aumento da demanda energética leva a um aumento da captação e metabolização da glicose. Na condição de jejum há um aumento da expressão do PGC-1alfa no fígado, que por sua vez aumenta a gluconeogênese e a oxidação de ácidos graxos. No estado pós-prandial há redução da expressão do PGC-1alfa no fígado (90).

Durante o jejum, a expressão do PGC-1alfa é ativada pelo glucagon e pelas catecolaminas via AMP-cíclico e a ativação do fator de transcrição CREB. Em seguida, o PGC-1alfa coativa vários fatores de transcrição, como o FOXO1, HNF-4 e o receptor de corticosteroide. Esses fatores de transcrição se ligam à região promotora dos genes envolvidos com as enzimas da gluconeogênese como a carboxiquinase fosfoenolpiruvato (PEPCK) e a glicose 6- fosfatase (G-6- Pase). O jejum também induz a expressão do PPAR-alfa, que quando ativado pelo PGC-1alfa, resulta na expressão de genes ligados a oxidação lipídica (91).

No estado pós-prandial a musculatura esquelética é o principal local de metabolização da glicose. O músculo capta a glicose através de transportadores de glicose denominados de GLUTs. O GLUT- 4 está presente na fibra muscular e é sensível à insulina. Sua expressão pode ser

41 aumentada pelo PGC-1alfa o que resulta em aumento na captação de glicose. O efeito do PGC- 1alfa sobre o GLUT-4 é mediado pelo fator de transcrição MEF-2 (92).

Existem evidências que demonstram uma relação entre a função do PGC-1alfa, a sensibilidade à insulina e o DM2. Foi observado que a expressão do PGC-1alfa está diminuída na musculatura de pacientes com DM2 (93,94). A presença do polimorfismo Gly482Ser no gene de PGC-1alfa, pode resultar na redução da atividade do PGC-1alfa, e pode estra relacionada com o aumento de risco de DM2 (95). As tiazolidinedionas (TZDs), uma importante classe de antidiabéticos orais, que agem aumentando a sensibilidade à insulina, também estimulam a atividade do PGC-1alfa e consequentemente a biogênese e a função mitocondrial (96). O PGC- 1alfa estimula o GLUT-4 na musculatura esquelética aumentando a captação de glicose (97).

O PGC-1alfa exerce um papel essencial na biogênese mitocondrial e no metabolismo de glicose e ácidos graxos. A disfunção mitocondrial desempenha um papel relevante na resistência à insulina e no DM2. Kelley et al. demonstraram que a atividade tanto das enzimas oxidativas da mitocrôndia quanto do complexo I estão reduzidos no DM2. Demonstraram

ainda que indivíduos obesos têm mitocôndrias de tamanho reduzido e capacidade bioenergética comprometida (98).

Entretanto, no fígado, o PGC-1alfa pode inibir a sinalização insulínica. O aumento da expressão do PGC-1alfa no fígado e no pâncreas em modelo animal pode estimular a produção hepática de glicose contribuindo para estado de hiperglicemia e reduzindo a secreção de insulina respectivamente (90). Em outro estudo, demonstrou-se que a expressão do PGC-1alfa está normal em indivíduos insulino-resistentes com alteração na função mitocondrial (99). A

42 desregulação do PGC-1alfa parece estar relacionada à fisiopatologia do DM2, mas não se pode estabelecer com certeza uma relação de casualidade.

PGC-1alfa e o sistema cardiovascular. O coração é um órgão que apresenta grande demanda por ATP. A maior parte da energia consumida por este órgão é produzida pela oxidação de ácidos graxos. O PGC-1alfa é o regulador da atividade oxidativa no coração. Em modelos animais há aumento do RNAm do PGC-1alfa no período neonatal para ativação da biogênese mitocondrial e mudança do padrão glicolítico para fosforilação oxidativa no músculo cardíaco (100). A hiperexpressão do PGC-1alfa no coração resulta em uma miocardiopatia dilatada. A ausência de PGC-1alfa leva a insuficiência cardíaca precoce e os animais apresentam baixa tolerância ao esforço e ao exercício (101).

O PGC-1alfa está expresso nas células do sistema vascular, principalmente nas células musculares lisas da parede vascular e nas células endoteliais, mas seu papel nestas células ainda não está completamente estabelecido. Kim et al. (102) demonstraram que o PGC-1alfa inibe o efeito do TNF-alfa sobre o nuclear factor kappa B (NF-κB), inibe a expressão da MCP-1 e da VCAM- 1 nas células endoteliais da aorta em humanos. Qu et al. (103) demonstraram que o PGC-1alfa está expresso na carótida onde participa da inibição da migração das células musculares lisas que contribuem para a hiperplasia da íntima-média após a parede arterial sofrer uma lesão com a colocação de um balão. A hiperexpressão do PGC-1alfa em vasos está relacionada com a inibição da migração das células musculares, enquanto a redução da expressão do mesmo estimula a migração das células musculares. Os autores sugerem que o efeito sobre a migração das células musculares ocorre por aumento na regulação das enzimas mitocondriais antioxidantes, como a superoxide dismutase 2(SOD-2).

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Polimorfismo Gly482Ser do gene do PGC-1alfa

Por suas funções no controle do metabolismo, o PGC-1alfa é considerado um gene potencialmente envolvido no desenvolvimento de diabetes tipo 2, obesidade e outros fenótipos metabólicos relacionados. Dentre os polimorfismos já identificados para o gene do PGC-1alfa, o Gly482Ser é o mais comum, podendo ser encontrado em até 40% das pessoas, dependendo da etnia (104). Em diferentes estudos, a presença do polimorfismo Gly482Ser foi relacionada com mudanças na prevalência de condições como diabetes tipo 2 (95,104–106), resistência à insulina (95), obesidade (107) e hipertensão arterial (108), disfunção ventricular (109), além de estar associada a modificações nos padrões de oxidação lipídica e secreção de insulina (95).

Em uma metanálise (110) que incluiu 8.536 participantes, demonstrou-se que a presença do alelo Ser482 conferiu maior risco de DM2 (OR=1,07,p=0,044). Entretanto, houve uma heterogeneidade entre os estudos no que se refere a aspectos demográficos, metabólicos e clínicos das populações estudadas. Estudos que avaliaram aspectos metabólicos de atletas de elite demonstraram que o grupo com maior VO2 máximo tem menor frequência do alelo Ser482 (111). No estudo STOP-NIDDM (Study to Prevent NIDDM) (112), demonstrou-se que o polimorfismo Gly482Ser está associado à maior progressão de indivíduos inicialmente classificados como intolerantes à glicose, para diabetes (OR=1,57,p=0,023). Avaliando o polimorfismo Gly482Ser em homens notou-se que o risco de obesidade foi mais evidente nos mais velhos e mais inativos, indicando que fatores ambientais, interagem com fatores como sexo e idade, para influenciar o comportamento do gene PGC-1alfa. O polimorfismo Gly482Ser está ainda associado com hipertensão arterial em populações europeias (108). A presença do alelo 482Ser foi relacionada com menor prevalência de hipertensão nos austríacos e dinamarqueses (OR=0,70,p= 0,001) (113), enquanto nos franceses relacionou-se com maior prevalência de

44 hipertensão (OR=2,52,p=0,0064). A correlação do alelo Ser482 com hipertensão só obteve significância no subgrupo de homens, embora o motivo desta associação com o gênero masculino não tenha sido esclarecida (114). A presença do alelo Ser482 também foi associada ao menor risco de disfunção diastólica (OR=0,13, p=0,004) em homens (109), mas não em mulheres.

Entretanto, a relevância da presença ou ausência do polimorfismo Gly482Ser nos desfechos metabólicos obtidos durante a perda de peso de grandes obesos é desconhecido.

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