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4.   O Centro de São Paulo: a Área da Luz e seus Edifícios Culturais 95

5.3 Área de estudo 118

5.3.1 Edifícios Culturais na Área de Estudo 135

5.3.1.1 Pinacoteca do Estado de São Paulo 141

Antes mesmo de se tornar o primeiro museu de arte da cidade de São Paulo, o edifício de tijolos contíguo ao Jardim da Luz abrigou o Liceu de Artes e Ofícios.

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Projetado por Francisco de Paula Ramos de Azevedo em estilo neo-renascentista italiano, o edifício foi construído entre 1887 e 1900, em terreno desmembrado do Parque da Luz, para "ministrar gratuitamente ao povo os conhecimentos necessários às artes e ofícios, ao comércio, à lavoura e às indústrias" (LEMOS, 1933, pág. 50).

Praticamente 90% dos professores eram artesãos italianos, que dominavam os estilos europeus da moda. Por isso, o Liceu fornecia profissionais para trabalhar nas construções que se erguiam em ritmo acelerado na cidade de São Paulo, além de produzir mobiliários de madeira e estofados luxuosos (LEMOS, 1933, pág. 53). A Pinacoteca do Estado foi inaugurada no mesmo edifício em 1905. Na verdade, o museu só começou a funcionar em 1911 com a 1ª- Exposição Brasileira de Belas-Artes, a partir das primeiras doações à Pinacoteca de obras dos artistas Pedro Alexandrino e Benedito Calixto, entre outros.

O prédio pertenceu ao Liceu até 1921. Depois disso, abrigou diversas instituições: Ginásio do Estado, Escola de Belas-Artes, Escola de Arte Dramática, hospital e até quartel-general. Após obras sucessivas de caráter muitas vezes emergencial, em 1993, o projeto foi finalmente confiado ao arquiteto Paulo Mendes da Rocha, juntamente com os arquitetos Eduardo Colonelli e Welliton Torres e impulsionados pela direção do artista plástico Emanoel Araújo.

O edifício foi dotado de toda a infra-estrutura necessária técnica e funcional. Desta fortma, foram construídos um elevador para transporte de material e de público, novos sanitários, foi adequada a rede elétrica e ampliada as áreas de depósitos e acervo, laboratórios de restauro e biblioteca. Também um projeto especializado de iluminação foi encomendado, assinado pelo italiano Piero Castiglioni – o mesmo do Museu d’Orsay, de Paris e do Palazzo Grassi, de Veneza.

A intervenção de Mendes da Rocha e equipe previu, simultaneamente, consolidar as estruturas em alvenaria portante, que estavam desgastadas pelo tempo e pela poluição e agregar valor ao velho edifício a partir da "reaparição do existente – da valorização dos elementos que o projeto conclama, emergidos a partir de uma confrontação com o presente e que nos fazem atentar à experiência arquitetural do

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passado" (MÜLLER, 2000). Foi, portanto, uma intervenção "eminentemente técnica" mas que "buscou desvendar o que estava lá", esclarece Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a ProjetoDesign (1988).

Sobre os pátios internos e sobre o octógono central da tipologia neoclássica do antigo Liceu, no lugar onde haveria uma cúpula24 os arquitetos dispuseram clarabóias planas em estrutura metálica reticular com vidros laminados enquadrados (Figura 81). Aproximadamente cem esquadrias que delimitavam o octógono e permitiam o fechamento do vão aberto, ao ser coberto, elas puderam ser retiradas, potencializando a transparência e perspectiva do local. Como relata o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, "É claro que com essas clarabóias a espacialidade se transformou de um modo absolutamente arquitetônico, como se fosse uma conseqüência imprevista. Foi prevista, então" (PROJETODESIGN, 1988)

Figura 81 - Grelhas metálicas e os vãos sem esquadrias FONTE: Acervo pessoal, 2009.

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Outra mudança significativa foi a mudança do eixo de circulação. A entrada que se fazia pela Av Tiradentes foi deslocada para a lateral do edifício (Figura 82). A circulação interna que se fazia pelo contorno de dois pátios, agora é realizada por meio de passarelas metálicas de ligação (Figura 83), que estabelecem uma "nova circulação transversal em quatro eixos" (GALLO e MAGALHÃES, 1999). Como ressalta Paulo Mendes da Rocha, "com esses artefatos autônomos, as coberturas e as pontes, a transformação ficou evidente, com sucesso, animando a complementação do projeto" (PROJETDESIGN, 1988)

Figura 82 - Entrada atual da Pinacoteca. FONTE: Nelson Kon, 1997.

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Figura 83 - Passarelas metálicas de ligação. FONTE: Acervo pessoal, 2009.

Com este novo acesso a fachada "perdeu em representatividade, mas certamente ganhou em funcionalidade" (MÜLLER, 2000). O trânsito na lateral do prédio é mais tranqüilo, o estacionamento é mais acessível, além da melhoria na funcionalidade administrativa, com a instalação de serviços necessários na recepção, como guarda-volumes e local de informações.

Na entrada antiga, além da criação de um pórtico contrastante, o deslocamento do acesso permitiu a retirada da escada original em mármore e a criação de um belvedere com acesso pelo nível interno do átrio, que constitui uma saliência metálica em forma de meio cilindro, debruçado sobre a Avenida Tiradentes (Figura 84). Este balcão aproveita o antigo hall de entrada como um espaço alternativo de exposições, onde as pessoas podem reunir-se ou tomar contato com a espacialidade da cidade. Paulo Mendes da Rocha justifica esta decisão dizendo que "achava aquela escada mal- ajambrada, muito dura, muito íngreme, e o espaço de recepção era quase nulo. A escada precipitava-se sobre a avenida, que foi se encolhendo. O acolhimento ficava prejudicado, porque a circulação não fluía" (PROJETODESIGN, 1988)

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Figura 84 - Entrada pela Avenida Tiradentes - Fachada remodelada FONTE: Nelson Kon, 1997.

Também foi criada, no espaço do octógono central, uma laje intermediária que delimita um auditório com cerca de 150 lugares destinado a cursos, conferências, cinema, desfiles e outros eventos, o que torna o museu, juntamente com os espaços do café/restaurante e das diversas oficinas, um lugar versátil e multifuncional. Além do auditório, neste pavimento inferior localizam-se serviços gerais da Pinacoteca como depósitos, oficinas e dependências para funcionários; no primeiro pavimento, o espaço prioritário é reservado às exposições temporárias e, no segundo, à exposição do acervo da Pinacoteca.

As esquadrias frontais do pavimento superior do edifício foram substituídas por chapas metálicas, criando um contraponto com o tijolo sem revestimento das paredes externas do edifício. Internamente, descascou-se as paredes, "criando uma espacialidade onde, como numa ruína, a estrutura da construção resulta numa inefável marca do tempo e onde o estado inacabado e o uso in nuce dos materiais sugere uma

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experiência contundente que serve como trunfo da atitude estética do arquiteto frente ao existente" (Müller, 2000).

Existem diferentes opiniões a respeito do resultado do projeto. Segundo GALLO e MAGALHÃES (1999), o partido arquitetônico do projeto, visivelmente embasado nos preceitos da arquitetura moderna, não se preocupou em estabelecer relações e diálogo entre os preceitos do projeto clássico contidos na proposta de Ramos de Azevedo e aqueles da proposta de intervenção e modernização.

Há inegável valor arquitetônico no resultado da solução implantada, mas valor por si, que independeu da solução anterior, que não se agregou ao edifício existente enquanto produto intelectual, mas a ele se sobrepôs e nele se incorporou apenas por meio de sua materialidade. Num gesto coerente com o preceito da "tábula rasa" corbusieriana, elementos arquitetônicos existentes e componentes do ideário classicista foram retirados, destruídos e substituídos por outros, dignos representantes da estética da era industrial: a transparência do vidro e a nudez do ferro (GALLO e MAGALHÃES, 1999).

Porém, existem opiniões positivas à restauração e intervenção. Segundo ZEIN (1998), o arquiteto conseguiu realizar uma "intervenção mínima com grau de inteligência máximo". Seguindo a mesma linha de pensamento, Müller (2000) é insistente em elogiar o trabalho de intervenção da Pinacoteca, enfocando que a intervenção não foi apenas uma simples refuncionalização, e sim, uma espécie de "still

life" por "resgatá-lo do limbo que o seu equivocado e anacrônico projeto classicizante

colocou-o, fazendo, depois de praticamente um século, sê-lo o que até então não podia ter sido plenamente: um exemplo singular de edifício consagrado às artes e à cultura". Segundo ele, o arquiteto:

"se afasta da prática restrita dos especialistas, porque não abre mão de fazer uma Arquitetura comprometida com o contexto e com as necessidades e aspirações da vida contemporânea, porque faz Arquitetura com sensibilidade e gênio, porque usa e abusa da técnica e dos materiais com propriedade e porque busca, em última instância, a

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finalidade básica da Arquitetura que é a construção do lugar, do algo mais que a materialidade".