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3. A artífice em movimento: o itinerário teórico-metodológico

3.2 Pincel plano: as camadas alargadas do percurso

Com relação ao itinerário metodológico, elegi alguns pincéis, os quais representam procedimentos que utilizei no desenvolvimento da pesquisa e

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simbolizam as maneiras como o cenário observado foi investigado, as nuances que foram realçadas no processo analítico. Semelhantemente à atividade da pintura, onde cada pincel possui uma funcionalidade específica, na dissertação alguns passos exprimem etapas mais extensas do que outras, porém, é o conjunto destas fases que possibilita a construção desta dissertação.

O pincel plano traz para a pintura as primeiras extensões amplas de um trabalho, semelhantemente, na etapa inicial de uma investigação é indispensável que o trajeto seja constituído através de uma sólida base teórico-metodológica. Assim, igualmente as alargadas camadas de tinta que são abertas pelo pincel plano sobre o papel, as quais se configuram em linhas norteadoras na constituição da figura a ser representada, apresento as questões mais gerais que envolvem o início da caminhada metodológica desta pesquisa.

Por sua vez Ghedin e Franco (2011) dizem que, após um trabalho sério de pesquisa o pesquisador já não é mais o mesmo. Essa afirmativa se embasa na compreensão de que, ao representar o objeto de estudo na forma de discurso o investigador se depara com o conflito de expressar o que está conhecendo da maneira mais significante possível, ao passo que o próprio pesquisador se mistura ao objeto. Neste sentido, observa-se que a imbricação com o objeto ocorreu muito antes de sua delimitação lógica, a escolha se deu desde o momento em que este foi vivenciado. E mesmo que até então velado, esta se encontrava pulsante, pois, era parte de minha trajetória como pesquisadora, mulher, professora e profissional.

Ao evocar a questão da relação com o objeto rememoro a inserção como professora da Educação Infantil, a qual já foi citada anteriormente. Naquele período, eu já entrava em contato com alguns dos pressupostos basilares do estudo, a saber: a formação inicial, o estágio e a docência Educação Infantil. Contudo, este contato ainda não me movia frente a uma pesquisa que incorporasse as hipóteses da formação inicial docente como etapa determinante no percurso formativo de graduandas dos cursos de Pedagogia. Tampouco, observava o estágio como possibilidade de percurso formativo, o que necessitava naquela etapa era adentrar ao lugar onde as práticas ocorriam e este era o estímulo principal.

Em contrapartida, a inspiração atual se ancora em refletir sobre os supracitados pressupostos, seja tanto pela vivência junto a estes, como pelo contato com estagiárias enquanto professora da Educação Infantil, e ainda por compreender a complexidade que tais problemáticas apresentam particularmente.

Frente ao exposto, me aproximo das ideias de Eduardo Galeano ao discorrer sobre a (não) descoberta da América,

Nós, que queremos trabalhar por uma literatura que ajude a revelar a voz dos que não tem voz, nos perguntamos: como podemos atuar dentro dessa realidade? Podemos fazer-nos ouvir no meio de uma cultura surda-muda? Nossas repúblicas são repúblicas do silêncio. A pequena liberdade do escritor não é, às vezes, a prova do seu fracasso? Até onde e até quem podemos chegar? (GALEANO, 1990, p. 08).

Convém lembrar que as respostas a estes questionamentos não representam o propósito da investigação. Entretanto, as colocações de Galeano (1990) são essenciais ao abordar a questão do silenciamento e o que este provoca, sobre os espaços que podem ser atingidos através da pesquisa.

Analogamente, busco trabalhar por uma investigação que dê voz a alguns dos sujeitos ainda tidos como invisíveis nos estudos voltados para área de educação. Ao identificar esses sujeitos como invisíveis tomo como base a escassez de estudos na área, aspecto observado no capítulo 2 desta dissertação: Apreciação de alguns movimentos investigativos: construindo o estado da arte, ante ao exame das produções na área de educação.

Também, elejo a expressão “invisibilidade” em face de algumas situações com as quais me deparei durante a construção desta dissertação, por exemplo, as inúmeras reações de surpresa dos colegas do curso de Mestrado, das professoras que atuam no CMEI onde se deu a pesquisa e dos ouvintes das apresentações que realizei durante os seminários e eventos no decorrer da pós-graduação.

Às vezes, o que observei foi o aparente descrédito ao relatar que as interlocutoras da pesquisa são as estagiárias que atuam na Educação Infantil e somente as que se encontram inseridas na modalidade do estágio não obrigatório. Relatos como “nunca ouvi falar sobre pesquisa com esse grupo ou, mas elas estão fazendo estágio curricular, também?” Foram (e são) comumente expressados, como se fossem ferramentas necessárias para que se configurasse a validação desta pesquisa.

É importante destacar que essa percepção foi um elemento presente inclusive durante o processo de observação no contexto da pesquisa: as próprias estagiárias, interlocutoras da pesquisa, me abordavam expondo sua curiosidade e ao mesmo

tempo sua surpresa em fazerem parte de um estudo que investigava os modos de contribuição do estágio na sua formação inicial.

Em diversos momentos questionamentos e colocações dos mais variados conteúdos foram expressas, a exemplo: “poderei falar sobre tudo o que acontece? Será um estudo apenas sobre o que fazem as estagiárias? Alguém finalmente vai falar sobre nós!” Esse conjunto de declarações, sobretudo, as feitas pelas estagiárias assinalam um sentimento de pertença à invisibilidade e concatenam com as ideias de Tomaz Silva (2014) acerca da identidade, a saber, que,

Para compreender o que faz da identidade um conceito tão central, precisamos examinar as preocupações contemporâneas com questões de identidade em diferentes níveis. Na arena global, por exemplo, existem preocupações com as identidades nacionais e com as identidades étnicas; em um contexto mais “local”, existem preocupações com a identidade pessoal como, por exemplo, com as relações pessoais e com a política sexual. (SILVA, T., 2014, p. 17). Partindo dessa afirmativa, coloco a questão da invisibilidade no cerne das preocupações com a identidade pessoal, especialmente no que se refere ao campo das relações pessoais. Embora o enfoque da investigação, não se localize em uma discussão específica sobre a identidade como a temática principal desta dissertação observa-se, que a invisibilidade se caracteriza como um ponto recorrente na construção da minha pesquisa, por isso, julgo pertinente demarcar esse assunto, mesmo que de forma abreviada.

Desse modo, o tema invisibilidade transpassa as relações sociais estabelecidas entre as estagiárias que atuam na modalidade do estágio não obrigatório e os demais pares que estas têm contato. As relações sociais estabelecidas entre o grupo, particularmente, entre as professoras e coordenação com as estagiárias perpassavam, por vezes, pela invisibilidade destas últimas; diversas situações demarcaram esta minha compreensão. Assim, pontuo que algumas cenas registradas no Diário de campo, a exemplo da que está exposta no Quadro 02, apresentam ocasiões que exprimem o quanto os questionamentos que mencionei anteriormente sobre o objeto desta pesquisa se fazem relevantes.

Feitas essas considerações, coloca-se que a necessidade metodológica inicial da investigação constituiu-se na definição do itinerário a ser percorrido para construção do estudo. A pesquisa desenvolveu-se mediante um estudo de

inspiração etnográfica, pois converge em apreender, “na sua cotidianidade, um objeto frente aos processos do dia-a-dia em suas diversas modalidades, caracterizando-se em um mergulho no microssocial, olhado com uma lente de aumento” (SEVERINO, 2007, p. 119).

Além disso, Bogdan e Biklen (1994) salientam em seus estudos sobre a investigação qualitativa em educação, que nesta abordagem o que se demanda ao pesquisador é uma análise sobre o contexto tendo como fundamento “a ideia de que nada é trivial”. Ainda, acrescento que o trabalho se fundamenta nas balizas oriundas das ideias de Mills (1986) quando este fala que,

O primeiro passo na tradução da experiência, seja a dos escritos de outros homens ou da nossa própria vida, na esfera intelectual, é dar- lhe forma. Dar, simplesmente, nome a uma experiência nos convida a explicá-la: simples tomada de nota de um livro é quase sempre um estímulo à reflexão. Ao mesmo tempo, essa nota é uma grande ajuda para compreendermos o que lemos. (MILLS, 1986, p. 215).

Na configuração desta dissertação a forma foi dada como consequência do que de acordo com Edgar Morin (1999) no seu livro O Método 3 - O conhecimento do conhecimento, denomina de os themata (Holton) ou as obsessões cognitivas que se referem aos temas que permanentemente nos mobilizam e que a todo tempo se fazem presentes em nossas vidas. Assim não somos nós que escolhemos os temas de pesquisa, somos escolhidos por nossas obsessões fundamentais. (MORIN, 1999, p. 160).

Nessa direção, assentou a eleição pelo lócus através dos critérios descritos por Ghedin e Franco (2011) acerca da pesquisa qualitativa: o professor vir à cena; o cotidiano entrar em destaque; a realidade social passar a ser dotada de sentido; o surgimento de questões relativas à identidade, à emancipação, à autonomia; o processo impor-se ao produto; as técnicas de pesquisa a serem enriquecidas.

Ainda, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa possui cinco características gerais, as quais mesmo não se fazendo presentes em sua totalidade em todas as pesquisas consideradas qualitativas, são pontos basilares que em determinado grau se localizam inseridas dentro do modelo de estudo. Neste sentido, citam que,

Na investigação qualitativa a fonte direta dos dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; é um estudo descritivo, os dados são recolhidos em forma de palavras

e/ou imagens e não de números. Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos; bem como os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 47-50).

Também Creswell (2014) destaca que a investigação qualitativa é utilizada quando acompanha uma pesquisa quantitativa no sentido de auxiliar esta, a explicar as relações existentes entre as teorias, bem como quando as medidas quantitativas e as análises estatísticas não se enquadram no problema, como por exemplo, observar as interações entre os sujeitos, interações estas, que por vezes não podem ser captadas apenas no espaço das diferenças mensuráveis.

Ao apresentar as ideias destes autores, como referências que guiam a construção desta pesquisa, eu busco expor o porquê de determinadas escolhas em detrimento de outras. Dentro desse contexto dou continuidade em descrever quais instrumentos foram utilizados em face de atender as demandas que a pesquisa qualitativa requer e frente à inspiração que a etnografia me suscitou. Além disso, apresento algumas das ideias de Kaufmann (2013) e da sua metodologia da Entrevista Compreensiva, as quais orientaram determinados passos do percurso metodológico desta dissertação.