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3. Acordes modulantes

5.2. Pixinguinha e a Companhia Negra de Revistas

Em novembro de 1924, a Revista Musical voltaria a criticar as bandas de “música yankee”, desta vez prenunciando seu fim, em artigo intitulado “O declínio do jazz band”. Segundo a revista, um dos motivos que estariam provocando o crescente desinteresse pelos modernos conjuntos dançantes, além do esgotamento do público, sempre ávido por novidades, seria sua total inadequação à realidade brasileira:

Voltando ao jazz-band, este tem ainda um outro aspecto que desagrada, além do fanhosismo que é característico: é a preocupação em salientar, de

exhibir o negro que, para a Europa, era ao tempo da guerra, com as

chegadas de tropas coloniaes, uma curiosidade, mas para nós uma cousa trivialissima...43

De fato, a década de 1920, na Europa como nos Estados Unidos, foi marcada pela forte presença do negro no mundo das artes e do show business, com seu aproveitamento na produção artística e literária de vanguarda, bem como sua

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Idem, Ibidem.

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participação nas revistas do Folies Bergère e nas casas de jazz de Paris e Nova York. Alguns marcos pontuam esse processo. Em 1921, estréia em Nova York o primeiro musical all-black da Broadway, Shuffle along, cuja enorme popularidade ecoou na Europa. Naquele mesmo ano, Blaise Cendrars publicava na França sua Anthologie nègre, uma coleção de lendas cosmogônicas, fetichismos, fábulas, poesias e modernos contos africanos compilados pelo escritor a partir de relatos colhidos por missionários e exploradores europeus. As narrativas ali reunidas inspirariam a montagem, dois anos mais tarde, do “balé negro” La création du monde 44. O espetáculo propunha um retorno às origens “primitivas” da arte e da humanidade, identificadas com o continente africano. Além de Cendrars, outros nomes da vanguarda francesa tomaram parte do espetáculo: o pintor cubista Fernand Léger, autor dos cenários e figurinos inspirados na estatuária africana, e o compositor Darius Milhaud, responsável pela trilha sonora, em que fundia sonoridades do jazz à nova estética francesa preconizada pelo Grupo dos Seis45. Finalmente, entre a vanguarda e o entretenimento, a dançarina e performer norte- americana Josephine Baker se tornaria a grande musa negra da Europa ao estrelar, em 1925, La revue nègre, no Théatre des Champs Élisées46. A partir de então, as “coisas da África” passariam a fascinar não só os intelectuais e artistas franceses, mas também o resto da população47.

No Brasil, a recepção e a incorporação da “negrofilia” européia (pejorativamente referida como “negrismo”48) foram múltiplas, ambíguas e, por vezes, conflituosas. Uma parcela significativa da grande imprensa da época encarava com certo escárnio a crescente visibilidade do negro no mundo do espetáculo, como se pode notar no artigo da Revista Musical, supracitado. Se na Europa, onde causava “extranha sensação”49, a presença do negro nos palcos se justificava como um novo (e exótico) chamariz do teatro ligeiro, restituindo-lhe o público perdido, no Brasil (onde era “cousa trivialíssima”), o artista “de cor” não exercia o mesmo fascínio – alegavam os críticos e articulistas. A essa visão – que ocultava um forte preconceito racial, dissimulado sob a forma de “condescendência” – se contrapunham algumas poucas vozes isoladas, que

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ARCHER-STRAW, Petrine. Negrophilia. Avant-garde Paris and black culture in the 1920s. Londres: Thames & Hudson, 2000, pp. 110-1.

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Grupo de compositores formado por Darius Milhaud, Louis Durey, Georges Auric, Arthur Honegger, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre. Sua música se caracterizava pela incorporação do jazz e da música francesa de music hall, bem como pela atmosfera de simplicidade e humor.

46

Idem, p. 116.

47

WISER, op. cit., pp. 157-8.

48

O termo, usado sistematicamente por NOCE (op. cit.), aparecia também na imprensa brasileira.

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viam na “moda negra”, dentro e fora do Brasil, um passo adiante em direção à construção da nacionalidade, identificada com elementos mestiços. Era o caso, por exemplo, de Gilberto Freyre. Embora associasse o “movimento de valorização do negro”, observável no Rio de Janeiro, à influência de Blaise Cendrars (“que vem agora passar no Rio todos os carnavais”), o antropólogo pernambucano reconhecia sua importância para o fortalecimento de nossa identidade, levando o brasileiro a “reconhecer-se penetrado da influência negra”50. O mesmo tipo de discurso era perceptível em Benjamin Costallat51 e em outros jornalistas e intelectuais defensores da identidade mestiça, incluindo os que militavam na florescente imprensa negra52. Isso sem falar, no outro extremo discursivo, dos setores mais conservadores, que enxergavam na visibilidade cultural do negro um sinal da “dissolução dos costumes” e de “retorno à barbárie”.

Independentemente das leituras e reações que suscitava, o fato é que o negro conquistara um novo espaço nos palcos brasileiros, especialmente no Rio de Janeiro – e, certamente, por influência européia. Prova disso foi a contratação de um “corpo de coristas de cor” (as chamadas “dark-girls”)53 pela Companhia de Revistas do teatro São José (uma das mais populares da época), poucos meses após o “estouro” de Josephine Baker em Paris. Também data dessa época a ascensão da “estrela negra” Ascendina dos Santos, grande sucesso dos palcos cariocas em 1926. Sem falar na proliferação das jazz bands, que continuavam em pleno sucesso – contrariando, assim, o prognóstico da Revista Musical.

É nesse contexto que surge, no Rio de Janeiro, a Companhia Negra de Revistas, primeira troupe teatral brasileira que contava exclusivamente com músicos e atores “de cor”. Idealizada pelo cenógrafo português Jaime Silva e pelo compositor e cançonetista João Cândido Ferreira, mais conhecido como De Chocolat, a Companhia reunia artistas bem conhecidos entre o público carioca, tais como o compositor e pistonista Sebastião Cirino (membro da “Bi-Orquestra dos Batutas”), o próprio De Chocolat, que também

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“Acerca da valorização do preto” Diário de Pernambuco, 19/9/1926, p. 8.

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Além de árduo defensor dos “Batutas”, Costallat também foi porta-voz da “fábula das três raças” e da idéia de democracia racial no Brasil, enxergando na visibilidade cultural do negro um de seus maiores triunfos. Ver: “Crônica” Jornal do Brasil, 11/4/1926.

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A partir de 1915, com o aparecimento do Menelik (primeiro jornal brasileiro “dedicado aos homens de cor”) surgem no Brasil diversos periódicos identificados com a “causa negra”. Essa imprensa ganha força, sobretudo, em São Paulo, onde a presença de imigrantes e a penetração das teorias políticas racialistas incitam à organização negra (GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Intelectuais negros e modernidade no Brasil” Working paper number CBS-52-04. Oxford: Centre for Brazilian Studies, 2004, p. 13).

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atuava como ator, e o já renomado Pixinguinha, responsável pelos arranjos e pela regência da orquestra, que reunia “20 professores pretos do Centro Musical”.

Figurando em praticamente todos os cartazes e anúncios da Companhia, Pixinguinha ocupou papel central em seus espetáculos, destacando-se antes como flautista do que como maestro. Não existe, entretanto, qualquer registro (memórias, gravações, imagens) acerca de sua atuação nesses espetáculos, salvo algumas notas, quase sempre elogiosas, publicadas na imprensa da época. Até mesmo seus biógrafos, que escreveram longos capítulos sobre a participação do flautista na orquestra típica dos “Oito Batutas”, dedicaram alguns poucos parágrafos à Companhia Negra de Revistas54. Um outro tipo de abordagem, contudo, pareceu-nos profícua: a comparação entre a recepção da jazz band “Os Batutas” e a da Companhia Negra de Revistas no Brasil dos anos 1920. Com efeito, as duas troupes, cada qual com sua especificidade, procuraram atuar no registro do moderno, a partir da exploração de elementos culturais associados ao negro. E, em ambos os casos, malgrado sua enorme popularidade, parecem não ter alcançado êxito em sua empreitada. Para tentar compreender a atuação da Companhia nesse universo, bem como seu aparente “fracasso”, examinaremos mais de perto sua trajetória.

*

A estréia da Companhia Negra de Revistas se deu no teatro Rialto, em 31 de julho de 1926, com o espetáculo Tudo preto. O título da peça, escrita por De Chocolat, reforçava ainda mais a intenção da Companhia de reunir unicamente artistas “de cor”. A única exceção era o ator Soledade Moreira, que representava o tipo do português, indispensável nas revistas da época55. A segunda montagem da troupe, Preto e branco, afastava-se um pouco da proposta inicial, como o próprio nome indicava. A nova revista, que estreara no Rialto em 3 de setembro, contava com, pelo menos, mais dois artistas brancos: Waldomiro de Souza, responsável pelo texto, e o jovem compositor paulista Lírio Panicalli, autor das músicas. Apesar do sucesso, Preto e branco teve vida curta, permanecendo em cartaz até o dia 12 daquele mês, quando a Companhia se dissolveu56. A abrupta interrupção de suas atividades parece ter sido causada por um

54

Não pretendemos, nesse breve capítulo, preencher tais lacunas, mesmo porque um estudo mais detalhado sobre a participação de Pixinguinha no teatro musicado exigiria, no mínimo, um contato com as partituras, o que não nos foi possível lograr, dados os limites de nossa pesquisa.

55

O Globo, 3/8/1926.

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Cf. CABRAL, op. cit, p. 111. O biógrafo de Pixinguinha cita um artigo de jornal (sem indicar a referência completa), segundo os quais a Companhia Negra teria “dado o prego”. Mário Nunes, contudo,

desentendimento entre o elenco da peça e o cenógrafo e empresário do conjunto, Jaime Silva. O resultado foi a debandada de boa parte dos artistas, que, liderados por De Chocolat, deixaram a Companhia.

Com uma nova formação, e sem a presença de Pixinguinha, a Negra de Revistas partiu para São Paulo, ainda sob direção de Jaime Silva. Lá fez sua estréia no “elegante” teatro Apolo, em 20 de outubro, com a peça Tudo negro, que alcançou “franco sucesso” em meio ao público “mais chic” da cidade57. Entre as principais atrações da revista figurava o “pequeno Otello” (mais tarde conhecido como Grande), um “pretinho de seis anos”58 que havia sido incorporado pela Companhia em São Paulo. Ainda no Apolo, a Negra de Revistas encenaria Carvão nacional, a partir de 28 de outubro, e A revista das revistas, em 1º de novembro. Dois dias mais tarde, a troupe se mudaria para o teatro Mafalda, exibindo-se a preços populares, para retomar em seguida a revista Preto e branco, no cassino Antártica, onde encerraria sua temporada paulistana no dia 10 de novembro. Depois de uma longa excursão pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, que se estendeu até março de 1927, a Companhia Negra voltaria a figurar por mais uma semana nos palcos cariocas, desta vez no teatro República, antes de sucumbir completamente59.

Os remanescentes da troupe original, liderados por De Chocolat, não demoraram em organizar uma nova companhia, a Ba-ta-clan Preta, tendo como destino – não por acaso – a cidade de São Paulo60. Lá estréiam no teatro Santa Helena, em 11 de novembro, a peça Na penumbra, assinada por De Chocolat e Lamartine Babo. Uma semana mais tarde, retomariam Tudo preto, em texto original, “apresentado pela primeira vez em São Paulo”61. As principais atrações da nova companhia eram Deo Costa, a “Vênus de Jambo” brasileira; o maestro Bonfiglio de Oliveira, que conduzia a orquestra formada por “16 figuras com os instrumentos indispensáveis ao característico

afirma que a peça permaneceu em cartaz até 19 de setembro (NUNES, Mário. Quarenta anos de teatro, Rio de Janeiro: SNT, 1956, vol. 3, p. 51).

57

Correio Paulistano, 22/10/1926;.Folha da Manhã, 28/10/1926.

58

Na verdade, Grande Otello contava doze anos de idade na época. Sua pequena estatura, no entanto, foi explorada pelos produtores, que assim ressaltavam sua “precocidade artística”.

59

NUNES, op. cit., vol. 3, p. 92.

60

No dia da estréia da Companhia Negra em São Paulo, os jornais paulistanos já anunciam a chegada, “em breve”, da Ba-Ta-Clan Preta, “sob a direcção artistica da primeira autoridade no genero, De Chocolat”. (O Estado de São Paulo, 20/10/1926). Nota-se, já, uma clara rivalidade entre as duas companhias.

61

Folha da Manhã, 17/11/26. Diferencia-se, portanto, da revista Tudo negro, apresentada no Apolo pela Companhia Negra.

musical da Companhia”; além de 28 girls: 16 “morenas” e 12 “retintamente pretas”62. Também se destacava na Companhia o “Jazz Band de Pretos” formado por piano, bateria, piston, trombone e saxofone, além do flautista Pixinguinha, seu maior destaque. O grupo encerrou suas atividades na capital paulista em 22 de novembro, excursionando em seguida pelo interior do estado63. Nesse meio tempo, Pixinguinha casou-se com Jandira Aymoré, uma das estrelas da Companhia, que logo abandonaria a carreira de atriz. O casal, que permaneceu unido pelo resto da vida, não chegou a integrar a Ba-Ta- Clan Preta em sua excursão por outras cidades. O fato é que a companhia jamais retornaria à capital, encerrando sua breve existência após a turnê pelo interior.

A julgar pelas notícias veiculadas nos jornais da época, o surgimento da Companhia Negra de Revistas foi muito bem recebido pelo público carioca. Por ocasião da estréia de Tudo preto no Rio de Janeiro, a imprensa local noticiou, sem surpresa, que duas “enchentes” tomaram o Rialto, teatro localizado na avenida Rio Branco (reduto das elites) e pouco habituado à casa cheia64. O longo tempo em que a revista permaneceu em cartaz, de fins de julho a início de setembro65, reforça ainda mais sua boa aceitação entre as platéias cariocas, que perdurou por toda temporada. O mesmo êxito se repetiria em São Paulo, tanto para a Ba-Ta-Clan Preta como para a Negra de Revistas.

Tamanho sucesso, contudo, não foi suficiente para silenciar os discursos racistas que, desde a época dos Batutas, abundavam na imprensa carioca. Ao contrário, algumas das notas que comentavam a enorme procura de ingressos para os espetáculos da Companhia Negra não deixavam escapar certa ponta de ironia. Assim, depois de noticiar que a sala do Rialto estivera “absolutamente cheia” durante o espetáculo de estréia, o crítico teatral do Jornal do Commercio complementa: “fazendo parte da assistencia, segundo nos informaram, parentes de todos os artistas”66. Vale lembrar que, na época, era praxe entre os colunistas teatrais nomear as “figuras ilustres” presentes na platéia, donde o comentário sobre a presença de “parentes” (certamente, tão negros quanto os que figuravam no palco) soa antes como pilhéria67. Outros jornalistas eram

62

Folha da Manhã, 10/11/1926.

63

No dia 21 de novembro, a imprensa anuncia que, em Mogi das Cruzes, “foram affixados cartazes de propaganda anunciando a estréa da revista Na penumbra” (Folha da Manhã, 21/11/1926).

64

O Globo, 3/8/1926. Vale lembrar que, na época, os espetáculos eram realizados por sessões, em geral duas ou três por dia (daí as duas enchentes que tomaram o Rialto).

65

Vale lembrar que as revistas, dada sua natureza, eram produções efêmeras. Algumas delas não ultrapassavam mais de uma semana em cartaz.

66

Jornal do Commercio, 1/8/1926.

67

Ao longo da temporada, contudo, os jornais noticiariam a presença de grandes “personalidades” entre os espectadores da revista, tais como Carlos de Campos, governador de São Paulo, e Prudente de Moraes Neto, que elogiaria a Companhia na Revista do Brasil (CABRAL, op. cit., pp. 108-9)

menos ambíguos, como aquele de O Malho, que sugerira aos espectadores equiparem-se com “máscaras contra gazes asfixiantes”, caso desejassem visitar a caixa do Rialto68. Esse mesmo tom de chacota, muitas vezes carregado de conotações racistas, pôde ser observado em outros semanários da época69.

A maior parte das críticas, contudo, centrava-se em julgamentos “técnicos”, referindo-se ora ao luxo da montagem70, ora à afinação das vozes ou à atuação de atores e músicos, em geral elogiados – e, às vezes, não sem espanto, como se a justeza e o apuro do espetáculo não condissessem com a cor dos artistas. É o caso de Mário Nunes, que assim descreve a surpresa da platéia (que parece ter sido, também, a sua):

Certo o numeroso público que afluiu ao teatro cuidava de divertir-se com o ridículo e o grotesco de tão estranho elenco, mas depressa se convenceu de que ia assistir a um espetáculo interessante, pela maneira correta por que ia ele se desenrolando, com alguns ditos de espírito da comperage, números de canto e dança bem executados e marcados, e até mesmo revelação de pendores artísticos que deixavam a melhor das impressões.71

Outro elemento ressaltado pela imprensa da época era a modernidade da Companhia Negra – que, em diversos aspectos, aproximava-se das congêneres estrangeiras. Ainda por ocasião das primeiras apresentações de Tudo preto, o jornal O Globo ressaltou a “excentricidade” da revista, que teria proporcionado à platéia carioca “uma noite de curiosidades interessantes”. A comparação com o teatro moderno francês e norte-americano tornava-se, assim, inevitável: “As grandes capitais apreciam muito as excentricidades no palco. O Rio de Janeiro, que é uma grande capital, não há de fugir à regra.”72 A mesma percepção se repetiria em São Paulo. Por ocasião da estréia de Tudo negro, a imprensa paulista destacou a natureza “bizarra” e o caráter “original e divertido” da peça73, encenada por um “excêntrico e interessante elenco”74.

Com efeito, nenhuma das duas companhias negras procurou ocultar o modelo francês em que haviam se inspirado. Seus anúncios ressaltavam a originalidade de suas

68

O Malho, 21/8/1926, p. 18.

69

Cf. GOMES, Tiago de Melo. “Como eles se divertem” (e se entendem): teatro de revista, cultura de

massas e identidades sociais no Rio de Janeiro dos anos 1920. (Tese de doutoramento). Campinas,

IFCH-Unicamp, 2003, p. 296. O autor chama atenção para o fato de as críticas racistas concentrarem-se nas revistas – as quais, diferentemente da imprensa diária, dirigiam-se a um público mais elitizado, e mais propenso, talvez, a esse tipo de discurso.

70

Quase todas as notícias da imprensa fazem referência aos “lindos scenarios” e “guarda-roupas luxuosos” de Jaime Silva.

71

Jornal do Brasil, 1/8/1926.

72

O Globo, 3/8/1926. Um mês após a estréia da Companhia, a revista Careta fez o mesmo tipo de comparação: “Não foi sem um sério motivo que no Rio de Janeiro se fundou uma ‘companhia negra’. O exemplo, como sempre se sucede, nos veio de Paris.” (28/8/1926, apud GOMES, op. cit., p. 285).

73

Folha da Manhã, 21/10/1926.

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revistas, dando destaque à presença de jazz bands e black girls e ao ineditismo, no Brasil, daquele tipo de espetáculo. Tiago de Melo Gomes chamou a atenção para o fato de a Companhia Negra iniciar suas atividades exatamente na mesma época em que a francesa Ba-Ta-Clan figurava, pela terceira vez, nos palcos cariocas75. O próprio nome da troupe dissidente, Ba-Ta-Clan Preta, era uma clara alusão à homônima parisiense, já bem conhecida do público brasileiro. A estrela da companhia, por sua vez, utilizava o cognome “Vênus de Jambo”, tomado por empréstimo de Josephine Baker. As impressões causadas no Brasil pela representação de La revue nègre nos palcos parisienses, aliás, foram sintomaticamente relembradas pela imprensa à época da estréia de Tudo preto:

Imagine-se uma revista, representada por atores negros e vestidos de cores berrantes, com uma orquestra de manicômio no cenário, a tocar one-step, acompanhado de um vozerio infernal, entre decorações estilizadas que oferecem perspectivas de “arranha-céus” vistas por olhos de bêbado, ou cabanas tropicais à luz de uma lua absurda; acrescentem a isso muitas contorções de macaco, desnudezas de ébano maquiadas, caricaturalmente, um canto nostálgico de emigrante, todos os contrastes, todas as incoerências... e não se terá ainda feito uma idéia exata.

Mas a gente ri e aplaude; os artistas riem; todo o mundo ri... Século XX, Paris, ultracivilização. Porque não se trata de um aspecto selvagem, segundo poder-se-ia supor e segundo dão a entender os reclames hiperbólicos. A Revista Negra possui requintes sutis e sua selvageria passou pelo cadinho colonizador, falando inglês; os comediantes que tomam parte nela reduzem- se a uns indivíduos corretos, de pele escura, que ensaiam conscienciosamente seus números; seus atavios extravagantes estão de acordo com a mais moderna estética; o conjunto possui uma coesão, uma coesão adrede desarticulada, tal como a arte “futurista”, a “troupe”, o cenário, os instrumentos filarmônicos, enfim, vêm de Nova York, cidade do progresso mecânico e palpável76.

“Selvageria” civilizada, “coesão desarticulada”, tudo “de acordo com a mais moderna estética”: esse mesmo tipo de “contraste”, aparentemente incoerente (e, no entanto, “conscienciosamente” ensaiado), apareceria, em menor escala, em alguns dos quadros de Tudo preto. Como naquele estrelado por miss Monque, uma vedete barbadiana que “se exhibio numa curiosa dansa africana, trajada de Pelle Vermelha”77. Outro número bastante aplaudido, segundo a imprensa, foi o de Rosa Negra, estrela da Companhia, que se apresentava como a “Mistingett brasileira”78, numa clara alusão à vedete francesa, porém acrescida de brasilidade. E se é verdade que entre os números

75

GOMES, op. cit., p. 303.

76

A Notícia, 1/8/1926, apud GOMES, op. cit., p. 286.

77

Jornal do Commercio, 1/8/1926, p. 8.

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musicais da peça figuravam gêneros brasileiros – como o grande sucesso de Sebastião Cirino, o samba Cristo nasceu na Bahia –, não menos relevante era a presença das danças estrangeiras, aclamadas pelo público e destacadas pela imprensa. Já na Ba-Ta-