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A forma de intervenção na economia pensada por Myrdal consiste no planejamento democrático, que é um sistema organizado de interferências no jogo do mercado com vistas a realizar as reformas necessárias para iniciar uma trajetória de desenvolvimento. O planejamento se baseia na ideia de que, dado o mecanismo de causação circular cumulativa, é possível transformar o todo da economia por meio da modificação de poucas variáveis.

A justificativa para esta intervenção encontra-se na percepção de que a trajetória econômica dos países subdesenvolvidos sugere que os mesmos não gozaram de um processo natural e sustentável de desenvolvimento. Isso porque a configuração internacional e as singularidades desses países fizeram com que eles tendessem a continuar na trajetória de estagnação econômica. Assim, o autor recomenda que

Um plano nacional deve ser o esquema do processo acumulativo do desenvolvimento econômico de um país, a previsão do evoluir desse processo, quando deflagrado, mantido e controlado por certas mudanças exógenas, induzidas no sistema social mediante interferências estatais deliberadas. Esse esquema pressupõe, pois, um estado de causação circular entre todos os fatores relevantes do

24 É importante ressaltar que essa harmonia de interesses individuais é diferente do equilíbrio no sentido

walrasiano, já que não é natural nem é resultado da liberdade das forças de mercado, mas uma harmonia criada por interferências planejadas no mercado: “Esses poucos países realmente se revelam próximos da harmonia dos interesses individuais; não se trata, no entanto, da velha harmonia do direito natural, da teoria do utilitarismo e do equilíbrio econômico, promovido pelas forças naturais do mercado. trata-se, em ampla perspectiva, de uma ‘harmonia criada’, harmonia que é fruto de interferências políticas da sociedade organizada, pela manipulação das forças de mercado que, entregues a si mesmas, teriam levado à desarmonia. E o conceito de harmonia de interesses se restringe rigorosamente à nação. O ‘Estado de Bem Estar Social’ é nacionalista” (MYRDAL, 1956, p. 68).

sistema social do país, quer sejam econômicos ou não econômicos (MYRDAL, 1956 p. 110)

Entretanto, ainda que o processo de causação cumulativa seja capaz de manter e intensificar uma trajetória em resposta a uma pequena mudança, o autor ressaltou que as variáveis escolhidas para essa mudança importam. Diante disso, uma questão de extrema relevância a ser averiguada no âmbito desse planejamento é a escolha das variáveis. Essa escolha deve feita baseada na mensuração das relações entre elas, buscando compreender sua direção e a magnitude do impacto da mudança de uma nas outras, de forma a maximizar o resultado do planejamento.

Mediante os resultados de uma análise mais aproximada possível das relações entre as variáveis econômicas, o Estado deve decidir as diretrizes de inversão do planejamento democrático. Diante destas informações, deve decidir quais setores são estratégicos para o desenvolvimento, quanto será investido em cada um deles e de que forma. Desta forma, o autor propõe que o Estado pode escolher agir como investidor direto, como fomentador ou como inibidor, dependendo da conveniência. Em suas palavras (1971, p. 107):

The basic idea of economic planning is that the states shall take an active, indeed the decisive, role in the economy: by its own acts of enterprise and investment, and by its various controls – inducements and restrictions – over the private sector, the state shall initiate, spur, and steer economic development.

O importante para a ignição do processo de desenvolvimento é que a atuação do Estado intensifique as forças propulsoras e enfraqueça as forças regressoras, de modo a possibilitar um processo de causação circular cumulativa positivo. Myrdal ressalta que não é necessário que a atuação do governo seja lucrativa, nos parâmetros da iniciativa privada. Pelo contrário, uma das funções do governo no âmbito do planejamento democrático é investir de maneira independente da demanda efetiva, e tendo como objetivo os ganhos do coletivo social no longo prazo.

Além disso, para ser efetivo, o planejamento deve ser capaz de modificar as relações de poder instituídas que sejam responsáveis pela manutenção das desigualdades, fator chave para o entendimento das forças regressoras. Para tanto, uma nova mentalidade a respeito do significado do desenvolvimento social deve ser criada de forma a possibilitar a plena execução das reformas necessárias, sejam elas econômicas ou sociais. O resultado deve ser uma causação circular de mudanças institucionais, como sugeriu Myrdal (1971, p. 116) no trecho abaixo:

When that happened, it implied a number of things. Planning then, created new institutions and, more important, changed and moulded existing ones to serve its progress. An ever larger part of the articulate upper stratum of the nation acquired

vested interests in planning. With growing effectiveness, the planning ideology set the frame of reference in every controversy over public policy. The government and the officialdom around it became envolved and began to operate as part of a huge planning machinery. Preparing, arguing and implementing the plan became one of government main functions, and increasingly all government policies were presented from the perspective of the plan.

Assim, mais uma vez é possível reiterar as semelhanças entre a análise de Myrdal e a metodologia institucional evolucionária, mesmo reconhecendo que a ênfase na importância da mensuração e da maximização dos resultados do planejamento estatal consiste em umadivergência não negligenciável da mesma. A concepção de planejamento de Myrdal, apesar de não se aprofundar nas nuances das ações práticas a serem levadas a cabo pelo governo, é a descrição da forma como deveria se dar a evolução em causação circular cumulativa em resposta a mudanças institucionais necessárias, é a descrição normativa da ação do governo visando um processo evolutivo em desdobramento que deverá resultar em maior desenvolvimento em determinada região.

Entendido isso, a próxima seção mostrará como percepção e as conclusões de Myrdal se modificaram mediante seu estudo das tentativas de aplicação prática desse planejamento no sul da Ásia. Ou seja, a próxima seção evidenciará a capacidade evolucionária de Myrdal de expor sua teoria ao teste da prática e reconhecer os aspectos menos aderentes, buscando em seguida aperfeiçoá-los.