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O PLANEJAMENTO E A GESTÃO ORÇAMENTÁRIA

Os processos de planejamento governamental têm profunda e indissociável ligação com a gestão do orçamento. Pode-se dizer que a elaboração e execução orçamentária seria um subsistema do PEG, já que instrumentaliza, no plano da alocação de recursos financeiros públicos, os objetivos do planejamento.2 Já há uma longa tradição na elaboração dos planejamentos plurianuais, desde a Constituição Federal de 1988, na vinculação entre a programação orçamentária e o planejamento, particularmente após o PPA 2000/2003 com a possibilidade de alteração da chamada classificação funcional-programática, que sistematizava as categorias para enquadramento de projetos e programas, estabelecida pela Lei nº 4.320/1964. O nexo lógico formal entre planejamento e orçamento através da identidade dos programas vem sofrendo alte-rações a cada edição do PPA, ora aproximando os dois processos, ora os afastando.

Quando os objetivos de gasto orçamentário recaem sobre funções genéricas de governo, não fixando claramente objetivos e hierarquias, prioridades e foco em alvos concretos e mensuráveis, o orçamento ganha uma autonomia em relação ao plano e se presta, assim, a todo tipo de casuísmo, manipulação e aleatoriedade gerencial.

A burocratização do processo orçamentário impede o diálogo entre plano e orçamento, nas palavras de Matus (1993):

Na América Latina é comum ver os departamentos de orçamento atuando como se fossem agentes de finanças, sem qualquer responsabilidade pela eficácia real da gestão pública. Não trabalham com objetivos e metas precisas, não estabelecem normas de custos nem de qualidade dos serviços, não acompanham a atividade real que está por trás do orçamento por programas, nem tampouco se interessam pela eficácia direcional dos programas aparentes que financiam. A gerência por programas está ausente e encoberta por uma orçamentação por objetivo meramente formal, na qual o que interessa é fixar cotas de gastos que respeitem o limite das receitas [...] sobrepõe-se, simplesmente, ao nome de cada unidade administrativa, como uma etiqueta, o nome de um programa, subprograma ou atividade. O Congresso Nacional, por sua vez, discute e aprova o orçamento da nação como se fosse uma lista de recursos atribuídos a uma instituição, sem se preocupar com objetivos, custos ou qualidade. O orçamento não é analisado, ele é resgatado em função de negociações parciais e locais. O plano não é critério para exame do orçamento. (Matus, 1993, p. 509)

2 É interessante notar que essa desvinculação também acontece em outros padrões de democracias ocidentais. A diferença talvez seja a estratégia de solução. O governo norte-americano, por exemplo, que tem, de uma maneira geral, servido de inspiração para a redução da importância do Estado na América Latina e advogado as virtudes do liberalismo, implantou, em plenos anos 1990, uma série de medidas consolidadas pelo Government Performance and Results Act (GPRA), aprovado pelo Congresso em 1993 durante a administração Clinton. Em conjunto com o National Performance Review do Poder Executivo, uma série de medidas modernizando a gestão pública foram efetivadas. O núcleo desse processo foi a valorização do planejamento estratégico das agências governamentais num horizonte de cinco anos com aprovação pelo Congresso. O plano estratégico foi a peça-chave para definição de metas e resultados (outcomes) associados ao orçamento com todos os interessados (sociedade civil).

O orçamento público, como processo de alocação de recursos e escolha de prioridades, é essencialmente um cálculo político, sujeito a todo tipo de assimetrias informacionais, vieses de seleção e seleção adversa, o que diminui seu grau de realismo.3 Como é possível constatar, o orçamento público não é simplesmente um cálculo contábil empresarial em que, de um lado, entram os custos de produção (aluguéis, matérias-primas, força de trabalho, tecnologia, entre outros) e, do outro, um preço de mercado para clientes e consumidores. Em essência, o orçamento público é um grande acordo político e institucional que os diversos grupos, classes e segmentos sociais fazem sobre o quanto cada um será beneficiado pelo excedente social criado pelo pagamento de tributos.

A alocação orçamentária é a evidência mais direta, simples e precisa da correlação de forças entre os vários grupos sociais. Não há uma solução racionalmente ótima ou uma regra universalmente aceita sobre essa “partilha”.

Em um ambiente de imprevisibilidade fiscal crônica, o orçamento é reduzido a um instru-mento de ajuste financeiro, quando não de estimativas de cortes lineares permanentes.

Nesse ambiente político, as estruturas fazendárias tendem a adquirir uma dominância pernóstica sobre todo o processo de planejamento governamental, que também se torna refém do “curto prazismo”. Há um nítido e progressivo enrijecimento jurídico e normativo da gestão orçamentária com ênfase crescente para o controle fiscal do gasto público, argumento amparado na necessidade de transparência e responsabilização.

A dominância fiscal da função orçamentária sobre o planejamento governamental foi reforçada nos anos 1990 com a aproximação dos organismos multilaterais (em especial o FMI e o Banco Mundial), a necessidade de geração de superávits permanentes e a Lei Complementar de Responsabilidade Fiscal. A solução normativa para evitar que a gestão orçamentária se sobreponha e ocupe a própria função do orçamento seria operada em dupla dimensão, metodologicamente e institucionalmente.

A primeira diz respeito à combinação dos dois processos, não só do ponto de vista da manutenção formal da nomenclatura e identidades lógicas dos conceitos (programa, objetivos, metas e indicadores, produtos e resultados), mas sobretudo do processo organizacional e legal-burocrático, envolvendo as mesmas unidades administrativas, a burocracia especializada e os protocolos decisórios e de autoridade combinados.

A segunda dimensão combina-se com a primeira, no sentido de conferir autoridade política e institucional aos organismos de planejamento, evitando situações em que o conflito de interesses possa surgir, por exemplo, entre as unidades centrais do orça-mento e planejaorça-mento e aquelas responsáveis pela gestão da despesa pública. Tanto as questões orçamentárias como do planejamento sofrem influência direta do centro de governo, como será analisado na próxima seção.

3 Os problemas de transparência e falta de controle não são exclusivos da gestão orçamentária, mas da própria tradição do planejamento governamental: “[...] um atributo fundamental para a recuperação da credibilidade do planejamento em uma sociedade democrática é a transparência que o planejamento e, principalmente, a execução do plano precisam exibir. Isso significa que uma condição importante para a reconstrução do planejamento é a existência de mecanismos e instrumentos voltados para o acompanhamento da execução dos programas e dos projetos contidos no plano, a avaliação recorrente dos resultados que vão sendo obtidos durante o período do plano e, quando necessário, a indicação de ajustes e correções para mantê-los no rumo originalmente traçado. Esse acompanhamento deve ser objeto de relatórios detalhados e apresentados em sessões do Congresso Nacional a serem especialmente organizadas para apreciarem esses relatórios e emitirem apreciações a respeito.” (Rezende, 2011, p. 202).

3. A FORMAÇÃO DE UMA AGENDA ESTRATÉGICA