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4 O DESENVOLVIMENTO DE MATERIAIS TÁTEIS E O PROCESSO

4.1 Planejamento da oficina para professores

O contato entre os professores da rede municipal de São Vicente e o LEMADI é muito anterior ao ingresso da pesquisadora desse estudo na universidade, datando da metade da década de 1990, por meio da participação dos docentes em cursos oferecidos pelo laboratório. Dessa relação, já estabelecida, foi possível o contato com os professores, desde a graduação, onde foram travados diálogos sobre suas práticas e, constantemente, seus questionamentos sobre os materiais produzidos, que fazem parte do acervo do laboratório. As experiências em cartografia escolar tátil definiram o conteúdo constituinte da oficina. Foi pretendida, inicialmente, a discussão sobre a produção de materiais didáticos táteis como experiências ricas para o professor, além de práticas pedagógicas inclusivas frente ao atendimento às necessidades educacionais especiais. Para tal, pensava-se na discussão sobre o conhecimento e uso das variáveis visuais pelos professores, como apropriação e uso de uma linguagem utilizada na produção cartográfica.

A mediação da aprendizagem dessa linguagem a partir do processo de desenvolvimento de materiais didáticos táteis, com a reprodução de cada etapa da construção cartográfica, ainda não havia sido definida como objetivo central da pesquisa. A própria reflexão sobre mediação e linguagem não tinha quaisquer referenciais teóricos consolidados. Tratava-se mais de um entusiasmo em dividir com os professores as experiências em cartografia tátil, por seu valor didático, enquanto uma metodologia que prevê a associação de sentidos, etapas de construção e atendimento às necessidades educacionais especiais, como questionamentos que se faziam cada vez mais freqüentes no processo de pesquisa.

Dada a possibilidade de contato com professores das redes municipais do Estado de São Paulo, por meio de cursos oferecidos no LEMADI, dos municípios de São Vicente e

São José dos Campos e para uma sondagem inicial do que pensam os professores de geografia sobre práticas e possibilidades para o ensino de cartografia, aplicou-se um questionário, com o intuito de saber suas representações e entendimentos para:

- Importância do ensino de cartografia, como parte do conhecimento geográfico; - Procedimentos utilizados para aprendizagem de conceitos cartográficos; - Variáveis visuais e a semiologia gráfica;

- A construção de materiais didáticos cartográficos, como mapas e globos, enquanto atividade promissora no ensino de Geografia;

- Interesse em participar de uma oficina voltada à construção de materiais didáticos táteis para o ensino de noções cartográficas.

Embora não tenha representatividade para essa pesquisa, por não ter sido concebido com precisão quanto ao desenvolvimento de materiais, o questionário permitiu um valioso contato com os saberes e reflexões dos professores sobre os temas propostos, tais como o ensino de geografia e sua relação com a cartografia, o uso de várias representações e materiais como mapas, gráficos e globo para compreensão do espaço geográfico e as variáveis visuais como codificação de símbolos.

O entendimento e uso das variáveis visuais são fundamentais na produção e leitura de mapas, conforme exposto anteriormente. As variáveis visuais são parte integrante da simbologia presente nos mapas, referidas inclusive como gramática da linguagem gráfica. No entanto, os próprios professores apontaram para a insuficiência, e até ausência, de discussões sobre a simbologia das representações gráficas e sua relação com o ensino, durante a formação inicial, mas também a carência de tais abordagens nos cursos de formação contínua. O uso sistemático das variáveis visuais é de certa forma, restrito ao processo de confecção de mapas, em geral personalizado pelo redator gráfico, segundo a semiologia gráfica.

Na produção de mapas táteis, de acordo com a metodologia da cartografia tátil, que adapta imagens para a percepção do tato, o emprego das variáveis visuais é absolutamente necessário, juntamente com as reflexões para a tomada de decisões, na transmissão das informações, tais como a escala adequada para a representação, a projeção e o uso de signos cartográficos.

Como parte das experiências realizadas no laboratório, já durante o desenvolvimento da presente pesquisa, foi feita a adaptação das variáveis gráficas táteis baseadas no trabalho de Vasconcellos (1993), que, por sua vez, já tinham sido adaptadas das variáveis visuais de Bertin. Foram selecionados os seguintes materiais: uma base de madeira plana; sobre essa base, em porcelana fria, foram construídas as representações das variáveis táteis em suas três condições de implementação (ponto, linha e área). Com tinta em relevo, foram desenhadas as variáveis inicialmente visuais - cor (somada à textura, para o caso de cegueira total), orientação, forma, tamanho, valor e granulação.

Figura 10: Registro fotográfico da 1ª oficina: os materiais (Bittencourt, 2010). Fonte: Bittencourt (2011).

A intenção inicial dessa construção foi a de verificar a viabilidade dos materiais destacados para a confecção de representações táteis no presente estudo, porcelana fria e tinta com relevo, em acordo com as variáveis táteis. Aparentemente, foi possível representar as variáveis gráficas na forma tátil com os materiais em questão, mas, por não terem sido testadas, sua eficiência para a leitura tátil ainda é contestável. A produção tátil das variáveis visuais também objetivou mostrar aos professores, de um modo mais próximo por somar-se o tato, do que tratam as representações gráficas condicionadas pela percepção visual. O uso das representações das variáveis visuais e táteis nas oficinas se mostrou favorável ao entendimento das várias formas de representação das informações. As duas placas de madeira com as variáveis visuais e táteis são dividas em expressões qualitativas

(forma, orientação, cor/textura) e quantitativas (tamanho, granulação, valor) em suas implementações pontuais, lineares e zonais.

A oficina foi sendo construída na medida em que se ampliavam as reflexões teóricas sobre as obras de Vygotsky e Bakhtin, de modo que alguns dos conceitos trabalhados por esses autores foram discutidos com os docentes, embora o aprofundamento das reflexões tenha surgido posteriormente à execução das oficinas, com uma maior compreensão das leituras e, de modo diferenciado, após a prática docente, iniciada pela pesquisadora em fevereiro de 2011. De um modo geral, já haviam sido selecionados alguns conteúdos de introdução às noções cartográficas, como a questão entre orientação corporal e orientação geográfica, no entendimento da orientação e localização geográfica de diferentes referenciais, considerando-se sua importância dada desde o estudo de Oliveira (1978; 2007), mas, principalmente, com base nos trabalhos de Almeida (2001; 2007).

Além de buscar a discussão das questões de orientação, localização, uso da bússola aliada à rosa dos ventos, as variáveis visuais, como simbologia utilizada na produção de mapas, o intuito maior da oficina era o de averiguar, junto aos professores, a possibilidade de desenvolvimento de materiais didáticos táteis, que se utilizassem também da porcelana fria. O processo de desenvolvimento de materiais foi utilizado como o momento, fundamentalmente, reflexivo e apropriado à expansão do entendimento e domínio da linguagem cartográfica e, também, como momento oportuno para a troca de experiências e ideias entre os professores. Assim, por meio da vivência de cada etapa processo de confecção do material cartográfico, foi possível demonstrar as dificuldades encontradas nas produções cartográficas e os obstáculos na apropriação de uma linguagem que exige abstração e conhecimento de convenções com base nas percepções visuais.

Comparando a linguagem escrita à linguagem cartográfica, pode-se pensar no desenvolvimento de materiais cartográficos como o ato próprio da escrita, que difere da leitura e da interpretação. O mapa possui várias etapas de construção que tratam da mensagem a ser transmitida, o que permite considerá-lo como um conjunto de enunciados. Os enunciados são compostos por letras, palavras, frases e orações na linguagem falada e escrita. Da mesma forma, os produtos cartográficos possuem etapas que o concretizam, com recortes da realidade selecionados para a representação, como numa descrição, por exemplo.

Os questionamentos que orientaram a construção das oficinas foram baseados nas relações entre trabalho e linguagem, ensino e mediação e, sobretudo, na apropriação da escrita cartográfica, ou como se utilizar da linguagem cartográfica para registro, orientação e expressão artística. O trabalho é mediado socialmente, da mesma forma que a apropriação dos signos culturais, ou instrumentos psicológicos. Seu processo de internalização serve aos indivíduos na organização de seus comportamentos, ações e pensamentos. A mediação do professor de geografia na aquisição da linguagem cartográfica em suas amplas possibilidades, para além da ilustração monológica, oferece aos alunos possibilidades de expressão de seus entendimentos do espaço, percepções das mudanças nas paisagens ou compreensões das relações territoriais e de poder. O processo de desenvolvimento de materiais cartográficos para o ensino dessa linguagem é promissor quanto à sua aprendizagem, na medida em que exige atenção deliberada sobre cada uma das etapas, para que se possa concretizá-las.

O convite efetuado pelo Coordenador de Área de Geografia da rede municipal de ensino de São Vicente já havia delimitado, em parte, os conteúdos a serem trabalhados na oficina, em acordo às demandas trazidas pelos professores, sobre o processo de apropriação da linguagem cartográfica no ensino de geografia. A primeira oficina, realizada em agosto de 2010, buscou discutir a iniciação cartográfica, ou a introdução às noções básicas da cartografia e o ensino do mapa, por meio do processo de produção de uma rosa dos ventos, como exemplo de materiais didáticos táteis. A linguagem cartográfica já era objeto de reflexão, ainda que o real aprofundamento e/ou dimensionamento da questão da apropriação da linguagem cartográfica, à luz das concepções sociais, dialógicas e expressivas de linguagem tenha ocorrido após o aprofundamento da leitura dos teóricos Vygotsky e Bakhtin. Dessa forma, a oficina pretendeu discutir, com professores em atividade, as relações entre ensino, mediação e aprendizagem, fundamentando as reflexões na perspectiva histórico cultural. O ensino foi discutido a partir da concepção de uma ação orientada a um objetivo e mediada por instrumentos psicológicos.

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