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4. Análise crítica do Plano de Urbanização e dos Planos de Pormenor da cidade de Torres

4.1. Plano de Urbanização da cidade de Torres Vedras

O Plano de Urbanização (PU) é o instrumento que define a política de ordenamento de território e urbanismo para uma determinada área do município, sendo definido do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial como aquele que «desenvolve e concretiza o plano diretor municipal e estrutura a ocupação do solo e o seu aproveitamento, fornecendo o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e definindo a localização das infraestruturas e dos equipamentos coletivos principais» (artigo 98º, DL nº80/2015, de 14 de Maio). Este plano materializa, numa escala mais aproximada, a definição da estrutura urbana, do regime de uso do solo e dos critérios de transformação do território, da área de estudo em causa. Este tipo de planos são elaborados como resposta e integração ao Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor em perímetro urbano, pelo que em Torres Vedras são dois os Planos de Urbanização em fase de conceção: o Plano de Urbanização da cidade de Torres Vedras (PUTV) (Anexo 4, Figuras 53a e 53b) e o Plano de Urbanização de Santa Cruz / Póvoa de Penafirme / Silveira. Pela sua localização, características e fase em que se encontra atualmente, já que foi anunciado no primeiro semestre do ano 2015 à população, o PUTV é o plano que interessa analisar neste trabalho.

A área de intervenção do PU tem cerca de 1746,5 hectares e é traduzida pelo designado perímetro urbano da cidade de Torres Vedras, proveniente do que foi aprovado na última revisão de PDM, em 2006; na verdade, o perímetro considerado vai muito para além dos limites da cidade, comparando-o com o limite considerado no capítulo 3.2, que representa cerca de 7,3 % dos 1746,5 hectares, com quase 128 hectares. Abrange, assim, uma grande parte do território da União das Freguesias de Torres Vedras e Matacães, concentrando-se na sua maior parte nas antigas freguesias urbanas de S. Pedro e Santiago, assim como os núcleos habitacionais de Matos Velhos e Boavista Olheiros, a norte, e do Barro, a Sul. Esta definição de um perímetro urbano que engloba a cidade, pequenos núcleos habitacionais periféricos e um considerável espaço não edificado, ou não urbanizado, entre si, retrata bem a matriz ainda rural aos dias de hoje onde está inserida a cidade torriense. Pela sua complexidade e abrangência, o diagnóstico do plano é vasto, com estudos de caracterização urbanística, demográfica, económica, social ou até de espaços exteriores. Por conter esta vertente de valorização do espaço, com quadros de desenvolvimento territorial baseados nesse campo e, também, por ter uma proposta de estrutura ecológica urbana, este plano define-se como uma importante etapa de decisão naquilo que é a ponte entre um PDM e um PP. Apesar de ainda não estar disponível online, o plano foi fornecido pela autarquia para a realização deste trabalho.

Nos objetivos do PUTV destacam-se o tecido edificado como ponto fulcral, onde é revisto e alvo de decisões de conservação, requalificação, colmatação ou, até, expansão, se for necessário para um espaço urbano de qualidade e com vista a um crescimento sustentável; a rede viária, carente de uma visão integrada e estruturada, necessitando de alternativas às existentes, nomeadamente na circulação no centro da cidade; o desenvolvimento económico, com a revisão dos seus espaços, de forma a

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afirmar-se cada vez mais como um sector de diversificação, complexidade e de fixação de população; a definição de uma estrutura ecológica, assegurando a permanência dos valores naturais e promovendo a qualidade ambiental do sistema urbano; tratar o espaço público como elemento referencial na qualidade de vida da população, pelo recreio e lazer; salvaguardar os elementos patrimoniais da cidade, evidenciando a singularidade do centro histórico neste campo; implementação de uma estratégia de mobilidade, seja no funcionamento da cidade assim como na sua relação com a sua envolvente, contribuindo para um sistema urbano funcional, equilibrado e acessível. Em suma, o grande objetivo deste instrumento de gestão territorial é promover o equilíbrio entre as componentes urbana e ambiental, com grande incidência nos espaços intersticiais, de forma a criar um território planeado, integrado e em respeito com as suas condicionantes e características naturais.

Segundo uma avaliação feita no próprio plano, é apresentado um diagnóstico de riscos e oportunidades aos quais é preciso refletir. É, de facto, um trabalho rico em oportunidades, inovações e soluções, mas também com a consciência que há riscos a serem assumidos, pela complexidade da área de estudo e de todos os seus intervenientes. No entanto, dividindo os itens por subtemas, ou Fatores Críticos de Decisão – valorização patrimonial e natural (FCD 1), estruturação e requalificação urbana (FCD 2) e desenvolvimento socioeconómico (FCD 3) – e mantendo as possibilidades de haver um Cenário Zero – cenário presente e futuro, no desenvolvimento territorial na ausência do plano – ou um Cenário PU – cenário futuro, contando com a concretização do programa do plano – são apresentados resultados que, ao fim, nos transmitem que os riscos da não concretização do plano são maiores que os assumidos na sua proposta – 17 contra 13 (Anexo 4, Quadro 4). Tendo como pressuposto que o plano vai ser concretizado na sua versão completa, importa analisar os riscos do Cenário PU, em detrimento do Cenário Zero, ou seja analisar os riscos inerentes à sua concretização.

Os riscos são apresentados no relatório ambiental, mas a sua análise e crítica é feita neste trabalho. No FCD 1, importam salientar os riscos da não identificação das áreas com suscetibilidade à instabilidade de vertentes e da mineralização progressiva das águas, em função do campo de golfe proposto. No FCD 2, é onde residem os riscos mais graves no que diz respeito ao equilíbrio e respeito pelas componentes ecológicas, todos sistematizados como riscos médios. A exclusão das zonas de várzea na delimitação da Estrutura Ecológica, a impermeabilização das áreas de espaços verdes de produção classificadas pela RAN e a falta de valores de percentagem mínima de espaços verdes em áreas habitacionais são os que mais se destacam; poderão certamente levar a questões sérias, como o poder de decisão de outros intervenientes – privados ou públicos – sobre alterações posteriores, assim como a perda de valores do solo e mesmo a carência de qualidade de vida social nos espaços vazios das zonas destinadas a habitação. No FCD 3, são levantadas questões de risco no âmbito socioeconómico; o elevado custo de aquisição e de arrendamento de imóveis praticado no concelho – um grande risco, pois são relevantes os espaços residências a propor e a consolidar – e, com isto, a falta de adesão a grande parte da expansão da rede de transportes ou até mesmo a ocupação efémera dos novos equipamentos económicos pela falta de qualificações na população ativa do concelho, são algumas das questões abordadas. Um dos riscos que não foi apontado à elaboração do plano é o facto das áreas de RAN não estarem presentes cartograficamente no perímetro urbano em questão; esta é,

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de todo, uma questão exterior ao domínio da proposta efetuada pelos responsáveis, pois é uma lacuna do ponto de vista do quadro legal dos Planos de Urbanização, mas é, sem dúvida, um risco bem patente na definição de um plano desta essência, pois a partir daqui se derivam outros riscos, como alguns dos já enumerados – impermeabilização das áreas de RAN, por exemplo.

Assim como os riscos previstos e acautelados, também são enumeradas as oportunidades que este plano poderá gerar, que no fundo são os seus pontos fortes. Desta forma, as oportunidades avaliadas no Cenário PU são bastante superiores, de forma natural e óbvia, ao Cenário Zero, tendo 58 contra 18, segundo avaliação do Relatório Ambiental (Anexo 4, Quadro 5). Esta avaliação mostra claramente que o Plano de Urbanização contra com um grande leque de vantagens, favoráveis à sua concretização (CMTV, 2015).

Em relação ao FCD 1, a preservação do património arquitetónico, assim como as condicionantes à construção e à atenção dada aos elementos construídos em áreas de vertentes instáveis e suscetíveis de deslizamento de terras; é de salientar o aumento da área de espaços verdes em relação ao estabelecido no PDM no concelho; a integração de solos classificados como RAN na Estrutura Ecológica Municipal, possibilitando a manutenção ou a exploração de usos agrícolas – no entanto, é um ponto sensível e uma oportunidade de contornar legalmente aquilo que a RAN impera, considerando o facto dos terrenos poderem ser impermeabilizados, já enumerado anteriormente; a proteção das linhas de água e a sua inclusão em corredores verdes, assim como de galerias ripícolas em espaços verdes de proteção; a revisão das questões de infiltração, drenagem e escoamento superficial pela proteção das bacias hidrográficas e das condicionantes à edificação em espaços sensíveis; a divisão dos diferentes tipos de espaços verdes (proteção, produção, recreio/lazer); a inserção e valorização das áreas de REN na estrutura ecológica; e, a criação de um Parque Verde Nascente, adjacente à reabilitação funcional, social e económica das Termas dos Cucos, são alguns dos temas de valem a pena enumerar e ponderar. Quanto ao campo do FCD 2, são descritas intenções ligadas ao ambiente urbano, assim como: a definição de uma estrutura ecológica contínua, integrada e abrangente; a proteção e valorização das áreas de REN como espaços verdes; a criação do Parque Verde Nascente, funcionando como espaço verde de referência no local; a valorização das galerias ripícolas assim como das espécies a utilizar; promover um crescimento urbano programado e contínuo, no que diz respeito à sua morfologia e volumetrias; inclusão de espaços verdes complementares a equipamentos de atividades socioeconómicas; a definição de prioridades para solo urbanizável, com o objetivo de conter a expansão e o desenvolvimento desordenado; reconfiguração da rede viária, assim como a redução de acesso automóvel ao centro histórico; a implantação de uma estratégia de mobilidade, assim como a expansão da oferta de transportes públicos e a reconfiguração dos espaços de estacionamento fora do centro da cidade. No FCD 3, último subtema no quadro das oportunidades, são destacadas questões como o aumento da qualidade de vida na freguesia de Santa Maria; a promoção do turismo de saúde nas Termas dos Cucos; a fixação de população jovem, com a criação de novas empresas no setor comercial e industrial; as vantagens ambientais e sociais de novos transportes públicos, como as emissões de gás e a acessibilidade de idosos e pontos fulcrais da cidade,

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como serviços de saúde e a redução do tráfego automóvel, principalmente no centro histórico, realçando as condições de segurança das ciclovias e percursos pedonais.

Numa apreciação global, é de salientar o facto dos responsáveis pela elaboração do PU terem a consciência e a transparência de definir quais são os seus pontos fortes e fracos; por outras palavras, reconhecer aquilo em que o plano pode ser um sucesso, mas precaver as questões que podem trazer o seu fracasso nalguns pontos. Esta é a essência deste Cenário PU e não tanto a necessidade de mostrar que este cenário é em tanto melhor ou mais eficiente que o Cenário Zero, pois esse tem de ser o objetivo do programa de desenvolvimento, caso contrário não faria sentido a elaboração de uma proposta que se quer inovadora, com soluções e alterações num território com problemas a resolver. No entanto, a consideração de um perímetro urbano tão extenso, poderá acarretar com consequências negativas no planeamento, nomeadamente na afetação de sistemas ecológicos sensíveis. Na crítica aqui elaborada, importa uma natural incidência sobre a Estrutura Ecológica e a questões a si ligadas, como os espaços verdes, as áreas protegidas e as áreas de sensibilidade, assim como a mobilidade e a expansão urbana.

A exclusão das áreas de várzea na delimitação da Estrutura Ecológica, apontado como risco nos Fatores Críticos de Decisão de estruturação e requalificação urbana (FCD 2) parece ser um grande risco assumido. As zonas de várzea de um território são, por defeito, uma parcela frágil e sensível do mesmo, fulcral no equilíbrio e no correto funcionamento do sistema ecológico; por serem adjacentes a linhas de água, este tipo de parcelas fazem parte do sistema húmido e, também, dos solos aluvionados. Ora, sendo de sistema húmido, é imperativo que sejam incluídas na Estrutura Ecológica, pois a sua função nunca poderá outra sem ser proteção ou conservação, salvaguardando os valores que lhe são inerentes. Um dos exemplos da não delimitação de várzea no PUTV é o conjunto de áreas circundantes ao Parque Verde da Várzea, onde a Estrutura Ecológica do PUTV apenas delimita o próprio parque, ignorando uma grande parte de área de várzea, já em tecido habitacional central e consolidado. Outro ponto que assume alguns riscos é a construção de um campo de golfe, na antiga estância termal dos Cucos, na periferia nascente da cidade. Do ponto de vista da mineralização das águas (FCD 1), parece ser um pouco contraditório ao ponto das oportunidades no que refere à intenção da proteção das linhas de água e bacias hidrográficas. Complementando, parece não ser um caminho, quer turístico quer económico, que justifique o investimento, pois já existe na periferia – a 4 quilómetros da cidade – um complexo turístico de índole similar, o Dolce Campo Real Lisboa, com oferta turística e desportiva ligada ao golfe. Por consequência, a possível transformação de um espaço classificado como Monumento de Interesse Público (DGPC, 2015) num complexo deste género pode ser fatal do ponto de vista patrimonial, como já são exemplos alguns monumentos pelo país fora – Palácio da Bacalhoa ou Quinta da Penha Longa.

Ainda neste campo, a não definição de quantidades de percentagem de espaços verdes adjacentes às zonas habitacionais propostas conduzirão, certamente, à falta de qualidade do espaço público, ou mesmo a uma pressão urbanística superior ao pressuposto. Deste modo, nunca será assegurado um continuum naturale no território, ou neste caso urbano, uma estrutura verde secundária – falamos de

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espaços inseridos em áreas habitacionais – onde os valores de referência são 40 metros quadrados de espaço verde por habitante (Magalhães, 1992). Traduzindo para números, feita uma análise quantitativa da planta de condicionantes, os cerca de 23 hectares de espaço verde existente com função de recreio e lazer são complementados com uma proposta de um acréscimo de 31 hectares, o que se traduz numa futura rede de espaços verdes recreativos de 54 hectares, aproximadamente. De facto, é um significativo aumento de oferta deste tipo de uso na ordem dos 139 % em relação ao existente, mas que parece não ser o suficiente para uma área maioritariamente urbana, complementada por uma periferia de alto índice habitacional, representando apenas 3 % da área total do perímetro urbano.

Esta interpretação dos espaços verdes não contabiliza a área descrita no plano como Espaços Verdes Propostos Multifuncionais, que se situa na área circundante à estância termal dos Cucos, onde haverá, segundo o plano, o Parque Verde Nascente que tem como objetivo ser, a par dos parques da várzea e do choupal, um elemento forte na estrutura verde da zona de estudo. Não é conhecida a sua área de implantação, mas claro que será sempre um elemento chave a incorporar nas áreas recreativas e de lazer da área de plano em questão.

De forma a concluir a apreciação dos riscos assumidos pelo plano, há um ponto em especial, no âmbito urbanístico, que levanta problemas de sustentabilidade económica, demográfica e territorial inerentes aos dias de hoje. É proposta uma significativa consolidação de espaços habitacionais na área de estudo e, para além disso, a proposta de expansão de outros tantos. É uma questão que é, até, contestada pelo partido da oposição à autarquia torriense que defende ser “o maior atentado urbanístico em Torres Vedras”, quando incide sobre o facto de ser proposta uma duplicação da malha urbana existente; outro ponto de crítica é também a intenção de construir em altura, nomeadamente nalguns bairros habitacionais – o Bairro de Vila Morena, como exemplo – com edifícios de seis andares a serem complementados às moradias existentes. Tudo isto entra um pouco em contrassenso com um dos pontos realçados no diagnóstico das oportunidades, quando é referida uma prioridade de continuidade urbanística quanto à morfologia e volumetrias do tecido construído. No entanto, a autarquia responde ao justificar a proposta como uma correção ao que é proposto no PDM, como a redução do número de fogos de 50 para 35 por hectare e de área urbanizável de 307 para 127 hectares (Alcântara in Badaladas, 2015).

De facto, os números são, de uma forma significativa, mais discretos, mas o que não quer dizer que sejam justos, reais e ponderados. Estamos perante uma cidade que tem crescido pouco em termos demográficos; ao analisarmos as antigas freguesias de S. Pedro e Santiago e Santa Maria e S. Miguel – as freguesias da cidade – vemos que entre 2001 e 2011 cresceram 2 % e 32 % cada uma (CMTV, 2015); no entanto, a segunda traduz-se na parte mais antiga da cidade, abrangendo pouco mais que o centro histórico, o que na planta de zonamento é descrito como espaço central a manter, pelo que nunca poderá ser alvo de expansão ou consolidação, apenas reabilitação; se juntarmos a antiga freguesia de Matacães – hoje coligada com as duas anteriores em termos administrativos –, que também faz parte do perímetro urbano, verificamos que, no mesmo período de tempo, a população residente decresceu cerca de 10 %, números preocupantes para uma expansão urbana de números

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tão ambiciosos. A juntar ao panorama demográfico, temos ainda os factos de haver uma população cada vez mais envelhecida (Anexo 4, Quadro 6), com cada vez menos jovens (Anexo 4, Quadro 7) e, fruto da atual conjuntura económica e financeira, com cada vez menos poder de compra adquirir ou até arrendar para estes índices de ocupação pretendida.

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