• Nenhum resultado encontrado

2 INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA PARA A HABITAÇÃO SOCIAL

2.1 Os instrumentos da política urbana

2.1.1 Plano Diretor

A Constituição Federal dá a esse instrumento grande poder na ação do planejamento urbano, uma vez que atribui a ele a responsabilidade de definir a função social da cidade e da propriedade por meio de exigências fundamentais da ordenação da cidade. Tal definição, entretanto, deve seguir as diretrizes gerais fixadas pelo Estatuto da Cidade.

O Plano Diretor é uma lei municipal elaborada por meio de processo participativo que define como será o desenvolvimento territorial da cidade por meio da expansão e ocupação da mancha urbana existente. Ele tem o papel de articular as políticas setoriais, dentre elas a habitação, visando o desenvolvimento urbano mais justo e equilibrado. Por meio do plano diretor são estabelecidos os instrumentos da política urbana e suas finalidades, como eles se articulam e onde e como devem ser utilizados.

É importante destacar também que, embora alguns instrumentos devam ser regulamentados por lei específica, ou seja, fora do Plano Diretor, todos eles, além de

atender às diretrizes do Estatuto da Cidade, devem observar o disposto pelo Plano Diretor.

Seu conteúdo mínimo está definido no Art. 42 do Estatuto da Cidade que prevê:

Art. 42. O Plano Diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;

II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle. (BRASIL, 2001)

As disposições requeridas pelos artigos 25, 28, 29, 32 e 35 são as que tratam do direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir e alteração de uso, operações urbanas consorciadas e transferência do direito de construir. Tais instrumentos devem integrar o Plano Diretor municipal, mas serão avaliados individualmente.

Os municípios que estão incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverão ainda traçar uma série de medidas preventivas e corretivas para evitar os desastres. Dentre elas está a adequação dos Planos Diretores aos planos de recursos hídricos elaborados por bacias hidrográficas.

Além disso, para os municípios que desejam ampliar seu perímetro urbano, deverá ser elaborado projeto específico de expansão urbana, conforme art. 42 -B do Estatuto da Cidade. Tal projeto específico pode ou não estar contido no Plano Diretor. Entretanto, mesmo que o conteúdo do projeto específico não esteja previsto no Plano Diretor deverá obedecer às diretrizes fixadas por ele.

Tanto os mecanismos para prevenção e controle dos riscos, quanto a criação de projeto específico de expansão urbana abordam a questão habitacional da população de baixa renda, colocando como conteúdo mínimo para sua regulamentação a regularização fundiária, realocação de pessoas em área de risco, controle da expansão urbana e ocupação de áreas de risco e delimitação de área

para habitação de interesse social.

Apesar de o Plano Diretor ser responsável pela orientação e articulação dos demais instrumentos, por ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, a avaliação nacional dos Planos Diretores elaborados no Brasil após a promulgação do Estatuto da Cidade quanto ao quesito habitação não foi boa.

Conforme analisam Oliveira e Biasotto (2011), os Planos Diretores "pouco avançaram ou nada avançaram na promoção do acesso à terra urbanizada". (OLIVEIRA; BIASOTTO, 2011, p. 95). Isso porque os instrumentos raramente foram plenamente regulamentados, sendo direcionados a leis específicas que, na maioria das vezes, sequer foram elaboradas. Dos instrumentos que pareciam ser possíveis implementar pelo disposto no Plano Diretor, muitos foram ignorados pelo órgão municipal competente para sua execução. É o caso do município de Duque de Caxias/RJ, que apesar de o Plano Diretor estabelecer coeficiente de aproveitamento básico, as aprovações utilizavam o parâmetro da lei anterior, muito mais permissiva. Dessa forma, como afirmam Oliveira e Biasotto (2011), a autoaplicabilidade da lei é uma construção social que não se resolve simplesmente no meio jurídico, mas na política.

Cardoso e Silveira (2011) também avaliam que os Planos Diretores pouco avançaram no quesito acesso à terra urbanizada porque desvinculam os instrumentos do planejamento urbano das diretrizes gerais do Estatuto da Cidade. Os autores apontam também como problema a falta de regulamentação dos instrumentos para a sua implementação. Quanto à política de habitação, Cardoso e Silveira (2011) não observaram avanços principalmente nas estratégias socioterritoriais. A maior parte dos Planos Diretores se limitou a estabelecer diretrizes genéricas para a habitação, sem definir prazos, recursos e mapeamento das ações. Dessa forma,

a integração das políticas setoriais raramente é alcançada; é nítida a falta de estratégias concretas para o enfrentamento do problema habitacional, bem como de instrumentos específicos e programas direcionados para o mesmo propósito; poucos definem a reserva de áreas para habitação de interesse social em novos processos de parcelamentos; medidas de incentivo a cooperativas populares são restritamente contempladas; é

precária a articulação da política de habitação instituída no Plano com as peças do orçamento municipal objetivando a definição de prioridades de investimento; também não foi priorizada a determinação de critérios de gênero, raça ou outra política afirmativa; é baixo o grau de aplicabilidade atribuído aos elementos integrantes das definições sobre a política de habitação, encontrando-se referências claras à quase inexistência de regulamentações ou legislações complementares já aprovadas. (CARDOSO; SILVEIRA, 2011, p. 122-123)

Entretanto, destaca-se a existência de Planos Diretores que dão ênfase à criação de Planos Locais de Habitação e de Fundo de Habitação de Interesse Social e sua vinculação a conselhos. A grande ocorrência de demarcação de Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) para áreas já ocupadas com assentamentos precários também é relevante. Há ainda relatos de experiências inovadoras, como o caso de Assu/RN. Seu Plano Diretor vincula o parcelamento compulsório e o IPTU progressivo ao consórcio imobiliário, propondo a seus proprietários adesão ao consórcio voltado para o desenvolvimento de Programas Habitacionais de Interesse Social. (CARDOSO; SILVEIRA, 2011).

Pelo exposto, é possível afirmar que o Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana tem papel fundamental no planejamento e gestão da cidade de forma a ampliar o acesso à terra urbanizada e garantir moradia digna para a população de baixa renda. Obrigatório para municípios integrantes de regiões metropolitanas, ele deve regulamentar e articular os instrumentos da política urbana instituídos pelo Estatuto da Cidade de maneira a cumprir com suas diretrizes gerais que apontam para a construção de cidades mais justas. No entanto, após alguns anos de promulgação do Estatuto da Cidade pode- se verificar pouco avanço nos Planos Diretores municipais, sobretudo no quesito ampliação do acesso à terra urbanizada e habitação de interesse social. Isso se deve, sobretudo, ao fato de os Planos Diretores não regulamentarem os instrumentos de planejamento urbano e não os vincularem aos objetivos estabelecidos pela lei federal considerando a realidade local.

Outro ponto que ganha destaque é a importância da apropriação do Plano Diretor e demais leis urbanísticas pelo executivo municipal e instâncias de controle, como os conselhos. É recorrente a falta de domínio técnico, que vinculado aos interesses políticos e econômicos, deturpam a norma estabelecida, seja por meio de

interpretações equivocadas, seja pelo desconhecimento da norma, seja por meio simplesmente da não implementação de instrumentos ou parâmetros. Há ainda que se falar em casos de alteração do Plano Diretor para beneficiamento de grupos específicos de pessoas. Pode-se dizer que é recorrente a alteração de zona de interesse ambiental para ZEIS para possibilitar a aquisição de terrenos baratos para a construção, por exemplo, de habitação social para o Programa Minha Casa, Minha Vida, como ocorrido em Raposos/MG. O apelo social desses programas faz com que a população de um modo geral seja favorável à destituição de uma área de interesse ambiental para construção de moradia.

Enfim, o Plano Diretor é o principal instrumento do planejamento municipal e deve propor as estratégias socioterritoriais para a habitação social articulando as políticas setoriais (mobilidade, saneamento e habitação) a fim de favorecer a melhoria da condição habitacional da população utilizando os demais instrumentos para o planejamento urbano.