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1 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA

1.1 Plano epistemológico

Segundo Orozco Gómez e González Reyes (2011) a produção de conhecimento é tradicionalmente posta em oposição entre um sistema filosófico (reflexivo) e um sistema científico (empírico). Desta relação entre a atividade filosófica e a científica surge o conceito de epistemologia “como el área de la filosofia (y, por ende, una actividad reflexiva) que se ha

preocupado por explicar qué es y cómo se produce el conocimiento de manera objetiva9

(OROZCO GÓMEZ; GONZÁLEZ REYES, 2011, p.21).

Na mesma direção, Klimovsky e Hidalgo (1998) explicam que o termo epistemologia é usado tanto com o sentido filosófico, designando a “teoria do conhecimento”, como em um sentido metodológico, o qual não deve ser confundido com a metodologia da investigação cientifica, com suas com suas técnicas e ferramentas de pesquisa. Epistemologia, neste segundo sentido, deve ser entendida “como el estudio de las condiciones de producción y de validación del conocimiento científico y, en especial, de las teorías científicas10

(KLIMOVSKY; HIDALGO, 1998, p.16). Conforme esses autores, no plano epistemológico o cerne da pesquisa é estruturado por meio de processos que vão desde o confronto do teórico com o empírico, da problemática de pesquisa, até a construção do objeto de estudo em razão do corpo teórico que direciona o olhar do pesquisador. Nessa perspectiva, as teorias não se constituem apenas como plano de fundo distante da realidade observada, mas como parte integrante do modo de perceber a realidade.

A teoria interage dinamicamente com as demais instâncias metodológicas da pesquisa: no plano epistemológico, enquanto conjunto significativo pertinente a uma problemática de base empírica; no plano metódico, enquanto conjunto coerente de proposições que fornecem um quadro explicativo e compreensivo; no plano técnico, enquanto conjunto de hipóteses a serem testadas empiricamente (LOPES, 2010, p.126).

Em vistas do caráter dinâmico e permeável da teoria em todas as fases da pesquisa, e do intento deste estudo em explorar a circulação da telenovela Salve Jorge no Twitter para refletir sobre o consumo de mídia e a construção de sentidos que comunicam e distinguem as mulheres em função da classe social que representam, optamos por, didaticamente, expressar a teoria em dois eixos fundamentais: teoria para ver o empírico e teoria para ler o empírico.

Acreditamos que a fusão desses dois eixos - ver e ler - ocorre desde a problemática da pesquisa até as considerações finais, visto que para ler o empírico é preciso vê-lo em sua constituição e funcionamento. Igualmente, esses eixos teóricos repercutem nas escolhas metodológicas e na operacionalização dos dados, temas que serão abordados adiante.

Definimos que o eixo teórico para ver o empírico, a partir do qual os fenômenos concretos são percebidos, vincula-se aos estudos de recepção/consumo latino-americanos com

9 Tradução nossa: como a área da filosofia (e, portanto, uma atividade reflexiva) que tem se preocupado em

explicar o que é e como o conhecimento é produzido objetivamente.

10 Tradução nossa: como o estudo das condições de produção e validação do conhecimento científico e,

atenção voltada à circulação da telenovela nas redes sociais digitais. A convergência midiática é o aporte que situa o objeto em sua realidade técnica, cultural e social, pois entendemos que “pode-se estudar a internet como um tipo de ambiente social ou cultural na qual as pessoas desenvolvem formas específicas de comunicação ou, às vezes, identidades específicas” (FLICK, 2009, p.246).

Por nos preocuparmos com a circulação no âmbito do consumo midiático, torna-se necessário pensar os lugares de emissores/produtores e receptores, visto que a dificuldade está em designar o receptor em seu estatuto de um consumidor ativo, um usuário ou até mesmo de um produtor com certas especificidades. Acreditamos que essas definições exigem reflexão e buscamos nos conceitos de interatividade, participação e consumo amplificado as bases para estabelecermos nosso ponto de vista sobre as práticas dos sujeitos inseridos na cultura da

convergência.

Já o eixo teórico para ler o empírico corresponde ao aporte teórico-analítico que reside na Análise de Discurso de linha francesa desenvolvida por Michel Pêcheux e na sociologia de Pierre Bourdieu. O desafio teórico que propomos é aproximar os estudos de recepção/consumo à análise de discurso e ao pensamento bourdiano. No campo da Comunicação, em geral, a análise de discurso serve apenas ao aparato analítico, em que dadas sequências discursivas são examinadas. Aqui consideramos oportuno incluir as diretrizes pecheutianas como ponto de partida para compreender o viés social da tese: as relações de classe na construção de sentido sobre a periguete. Com Pêcheux entendemos as estruturas discursivas, com Bourdieu as práticas que distinguem as mulheres nas diferentes classes sociais.

Em outras palavras, pretendemos ler como as formações imaginárias se associam ao

habitus na conformação de uma forma-sujeito bastante específica: a periguete. Instituir a forma-sujeito periguete como objeto de estudo é questionar como a mídia representa a mulher

de classe popular e como os receptores da telenovela consomem essa construção; a confrontam com seus imaginários - em formações ideológicas e discursivas -; elaboram sentidos e os põem a circular nas redes sociais digitais.

Como hipótese, o imaginário sobre a periguete, fundado no senso comum, é fortemente vinculado à classe popular, a uma dada forma de mostrar o corpo e exercer a sexualidade feminina. Entretanto, a forma-sujeito periguete não é fixa, nem única e assume diferentes sentidos. Em nossa hipótese, a classe social implica uma espécie de pré-construção sobre a mulher de classe popular e sobre a mulher de elite designando a posição de sujeito que cada uma pode ou não ocupar. Isto é, a classe social determinaria os modos pelos quais ser

mulher está enraizado a uma cultura de distinção e de comunicação/identificação. Em termos

discursivos compreendemos que esse pré-construído é ideologicamente marcado e nos interessa ler como essas noções funcionam e circulam na recepção/consumo da telenovela

Salve Jorge.

A Figura 2 ilustra o desenho do plano epistemológico desta tese, em que o objeto de estudo se situa na intersecção entre as teorias para ver o empírico e as teorias para ler o

empírico. Ainda, tornamos visível que a questão acerca da periguete é extraída do empírico

como elemento a ser “lido” nas teorias que sustentam este estudo.

Figura 2 – Plano epistemológico: desenho teórico

Fonte: elaborado pela autora.

Os dois eixos teóricos serão aprofundados nos próximos capítulos e confrontados com os dados empíricos que compõem o corpus de análise deste trabalho. Ressaltamos que tanto a análise de discurso de Michel Pêcheux quanto a sociologia de Pierre Bourdieu têm pontos comuns que os vinculam ao estruturalismo e ao materialismo histórico, fazendo-os avançar. A escolha teórica repercute nos métodos e técnicas selecionadas, como mostraremos na sequência, a Análise de Redes Sociais, utilizada para ver o empírico também é um método estruturalista. A seguir, abordaremos o plano metodológico.

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