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Planta de Lisboa com implantação das estruturas romanas e reconstituição da linha de costa em época romana Sobre esta base, localizam-se os

No documento Bispos e arcebispos de Lisboa (páginas 66-85)

SINAIS DE VITALIDADE CRISTÃ SOB DOMÍNIO ISLÂMICO: A DIOCESE MOÇÁRABE

Mapa 3. Planta de Lisboa com implantação das estruturas romanas e reconstituição da linha de costa em época romana Sobre esta base, localizam-se os

vestígios materiais construtivos de época visigótica (a verde), de época moçárabe (a amarelo) e os que, para já, se situam numa cronologia duvidosa (a azul). Sinalizam-se ainda três igrejas que deveriam servir a comunidade moçárabe na primeira metade do século XII: A – igreja de Santa Justa e Santa Rufina; B – igreja de São Mamede; C – igreja de São Cristóvão. Planta de Lídia Fernandes e Carlos Loureiro (Museu de Lisboa) adaptada por Paulo Almeida Fernandes.

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decorava o alçado interior da capela -mor (agradeço o conhecimento destas peças a Alexandra Gaspar e a Ana Gomes, que me permitiram estudá -las em março de 2015). Realizações de assinalável qualidade (sobretudo pelo rigor com que foram talhadas para serem embutidas na caixa murária, revelando um trata- mento impecavelmente polido das superfícies superior e inferior), a face que ficava voltada ao interior da abside exibe uma decoração já conhecida desde a época visigótica, composta por uma série sinusoidal horizontal, da qual brotam, alternadamente, cachos de uvas e palmetas de cinco folhas. A ocorrência deste tema na arte dos séculos V a vii poderia remeter a peça para contextos visigóti- cos, mas o motivo aparece com idêntico tratamento em outro fragmento de friso de um templo olisiponense, o designado friso dos leões do antigo mosteiro de Chelas (fig. 6), hoje exposto no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa. É flagrante a semelhança entre o friso procedente do Castelo de São Jorge e a orla inferior da peça de Chelas, o que sugere que ambas tenham sido produzidas na mesma oficina e sejam, por isso, contemporâneas entre si. A fortuna crítica desta peça é muito rica e quase todos os autores coincidem nas analogias bizan- tinas e/ou califais, ao mesmo tempo que se pronunciam por um afastamento da chamada arte visigótica (síntese historiográfica em Fernandes, 2005: 267 -270). Leituras mais recentes têm chamado a atenção para a ocorrência da haste sinu- soidal com cachos de uvas e palmetas em estuques omíadas logo no século VIII (Real, 2014: 318 e 348) e para o fundo islâmico da composição dos leões afrontados, colocados de perfil em torno de uma estilizada árvore da vida, que

Fig. 5. Lintel epigrafado encontrado nas escavações da Praça Nova,

é também frequente em tecidos e marfins produzidos em contextos islâmicos (Real, 2014: 320). Pela minha parte, tenho insistido na relação compositiva com a produção têxtil bizantina, uma vez que o modelo de leões parece decal- cado de um tecido hoje conservado no Diöcezanmuseum de Passau (Alemanha) (Fernandes, 2002b: 69).

Os têxteis bizantinos são também a influência dominante nos pilares do antigo mosteiro de Chelas e da Casa dos Bicos (fig. 7), o primeiro dos quais descoberto no subsolo da igreja, “abrindo -se os alicerces da Capella -Mór” (Aze- vedo, 1652: lv. III, 34). A circunstância de estes dois pilares, praticamente idên- ticos entre si, terem surgido em pontos tão afastados da cidade merece alguma ponderação, sobretudo tendo em conta a dispersão de materiais catalogáveis como moçárabes na zona ribeirinha da cidade medieval. Fernando de Almeida supôs que ambos procedessem do mosteiro de Chelas e que, por algum acaso e em altura incerta, um deles tivesse sido integrado numa obra na Casa dos Bicos (Almeida, 1958: 8 -9). Nos meus textos mais recentes, tenho assumido esta perspectiva (Fernandes, 2015: 207), embora reconheça que Luiz Marinho de Azevedo se referiu apenas ao aparecimento de um pilar aquando das obras de início do século XVII na cabeceira da igreja de Chelas. Não é de descartar, todavia, que se tenha registado a construção de um templo cristão na zona baixa da cidade (eventualmente no sítio onde, séculos depois, se construiu a sé românica, como supõe Real, 1998: 49 e 51), ao mesmo tempo que se erguia a obra moçárabe de Chelas, e que ambos os estaleiros tenham recorrido aos mesmos modelos e à

Fig. 6. Friso dos Leões, procedente do antigo Mosteiro de Chelas, séc. IX-X, calcário. Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo,

n.º inv. Esc. 406). ©DGPC/ADF. Foto: José Pessoa.

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Fig. 7. Pilar do antigo Mosteiro de Chelas, séc. IX-X, calcário.

Lisboa, Museu Arqueológico do Carmo, n.º inv. Esc. 404). © DGPC/ADF. Foto: José Pessoa.

mesma oficina escultórica. O assunto não está encerrado. Por vicissitudes várias, os dois pilares estão (re)unidos no Museu Arqueológico do Carmo, onde deram entrada em alturas dife- rentes (1898 e 1942). O estudo que tive ocasião de efetuar sobre a riqueza da sua escultura e iconografia (que tem origem no imaginário sassânida da Alta Idade Média, como provou Hoppe, 2000: 315 -316), levou -me a concluir que o produto final ali observado corresponde à transposi- ção para a pedra de um modelo pra- ticamente idêntico aplicado num tecido bizantino do século X, hoje conservado no National Design Museum de Nova Iorque (Fernan- des, 2005: 275; 2015: 208; também Real, 2000: 52 e 2014: 320 e 347).

O espólio escultórico do antigo

mosteiro de Chelas representa a dimensão mais deslumbrante do moçarabismo lisboeta. Para o que interessa discutir neste texto, estas obras certificam um grau de requinte, monumentalidade e internacionalização (certamente por via marí- tima) que não cessa de surpreender, ao mesmo tempo que comprovam a impor- tância dos cristãos lisboetas e respectivos locais de culto. Já se mencionou o facto de Chelas ter ocupação cristã desde, pelo menos, o século VI. O conjunto arqui- tetónico foi alvo de uma ampla reforma criticamente datada entre finais do século IX e os meados da centúria seguinte. Vários autores têm salientado a tra- dição de deposição de relíquias de Santo Adrião, Santa Natália e demais compa- nheiros no final do século IX, incluindo -se Lisboa no itinerário dos nobres asturianos que, vindos do Oriente, traziam relíquias daqueles santos (Azevedo, 1652: lv. IV, 204), as quais vieram dar origem à igreja de San Adrián de Tuñón, tradicionalmente sagrada em 891, mas com reservas por parte da historiografia atual (Adán e Cabo, 1992: 207). Mário de Gouveia (2007: 394 e 398, nt. 26), no entanto, salientou a falta de informação alto -medieval sobre o culto a estes santos em Chelas e, embora subsistam outros indícios que sugerem uma reno- vação moçárabe do culto a partir da deposição de relíquias daqueles santos, em

particular uma desaparecida lápide, cujo desenho foi publicado por Inácio de Vilhena Barbosa (1862 -1865: ano VII, 376), na verdade faltam dados de natu- reza histórica que contextualizem a obra moçárabe de Chelas, para lá das evi- dências estilísticas dos materiais associados a esse período (síntese em Fernandes, 2009: 75 -77).

A ampla renovação moçárabe que se adivinha no mosteiro de Chelas foi acompanhada por outras obras dentro do perímetro citadino. Os materiais que ainda se conservam na sé de Lisboa e outros que têm aparecido na antiga zona ribeirinha, num raio alargado mas que acompanha genericamente o traçado da Cerca Velha (cf. mapa 3), asseguram ao patrocínio moçárabe um conjunto de obras de difícil caraterização, mas que poderá associar -se a um grande templo, possivel- mente a própria sé cristã em tempos de domínio islâmico (como sugere Real, 1998: 49), ou, tendo em conta a grande dispersão de materiais, a mais que uma igreja.

Os mais importantes vestígios procedem da sé, em cuja obra românica se reaproveitaram materiais moçárabes. A placa do paraíso (fig. 8), assim chamada por, em dois arcos concheados que a integram, terem sido esculpidos dois cor- deiros em primeiro plano, que se associam, num plano secundário, a um ele- mento vegetal que pode ser catalogado como árvore da vida (Fernandes, 2002b: 79 -81) revela analogias artísticas com a produção cordovesa de marfins e outras realizações omíadas peninsulares de inícios do século X, sendo recorrentemente citado o paralelo formal que denota com uma placa do alcácer de Córdova que

Fig. 8. Placa do Paraíso da Sé de Lisboa, séc. X [atr.]. Calcário. Lisboa, Sé de Lisboa (claustro).

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atualmente se expõe no Museu Arqueológico Nacional de Madrid (Real, 1998: 80). Ainda que possivelmente posterior às obras de Chelas – a placa do paraíso tem vindo a ser datada já da segunda metade do século X e denota um tratamento mais cuidado e profundo do campo escultórico (Real, 2000: 198, entre outros trabalhos do autor) –, este provável frontal de altar repete, recorrendo a outros modelos, uma mesma iconografia do paraíso que percorre as realizações artísticas do moçarabismo lisboeta (os leões guardiães da árvore da vida no friso dos leões e os simorghs, pássaros fantásticos que, na tradição sassânida, vivem no topo da árvore da vida), chegada ao extremo ocidental do mundo medieval graças ao sucesso dos tecidos bizantinos, circunstância que se fez também sentir na ten- dencialmente anicónica arte asturiana do século IX (Fernandes, 2015: 207 -216). A sé de Lisboa forneceu mais dois fragmentos, ambos de grande relevância para a caraterização artística do moçarabismo local. Uma imposta (fig. 9), atual- mente conservada nas reservas da catedral, no claustro, exibe um motivo vege- talista muito homogéneo, composto por sequências do que pode considerar -se um desenho de “maçãs”, definidos por dupla aresta, intercalados superiormente por palmetas trifólias, sendo a composição delimitada por um pouco relevante encordoado em aspa. A atribuição da peça a contextos moçárabes não oferece dúvidas (Real, 2000: 52) e, adiante, ver -se -á como esta decoração foi copiada, sensivelmente na mesma altura, no importante conjunto escultórico de Faião (concelho de Sintra). A outra peça está incorporada num dos contrafortes meri- dionais da secção ocidental da catedral (fig. 10). Trata -se de uma peça de grandes dimensões, que na origem deve ter sido um elemento arquitetónico romano de assinalável monumentalidade, possivelmente uma cornija ou outro segmento de entablamento. Pelo menos uma das faces foi reutilizada em época moçárabe,

Fig. 9. Imposta com decoração vegetalista, séc. X [atr.]. Calcário. Lisboa, Sé de Lisboa (claustro).

altura em que deve ter sido transformado em placa de cancela / frontal de altar no complexo jogo de eikonosthakis (iconostases) da liturgia hispânica observada nos templos moçárabes. Na escassa superfície visível observam -se dois elementos escultóricos que aproximam a peça da placa do paraíso: dois arcos concheados, delimitados por moldura encordoada, constituindo esta recorrente relação entre temas que aparecem em diferentes peças deste núcleo uma das marcas dos ateliers moçárabes de Lisboa.

As peças encontradas na zona mais baixa da cidade, junto ao rio Tejo, apre- sentam uma decoração essencialmente geométrica, mas de grande variedade com- positiva e evidente qualidade. O segmento de cancela (fig. 11) encontrado na Rua dos Bacalhoeiros, e que se conserva no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta, é uma dessas obras. Exibe um “horror ao vazio” que caracteriza os pilares do mosteiro de Chelas e da Casa dos Bicos e tem a particularidade de conter uma moldura quadrilobada, em cujo interior se esculpiu uma águia (de que resta a cauda em forma de concha e as duas garras) que segue fielmente modelos bizan- tinos do mesmo período, designadamente uma placa do século X do Museu Bri- tânico, em Londres (Fernandes, 2009: 90). Nas bandas laterais da peça vêem -se os motivos de “maçãs” que se encontram na imposta da sé de Lisboa, bem como as palmetas trifólias, aqui tratadas de forma mais exuberante, como verdadeiros arbustos, uma vez que o escultor dispôs de mais espaço para elaborar o tema.

A antepenúltima peça que menciono a propósito dos moçárabes de Lisboa foi descoberta mais recentemente (devo o seu conhecimento a Maria Antónia Athayde Amaral, que me permitiu estudá -la e publicá -la em primeira mão, Fer- nandes, 2009: 72 -77). Ela cobria um bocal da cisterna do Chafariz d’el Rei e tem a particularidade de ser decorada em ambas as faces, ainda que uma delas esteja muito gasta, certamente por ter servido de soleira ou mesmo de pavimento. Está fragmentada em todos os quatro lados, tendo essas fraturas sido determi- nadas pela intenção de se obter um elemento quadrangular adaptado ao bocal do que provisoriamente penso ter sido o solo da obra gótica do chafariz. Na origem, tratar -se -ia, com probabilidade, de uma grande cancela litúrgica (fig. 12), elemento de separação física incorporado numa eikonosthasis (iconostase) que separaria o cruzeiro da nave central ou, mesmo, a abside do cruzeiro. O facto de a peça ter recebido a mesma decoração em ambas as faces indica que foi conce- bida para ser vista dos dois lados, figurando assim num local de grande visibili- dade num perdido templo da zona ribeirinha da cidade. O fragmento corresponderia à zona superior esquerda da peça, pois ainda exibe a saliência para se adaptar provavelmente à caixa murária a que estava aplicada e, no reverso, é ainda bem visível a moldura que limitava a composição escultórica. O facto mais

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curioso é que a decoração esco- lhida tem evidentes analogias for- mais com outras obras moçárabes locais. É o caso do que poderia ser uma bandeira de arco concheada, de que apenas se conserva uma pequena parte (que recorda a placa

do paraíso da sé de Lisboa), ou uma

sucessão regular de composições geométricas formadas por rosetas quadrifoliadas inscritas em losan- gos, que alternam com soluções vegetalistas triangulares, esquema que tem paralelo formal imediato na chamada placa dos losangos, atualmente exposta no Museu Arqueológico do Carmo.

A frequente utilização de temas comuns em peças de distin- tas procedências é uma marca do núcleo artístico moçárabe lisboeta que uma análise mais profunda

revela, para lá da erudição, coerência iconográfica e qualidade escultórica que estudos recentes têm salientado. Com base no reportório temático, é possível sugerir estar -se na presença de produções saídas de uma mesma oficina, ativa durante algumas décadas (possivelmente ao longo de mais que uma ou duas gerações de artistas) e que teve a seu cargo um amplo programa de construção/ renovação do conjunto de edifícios ao serviço da comunidade cristã durante o século X. Este programa atuou sobre a área mais alta da cidade (paredes meias com o castelo) e teve continuidade na zona ribeirinha (com um ou mais templos entre a atual sé românica e a Cerca Velha). Este impressionante período de fulgor teve a sua melhor manifestação (pelos dados conhecidos) no mosteiro de Chelas, instituição religiosa periurbana que polarizaria um núcleo populacional cristão importante para a cidade alto -medieval. É ainda possível que outras obras se tenham registado em Santos -o -Velho, outro mosteiro periurbano de ancestral importância para o cristianismo local, e na igreja de São Cristóvão, anteriormente designada por Santa Maria de Alcamim e cujos alicerces revelam ainda restos de aparelho medieval, porém sem elementos de datação aproximada. A igreja

Fig. 10. Possível cancela (ou frontal de altar) reaproveitada

nos alicerces do sector sudoeste da catedral românica de Lisboa, séc. X [atr.]. Calcário. Lisboa, Sé de Lisboa. Foto: Paulo Almeida Fernandes.

localizava -se fora de portas, abrindo para o arrabalde ocidental. O topónimo Alcamim deve ser entendido como “caminho” (Rei, 2005: 28 -29), tendo em atenção que o templo ficava junto a uma das mais importantes portas da cidade e na estrada que se dirigia para Norte.

Infelizmente, a visibilidade da comunidade moçárabe não tem correspon- dência com o que se conhece da cidade islâmica. É até paradoxal o que se pode dizer em relação às marcas deixadas pelas distintas comunidades na Lisboa alto- -medieval. Se, por um lado, é possível sugerir uma notável dinâmica do sector cristão, até com um percurso evolutivo a partir dos vestígios conservados, em relação às marcas deixadas pelos agentes vinculados ao Islão o panorama é pouco menos que desolador, sensação agravada pelo facto de ter sido a comunidade islâmica a dirigir a cidade e de, por isso, ter certamente promovido importantes alterações urbanísticas e emblemáticos projetos construtivos. Parte dos autores opta por salientar o registo cronístico, sistematicamente tardio, que elogiou a fertilidade dos campos, a riqueza natural ou a fácil ligação ao mar (Farinha, 1994: 510; Coelho, 1996: 268 -269; Torres, 2001: 74).

Fig. 11. Placa de separação litúrgica resgatada na Rua dos Bacalhoeiros, séc. X [atr.]. Calcário.

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O pouco que se conhece acerca da Lisboa islâmica permite propor que a cidade foi ganhando importância para o bloco islâmico à medida que avançou o século X. Prova disso é o facto de a urbe ter sido catapultada para uma posição fronteiriça por volta de 937, ano em que o governador escalabitano, aparente- mente com o apoio da população, deixou de obedecer ao califa e pediu ajuda a Ramiro II, assim formando uma marca ocidental que, não obstante ter -se reve- lado efémera, separava os territórios em poder do Islão da cidade de Coimbra. Outro argumento para realçar a importância de Al -Uxbuna relaciona -se com a progressão do comércio marítimo, por oposição à lenta estagnação das rotas terrestres. O assunto tem sido estudado por Christophe Picard, que concluiu que a fortificação do litoral ocidental cresceu ao longo do século IX, em paralelo com a vitalidade da frota islâmica regional (Picard, 1997: 99 -100). E é impor- tante ter em consideração que parte essencial do espólio escultórico moçárabe, atrás mencionado, só se explica pela relevância do comércio com o Mediterrâneo Oriental proporcionado pelas vias marítimas controladas pelos navios muçul- manos.

Fig. 12. Segmento de cancela (ou frontal de altar) encontrado em 2009 no Palácio do Chafariz del Rei, séc. X. Calcário.

Esta é (um)a tendência autorizada pelos escassos dados disponíveis de natu- reza documental. Pouco ou nada se sabe sobre a cidade islâmica propriamente dita, embora ela tenha sido impactante o suficiente para, ainda hoje, marcar alguns bairros históricos, onde o casario e a malha urbana recordam um certo urbanismo islâmico. O sistema defensivo é também ainda escassamente conhecido. Já se admitiu que uma incursão de Ordonho III, em 953 ou 955 (Marques, 1988a: 81), possa ter destruído parte das muralhas que defendiam a urbe (Pradalié, 1975: 15, Coelho, 1996: 275, ainda Barceló, 2013: 173) e, pouco anos depois, em 965 ou 966, uma vaga notícia menciona uma expedição normanda que entrou pela foz do Tejo e que António Borges Coelho admite não ter conseguido con- quistar a cidade (Coelho, 1996: 275). No entanto, é de salientar que, numa lista islâmica de 937, Lisboa aparece mencionada sem madina (Barceló, 2013: 175), possível indicador de que a cidade não dispunha de um sistema defensivo eficaz ou sequer atualizado, ou, em alternativa, que não era verdadeiramente relevante para a estratégia global islâmica na Península naquela altura. Certo é que só em 985 é que se terá registado uma grande campanha construtiva na área do castelo, empreitada a que alude uma inscrição encontrada em julho de 1939 (Silva, 1944: 100 -101, n.º 7) e hoje visível no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta. Trata -se de um letreiro comemorativo da “restauração” da cidade empreendida em tempo do califa Hisham II e terminada em abril de 985 (leitura de Barceló, 2013: 172), que com probabilidade foi colocada em lugar de destaque na muralha do castelo, entre duas torres de grande relevância. De acordo com as arqueólogas que, há duas décadas, têm dedicado parte do seu labor a estudar o castelo, a estrutura da alcá- çova e do castelejo “não diverge no fundamental do traçado de época islâmica” (Gomes e Gaspar, 2001: 397), embora os dados de procedência arqueológica sejam escassos, geograficamente limitados e apontem mais para cronologias do século XI que da centúria precedente. A mais completa publicação de dados sobre o castelo deve -se à equipa coordenada por Alexandra Gaspar e Ana Gomes (2001 e 2003). No mais recente destes contributos, as autoras passaram em revista as áreas escavadas e os principais materiais resgatados. Compreensivelmente, as fases islâmicas estão bastante representadas, mas não foi possível apresentar cronologias mais finas, à exceção das unidades estratigráficas onde se detetaram fragmentos de cerâmica pintada a branco, datável a partir de meados do século XI (2001: 120). As conclusões apontam, assim, para uma maior prevalência de vestígios do século XI,

No documento Bispos e arcebispos de Lisboa (páginas 66-85)