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Capítulo I Da origem do ser vivo à interação social:

2. O conhecer

2.3. A Plasticidade do Sistema Nervoso

Com base em seus experimentos, Maturana e Varela afirmam que, mesmo que mantenhamos inalterada a alimentação e a irrigação de um músculo, mas cortemos sua conexão nervosa, ou seja, o tráfego elétrico e químico, este irá se atrofiar. No entanto, se deixarmos o nervo entranhar novamente o músculo, este se recuperará. Isto provaria que

os pontos de interações entre as células são delicados equilíbrios dinâmicos, modulados por um incalculável número de elementos que desencadeiam mudanças estruturais locais, e que se produzem como resultado da atividade destas mesmas células, e de outras células, cujos produtos circulam pela corrente sanguínea e irrigam os

38 Cambios moleculares resultan em câmbios em la eficácia de las interacciones sinápticas que pueden modificar drásticamente el modo de operar de grandes redes neuronales. (MATURANA, 1984:112).

neurônios, como parte da dinâmica de interações do organismo em seu meio39.

Todo sistema nervoso possui plasticidade apesar desta característica ser mais visível nos vertebrados e, em particular, nos mamíferos. A visibilidade da plasticidade dos mamíferos, contudo, nada mais é do que uma atribuição relacionada à conduta de um organismo, que por sua vez também é uma atribuição de um observador. Quais são exatamente as mudanças estruturais que estão envolvidas nesta moldagem do sistema nervoso e como esta moldagem do “modo de interação neuronal resulta em mudanças bem definidas que podemos observar na conduta” (MATURANA e VARELA, 1984), para os biólogos ainda é impreciso.

Assim, não há interação, não há acoplamento que não deixe um efeito no operar do sistema nervoso, como resultado das mudanças estruturais que desencadeiam nele. A nós, em particular, toda experiência nos modifica, mesmo que às vezes as mudanças não sejam absolutamente visíveis40.

39 Los puntos de interacciones entre las células son delicados equilibrios dinámicos, modulados por un sinnúmero de elementos que gatillan cambios estructurales locales, y que se producen como resultado de la actividad de esas mismas células y de otras células cuyos productos viajan por el torrente sanguíneo y bañan las neuronas, todo como parte de la dinámica de interacciones del organismo en su medio. (MATURANA e VARELA, 1984:112). 40 Así, no hay interacción, no hay acoplamiento que no deje un efecto en el operar de sistema nervioso como resultado de los cambios estructurales que gatillan en él. A nosotros en particular, toda experiencia nos modifica, aunque a veces los cambios no sean del todo visibles. (MATURANA e VARELA, 1984:113).

Na visão dos autores, contudo, quaisquer que sejam os mecanismos precisos das mudanças estruturais da moldagem do sistema nervoso e dos resultados desta moldagem, estas mudanças não podem ser vistas como parte de uma experiência de introdução de algo em algum espaço do cérebro. Esta situação não poderia ocorrer, em primeiro lugar porque as mudanças estruturais ativadas no sistema nervoso – que são resultados de mudanças de atividade relativa em uma rede neuronal –, por necessidade, são distribuídas. A conduta de responder a um nome é uma descrição que faz um observador de certas ações que resultam de certas configurações sensório-motoras que, pela necessidade de seu operar interno, envolvem, em um sentido estrito, todo o sistema nervoso.

Organismo, sistema nervoso e meio operam reciprocamente de forma a manter suas organizações em adequação entre si, enquanto realizam suas mudanças estruturais. Este fenômeno relacional de preservação da organização é um fenômeno de aprendizagem, que enquanto observadores também verificamos e designamos como conduta adequada entre organismo e meio. Esta congruência em situação de mudança pode ser vista como o fator mais fantástico do viver de um ser, ainda mais pelo fato de não descartar a interação como fator desencadeante.

Como observadores podemos ainda especificar, pela configuração da estrutura, dois tipos de condutas: inatas são as condutas que se baseiam em estruturas dadas geneticamente e aprendidas aquelas que se baseiam em

estruturas que se definem a partir de histórias de interações. Porém, no operar do sistema nervoso não há distinção entre estes dois tipos de conduta. Esta distinção depende do acesso à história que possui o observador.

Notemos bem que as condutas inatas e as aprendidas são, como condutas, indistinguíveis em sua natureza e em sua realização. A distinção está na história das estruturas que a faz possível e, portanto, o que possamos classificá-la como uma ou como outra, vai depender de que tenhamos acesso ou não à história estrutural pertinente. No

presente do operar do sistema nervoso não há distinção41.

Em resumo, o sistema nervoso participa no processo cognitivo de um organismo de duas formas: ampliando o âmbito de estados possíveis do organismo – através de sua imensa plasticidade, criando inúmeras possibilidades sensório-motoras –, e abrindo para o organismo novas dimensões de acoplamento estrutural, possibilitando a associação de diferentes estados internos com diferentes interações possíveis. Sendo assim, a presença do sistema nervoso amplia as capacidades de conhecimento de um organismo por permitir a ampliação dos estados

41 Notemos bien que las conductas innatas y las aprendidas son, como conductas indistinguibles en su naturaleza y en su realización. La distinción está en la historia de las estructuras que las hacen posibles y, por lo tanto, el que podamos clasificarlas como una o como otra, va a depender de que tengamos acceso o no a la historia estructural pertinente. En el presente del operar del sistema nervioso no hay distinción. (MATURANA e VARELA, 1984:114)

internos, inclusive com a participação do cérebro e a diversidade de interações.

Quando em um organismo temos um sistema nervoso tão variado e tão vasto como o do homem, seus domínios de interação permitem a geração de novos fenômenos ao permitir novas dimensões de acoplamento estrutural. No homem isto, por último, faz possível a

linguagem e a autoconsciência42.