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PLATAFORMA VIMEO E O TRANSBORDAMENTO DE CONTEÚDO

No documento Fitas Magnéticas na Cultura Digital (páginas 101-104)

CAPÍTULO 3 – ESTUDO DE CASO – VÍMEO E VÍDEOS ANALÓGICOS

3.3 PLATAFORMA VIMEO E O TRANSBORDAMENTO DE CONTEÚDO

espectarialidade no DVD”, estuda inúmeros recursos e inovações no dvd e dá atenção especial ao que ele caracteriza como transbordamento dos conteúdos audiovisuais naquela mídia. De acordo com sua pesquisa, as potencialidades proporcionadas por hyperlinks na fruição do dvd, somadas a sua capacidade de armazenamento de conteúdos extras no disco (faixas comentadas, documentários, textos encartados ou albuns de fotografias disponíveis no menu de apresentação) propiciariam ao espectador uma compreensão mais ampla da obra matricial, ampliando sua experiência e seu conhecimento acerca de um determinado filme ou vídeo.

As reflexões sobre “transbordamento” no dvd constituem-se em excelente ponto de partida para abordarmos o modelo espectatorial das plataformas audiovisuais online com seus inúmeros recursos e suas capacidades remissivas no ambiente da Web 2.0.80

Em virtude deste repertório de recursos e ainda em razão da tecnologia de arquivo característicos do ambiente online, as plataformas audiovisuais autorizam um comportamento espectatorial distinto das formas tradicionais de assistir a televisão, marcadas por uma subordinação à programação em sequência linear da grade (Massarolo, Mesquita 2017). Em oposião à conduta adotada pelo espectador televisivo, o procedimento assumido pelo usuário de plataformas online é influenciado por um ambiente “dotado de urgência por trânsito e por conectividade” (Monaño, 2012). Tal comportamento amplia-se na medida em que o participante do processo não somente está liberado para ver, mas também para pesquisar ou deslizar por inúmeras janelas,

80 - Termo que designa uma segunda geração de comunidades e serviços, orientada pelo conceito da “web como plataforma”, envolvendo wikis, aplicativos baseados em folksonomia, redes sociais, blogs e tecnologia da informação – Wikipedia

102 ramificações e desdobramentos de um determinado conteúdo. O usuário pode ainda compartilhar, comentar, criar canais, coleções e playlists de reprodução com diversos audiovisuais visitados em seu percurso nesta jornada espectatorial de duração e trajeto indeterminados.

Elementos adicionais ao vídeo postado têm sido frequentemente utilizados no Vimeo. São recursos que servem como “transbordamento” e que ampliam o universo narrativo do conteúdo exibido na plataforma. Informações escritas e visuais que ajudam a contextualizar, expandir ou redimensionar a percepção do usuário sobre determinada obra. O vídeo Memorex81, por exemplo, hospedado na página do Vimeo sob o perfil “Smash TV”, explora muitas capacidades remissivas e recursos do ambiente online. Além da contextualização colocada na página, os autores da postagem disponibilizam links para download da trilha sonora em mp3 e dispõem os sites que contêm parte das imagens originais utilizadas no conteúdo.

Memorex é um vídeo com aproximadamente 50 minutos de duração e que compila fragmentos de mais de “quarenta horas de comerciais dos anos 80 retirados de fitas VHS distorcidas”82. Montado por um VJ (video jockey) ao som de uma trilha original confeccionada exclusivamente para servir de base às imagens editadas, Memorex é um audivisual de difícil classificação, embora se aproprie e reconfigure algumas convenções características dos videoclipes. A propósito, nas considerações finais de seu livro “A Invenção do Videoclipe: A História por Trás da Consolidação de um Gênero Audiovisual”, Holzbach chama atenção para o deslizante e volátil caráter do videoclipe contemporâneo no ambiente da internet. Ao examinar uma homenagem audiovisual coletiva prestada à cidade estadunidense de Grand Rapids, em Michigan, a autora argumenta que:

novos contextos socioculturais vêm causando mudanças não apenas na maneira como o videoclipe ganha legitimidade, mas sobretudo na sua linguagem, ou seja, nas convenções estruturais que o definem (HOLZBACH, 2016, p.249)

81 - Disponível em - https://Vimeo.com/55006097 - acessado em 24/02/2019

82 - “Sourced from over forty hours of 80s commercials pulled from warped VHS tapes” – Tradução minha

103 “Memorex” utiliza-se de uma estrutura e de uma duração (aproximadamente 50 minutos) pouco convencionais em relação ao contexto de videoclipes dos anos de 1980, período ao qual o audiovisual presta homenagem. Sobreposta a uma trilha sintetizada com timbre crescente ouvimos uma voz distorcida e reverberante que anuncia em tom profético: “fitas de áudio memorex e fitas de vídeo memorex para sempre indagarão... é ao vivo ou é memorex?” Em seguida, imagens desbotadas em Computações gráficas dos anos 1980 misturadas com vinhetas esmaecidas de logomarcas das grandes corporações globais mesclam-se a diferentes tomadas de mãos introduzindo fitas de vídeo em gravadores de VHS. O conjunto das cenas utilizadas na versão de “Memorex” faz parte de diferentes arquivos descritos pelos próprios criadores da publicação como “autênticos” e como testemunhos da era do “excesso”. O ritmo adotado em sua edição produz uma narrativa visual que busca evocar memória e nostalgia através de “uma recontextualização das propagandas – detritos culturais, os mais ordinários da baixaria – em algo completamente mais profundo, bem-humorado e, às vezes, até bonito” (www.Vimeo.com/55006097)

Figura 25: Vídeo “Memorex”

Print Screen do vídeo “Memorex” – o vídeo alcançou 307 mil visualizações

Sobre o inefável encanto inerente às imagens borradas e descromatizadas de fitas VHS surradas, copiadas ilicitamente e passadas de mãos em mãos, Hildelbrand (2004) analisou o que chamou de “estética bootleg” das fitas piratas. Em seu artigo “Grainy Days and Mondays: Superstar and Bootleg Aesthetics” (2004, p. 3), o autor

104 observa que as imagens esvanecidas das fitas piratas “inscrevem uma estética subterrânea que exibe o engajamento do público”83 e reconfigura sua percepção histórica e sua emoção em relação ao conteúdo. Nesse sentido, “Memorex” é explícito no texto da página em que propõe uma coerência entre a precariedade sonora e o desbotamento visual casados no vídeo. “O áudio é um perfeito acompanhamento para as cenas distorcidas e estranhamente nostálgicas, como se tivesse sido retirado de uma fita cassete da infância que passou 25 anos torrando debaixo do sol” (www.Vimeo.com/55006097).

Considerando que o ambiente digital é caracterizado como um universo no qual a perpetuação de conteúdos está isenta de degradações ou de deteriorizações, não deixa de ser curioso que a circulação de material desbotado oriundo de antigas fitas VHS na plataforma Vimeo esteja, por esta razão, protegida em sua genuína tosquice e estética peculiar.

No documento Fitas Magnéticas na Cultura Digital (páginas 101-104)