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3.3 O processo de reordenamento da assistência e a conceituação de autonomia e

3.3.2 PNAS (2004) e NOB/SUAS(2005): Protagonismo e Autonomia como elementos

Ainda que os conceitos de autonomia e protagonismo não tenham sido debatidos de forma aprofundada durante o processo de reformulação da PNAS, eles foram introduzidos, aprovados e incorporados ao texto final da PNAS (2004) e NOB/SUAS (2005) pelo órgão máximo de deliberação da PNAS, o Conselho Nacional de Assistência Social, CNAS.

Conforme descrito, nos documentos selecionados para a nossa análise observamos a indicação do termo protagonismo pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e pelo representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com uma conotação de participação e fortalecimento do controle social. Já o conceito de autonomia defendido pela professora Aldaíza traz a proposta de aumento das capacidades dos indivíduos e remete às ideias de desenvolvimento como liberdade de Amartya Sen.

Para prosseguirmos com a nossa análise, partiremos dessa constatação e ainda teremos como referência os fundamentos teóricos que embasam as proposições do Conjunto CFESS/CRESS e as proposições do Banco Mundial sobre autonomia e protagonismo para saber se eles possuem relação com a perspectiva incorporada ao texto final da PNAS (2004) e NOB/SUAS(2005).

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De acordo com a nossa análise o conceito de autonomia relacionada aos usuários aparece na PNAS 10 vezes e NOB/SUAS 08 vezes. Já o conceito de protagonismo aparece 06 vezes na PNAS e 07 vezes na NOB/SUAS. Ao todo, os conceitos de autonomia aparecem 18 vezes e protagonismo 13 vezes no texto final desses documentos.

Conceitos Documentos PNAS NOB/SUAS Autonomia 10 08 Protagonismo 06 07 Auntonomia e Protagonismo 18 13

Tabela 2- Frequência dos Conceitos de autonomia e protagonismo na PNAS (2004) e NOB/SUAS (2005).

O texto da PNAS (2004) é composto pelos seguintes itens: Resolução, Apresentação, Introdução, Análise Situacional, Política Pública de Assistência Social, Gestão da Política Nacional de Assistência Social-SUAS e Considerações Finais. Ao longo do texto da PNAS, os conceitos de autonomia e protagonismo foram identificados ao longo de todos os capítulos como veremos.

No capítulo que trata da Análise Situacional, identificamos o conceito de autonomia como componente de uma nova concepção da política de assistência social que pretende dar continuidade aos princípios constitucionais de 1988 e da LOAS/1993, mas que traz “uma visão inovadora”, que identifica os riscos e vulnerabilidades,27 mas também os “recursos” , “capacidades”, “desejos”, “possibilidades” que o individuo possui para enfrentá-las.Nessa visão

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Para aprofundamento desses conceitos na PNAS sugerimos ler: ALVARENGA.Mirella Souza Risco e Vulnerabilidade: Razões e Implicações do uso na Política Nacional de Assistência Social dissertação de mestrado. UFES, 2012.

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a autonomia do individuo é determinada pelas circunstancias e contexto social dos indivíduos e famílias.

[...] A opção que se construiu para exame da política de assistência social na realidade brasileira parte então da defesa de um certo modo de olhar e quantificar a realidade, a partir de:

• Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado pela ConstituiçãoFederal de 1988 e pela Lei Orgânica da Assistência Social de 1993, pautada nadimensão ética de incluir “os invisíveis”, os transformados em casos individuais,enquanto de fato são parte de uma situação social coletiva; as diferenças e osdiferentes, as disparidades e as desigualdades.

• Uma visão social de proteção, o que supõe conhecer os riscos, as vulnerabilidadessociais a que estão sujeitos, bem como os recursos com que conta para enfrentartais situações com menor dano pessoal e social possível. Isto supõe conheceros riscos e as possibilidades de enfrentá-los.

• Uma visão social capaz de captar as diferenças sociais, entendendo que ascircunstâncias e os requisitos sociais circundantes do indivíduo e dele em suafamília são determinantes para sua proteção e autonomia. Isto exige confrontara leitura macro social com a leitura micro social.

• Uma visão social capaz de entender que a população tem necessidades, mastambém possibilidades ou capacidades que devem e podem ser desenvolvidas.Assim, uma análise de situação não pode ser só das ausências, mas tambémdas presenças até mesmo como desejos em superar a situação atual.

• Uma visão social capaz de identificar forças e não fragilidades que as diversassituações de vida possua (BRASIL, 2005, p.15).

O texto reforça ainda um “duplo efeito” dessa nova concepção onde o conceito de autonomia aparece como resultado do desenvolvimento de capacidades aliada ao desenvolvimento humano e social. Observamos também a defesa de que o desenvolvimento está ligado à capacidade de acesso a bens e recursos que por sua vez exigem o aumento das capacidades das famílias e dos indivíduos.

A nova concepção de assistência social como direito à proteção social, direitoà seguridade social tem duplo efeito: o de suprir sob dado padrão pré-definido umrecebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia. Neste sentido ela é aliadaao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista, ou ainda, tão sóprovedora de necessidades ou vulnerabilidades sociais. O desenvolvimento depende tambémde capacidade de acesso, vale dizer da redistribuição, ou melhor, distribuição dos acessos abens e recursos, isto implica incremento das capacidades de famílias e indivíduos (BRASIL, 2005, p.15-16).

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Observamos ainda neste capitulo que dados do “Atlas de Desenvolvimento Humano/2002” 28,subsidiaram a análise da dinâmica demográfica associada aos processos de exclusão.

Nessa direção, tendo como base informações do Censo Demográfico de 2000 e daSíntese de Indicadores Sociais - 2003, elaborado a partir das informações da PesquisaNacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2002, do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística – IBGE, bem como o Atlas de Desenvolvimento Humano 2002, e tendo a Políticade Assistência Social assumido a centralidade sócio familiar no âmbito de suas ações,cabe reconhecer a dinâmica demográfica e socioeconômica associadas aos processos deexclusão/inclusão social, vulnerabilidade aos riscos pessoais e sociais em curso no Brasil,em seus diferentes territórios(BRASIL, 2005, p.16).

No capítulo 2,Política Pública de Assistência Social, o conceito de protagonismo aparece como componente de atuação da política ao lado de seu papel de legitimação das demandas da população: “Desse modo, a assistência social configura-se como possibilidade dereconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço deampliação de seu protagonismo (BRASIL, 2005, p.31)”.

Ainda nesse item o conceito de autonomia é inserido como uma das Seguranças Sociais a serem garantidas pela proteção social: “A proteção social deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar[...]”(BRASIL, 2005, p.31).

Dentro disso, aconquista da autonomia é evidenciada como orientação da segurança de acolhida.

Por segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Ela opera com a provisão

28O “Atlas do desenvolvimento humano, 2002”, como demais relatório ligado ao Banco Mundial

recebeu forte a influência dos ideais defendidos por Amartya Sem, tendo inclusive o reconhecimento da equipe responsável por sua elaboração: “A preparação deste Relatório não teria sido possível sem as contribuições valiosas de um grande número de pessoas e de organizações.A equipa do Relatório está particularmente grata a Amartya Sen pelos seus conselhos e interpretações sobre o importante papel da democracia no desenvolvimento humano e pela sua continuada participação anual dos Relatórios do Desenvolvimento Humano” (PNUD, 2002, p. vii).

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de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da autonomia na provisão dessas necessidades básicas é aorientação desta segurança da assistência social. É possível, todavia, que alguns indivíduosnão conquistem por toda a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisõesbásicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência oupor uma restrição momentânea ou contínua da saúde física ou mental (BRASIL, 2005, p.31).

O conceito de autonomia também está presente entre os princípios democráticos que serão respeitados pelaPNAS/2004

[...]III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefíciose serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-sequalquer comprovação vexatória de necessidade(BRASIL, 2005, p.32).

A PNAS/2004, ao tratar sobre o item:Assistência Social e as Proteções Afiançadas demonstra no subitem Proteção Social Básica, uma preocupação da política com o conceito de autonomia sendo alvo de preocupação quanto aos idosos em acolhimento institucional beneficiários de BPC:

Outro desafio é pautar a questão da autonomia do usuário no usufruto do benefício,visando enfrentar problemas como a questão de sua apropriação pelas entidades privadasde abrigo, em se tratando de uma política não contributiva. Tais problemas somente serãoenfrentados com um sistema de controle e avaliação que inclua necessariamente Estados,Distrito Federal, Municípios, conselhos de assistência social e o Ministério Público(BRASIL, 2005, p.34).

Já o conceito de protagonismo se insere nesse item como objetivo das ações de proteção social básica as quais para atingi-lo deverão se articular com as demais políticas intersetoriais.

Os serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica deverão searticular com as demais políticas públicas locais, de forma a garantir a sustentabilidade das ações desenvolvidas e o protagonismo das famílias e indivíduos atendidos, de formaa superar as condições de vulnerabilidade e a prevenir as situações que indicam riscopotencial. Deverão, ainda, se articular aos serviços de proteção especial, garantindo aefetivação dos encaminhamentos necessários(BRASIL, 2005, p.34-35).

O conceito de protagonismo tambémse apresenta na caracterização dos serviçosde proteção social básica como formato de trabalho em conjunto com a