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Conhecer um lugar não significa que sejamos capazes de obter uma imagem definitiva. Conhecer não é sinônimo de apropriar-se de uma essência

98 Freire (1987, p. 179), “A ação cultural, ou está a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens. Ambas, dialeticamente antagônicas, se processam, como afirmamos, na e sobre a estrutura social, que se

imutável. Há um processo dinâmico dos sujeitos humanos históricos com o ambiente e as interações sociais.

Poço D’Antas, se localiza no município de Turmalina. Por sua posição de junção entre estradas e maciços de eucaliptos, está aberta para o movimento das pessoas de dentro e também de fora da comunidade. É um lugar de encontros marcados pela ação-reflexão dos seus habitantes. Não há limites para a “inteligência” coletiva em criar o seu espaço.

A comunidade adensada é cindida por uma rodovia (MG 308), o que produz dois sítios de ocupação. No sentido de Turmalina, vertente à direita, aponta em direção à grota e aquela localizada à esquerda, para o topo da chapada onde há um maior adensamento e se encontram: a capela, o centro comunitário e a escola, a creche, o escritório da empresa Plantar, além da caixa d’Água e a torre de telecomunicação. Esta porção é plana, havendo a confluência de ruas: uma asfaltada, a partir da capela, paralela à rodovia e outras de terra batida paralelas a esta e que são, também perpendiculares. Percebe-se que o eucaliptal cerca as possibilidades de expansão, pois, à comunidade resta uma estreita faixa de terra no topo da chapada. A área ocupada por esta parcela de Poço D’Antas se dissemina a partir da antiga caixa d’água. Em contrapartida, a ocupação instalada na borda da chapada – vertente em direção à grota – ocupa um terreno mais irregular, aumentando a declividade até atingir o fundo do vale (grota) (Figura 10).

FIGURA 10 Perfil parcial de Poço D’Antas

Embora a água que abastece a comunidade rural adensada seja proveniente de uma nascente que se encontra resguardada por uma vegetação de mata, tanto no seu entorno quanto nos flancos imediatamente acima e em direção ao fundo do vale (grota); cabe ressaltar que algumas casas estão assentadas acima desta, o que pode vir a provocar uma contaminação do manancial. Há também um posto com lavagem de automóveis e caminhões cujos efluentes podem estar atingindo a nascente. O próprio leito da rodovia produziu uma nova dinâmica dos processos de infiltração e escoamento da água da chuva o que, de certa feita, deve ter causado algum impacto ambiental (Figura 11).

POÇO D’ANTAS

MG 308

BORDA DA CHAPADA EUCALIPTAL

FIGURA 11 Perfil parcial de Poço D’antas e a captação de água

Poço D’Antas também é o nome do córrego cuja nascente abastece a comunidade. De acordo com o senhor Domingos, líder comunitário99, pelos idos dos anos de 1980 ele e outros companheiros, assessorados por um padre ligado as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), empreenderam a construção de um espaço para o conforto e o acesso a partir da oferta de serviços públicos: escola, energia e água, comunicação, transporte. Um “pedaço de terra” (2 ha) foi adquirido no topo da chapada e as famílias se instalaram, vindas das comunidades rurais dispersas. Há um limiar entre percepções, objetivos, apropriações, expropriações e interesses, no que se refere as atitudes dos sujeitos humanos históricos. Uma relação tempo e espaço, alinhavada pela práxis local, que consubstancia a ação por tempos imemoriais; quando observados de fora, tem-se a memória como elemento de categorização. Surge uma dialética das ações humanas com o tempo, pois, existe uma indissolúvel produção de

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Utiliza-se a expressão líder comunitário ao se referir à pessoa do senhor Domingos, por se tratar de um cidadão envolvido com as causas da comunidade em Poço D’ Antas. Trata-se de um

planejador que utiliza o senso prático “teorizando” de forma dialógica com a realidade.

EUCALIPTO CHAPADA CAIXA D’ÁGUA CÓRREGO DO POÇO D’ANTAS NASCENTE – BARRAGEM SISTEMA DE BOMBEAMENTO RODOVIA MG 308 MATA 900 750 500 ALTITUD E EM METROS GROTA(VALE)

significados a partir do contexto local, gerando uma rede de valores e especificidades.

O senhor Domingos, por ocasião do pré-teste do questionário em Poço D’Antas (maio de 2006), após duas entrevistas, das quais ele participou como ouvinte e uma pausa para o almoço, foi apresentar-me a nascente e as mini- barragens erguidas pela comunidade para represar a água antes da elevação (bombeamento) para a caixa d’água em um desnível presumível de 150 m e uma inclinação de, aproximadamente, 30° na topografia da nascente até o topo da chapada. A cada passo, em direção à grota, relembrava as dificuldades em levar o material para a construção das barragens. A primeira, próximo à nascente, não foi profunda o suficiente, o que permitia a “perda” da água. Tecendo conjecturas sobre a situação atual, interpunha os fatos do passado e as contingências do presente. À meia encosta na trilha, vislumbrando a paisagem (da vertente avista- se a grota – (vale) do córrego do Poço D’Antas – e a vertente oposta da chapada), fez as seguintes análises:

Ainda tem muita gente morando nas grotas. Água aqui não falta, o problema é que a terra está cansada, a produção é baixa. Os terrenos são pequenos e o plantio muito constante. A chegada do eucalipto piorou ainda mais a situação. O povo daqui sempre criou o gado na chapada, a plantação de eucalipto fez o gado descer para a grota. O terreno, que já era pequeno ficou menor para o plantio. O pisoteio do gado e a necessidade de plantar o capim esgotou o solo. O que sobrou foi uma terra seca, difícil de cultivar, mesmo com o adubo.

O senhor Domingos é, “antes de tudo, um forte”. Migrou muito jovem de Rio Pardo de Minas (norte de Minas Gerais), onde nasceu, para o Paraná, em plena expansão da fronteira agrícola. Foi só, mas voltou a sua terra levando, posteriormente, a mãe e a irmã. A sua vinda para Turmalina está marcada pelas contingências, sentimentos, trabalho e terra. Deparou-se, no transcorrer do final

chegavam ao limite no Paraná, ao mesmo tempo em que começava o processo de “modernização” da agricultura brasileira (mecanização, uso de produtos químicos, especialização do trabalho) e inaugurava-se a integração do capital em uma perspectiva industrial. O tempo se esgotando a família da namorada, sua atual esposa, de malas prontas para o retorno à Turmalina. Neste ínterim, sua mãe adoece, o que adia a partida por uns três meses. Contudo, não era só o tempo para a melhora da sua mãe. Para Woortmann (1987, p. 38) “o espaço camponês é um espaço moral”.

Parte, então, para Turmalina e, após alguns dias, chega, de madrugada, em uma terra “estranha”. Confessa a sua “decepção” com o solo comparado ao do Paraná. Vai se ajeitando, nasce o primeiro filho. Ficou um dia inteiro à beira de uma estrada de terra esperando uma carona para Araçuaí. Longa foi a espera. A espera tinha um sentido: registrar o filho. Tem como registro, também, a formação de Poço D’Antas. É um senhor de andar rápido, chega a ser pragmático em suas soluções. “Na comparação” – expressão utilizada por ele ao analisar um fato – a resignação do senhor Domingos, desde a compra do terreno para a formação do adensamento até a sua preocupação com o atual “estado da arte”, é um movimento constante de necessidades e possibilidades, lembrando o conto A terceira margem do rio de Guimarães Rosa (2001).

Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo – a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho (p. 80).

O rio do senhor Domingos é a vida na roça, a fronteira no Paraná, na grota em Poço D’Antas, é o movimento do tempo e dos espaços. O adensamento

na chapada (Figura 12), é a canoa que ele e outros ousaram construir. O tempo corre feito um rio, que pode às vezes mudar de curso mas permanece sendo um rio: tendo o movimento como aliado da renovação. Vai buscando, incorporando novas terras, novos caminhos...

FIGURA 12 Croqui parcial de referência: Poço D’Antas

Pretende-se uma análise dialógica100 das informações obtidas em Poço D’Antas. As famílias de agricultores em Poço D’Antas partiram de suas comunidades rurais dispersas na grota com a estrada pela frente – o acesso e as trilhas pelas costas – o “isolamento”? Olhares para frente com confiança e para trás sem ressentimentos. Saíram, mas não deixaram os lugares. Buscam, ainda, caminhos para se tornarem visíveis: às políticas públicas, ao Brasil. Quem migra, não se movimenta entre, dois pontos de forma linear, produz inter-

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Conforme Morin (2000, p.59), “A dialógica significa que duas ou várias “lógicas” diferentes

CAIXA D’ÁGUA ANTENA CAPELA RESTAURANTE ESCOLA

CRECHE CAMPO DE FUTEBOL

PLANTAR MATA GROTA - NASCENTE N MG 308 TURMALINA 28 Km EUCALIPTO

relações por percepções, atitudes e valores. Migrar é uma entre as várias decisões. Sempre estamos vindo de algum lugar... Somos sempre filhos de algum lugar. Como os dados apontam, a informação e percepção sobre o ambiente das famílias que migraram, não é incompleta, mas composta de múltiplos referenciais. Estas pessoas produziram um espaço de ação-reflexão, isto é, avaliaram as suas condições, definiram as estratégias e produziram o movimento, mas, ainda, continuam a analisar as suas variáveis. São textos construídos, desconstruídos e reconstruídos por uma narrativa do tempo e do espaço. Sobre os motivos que levaram a família a mudar para Poço D’Antas 40% dos entrevistados apresentaram o acesso como motivo; 33% o emprego; 13% a escola e um, entrevistado, o transporte e a proximidade da família foi lembrada por mais um dos entrevistados O acesso foi reforçado como segunda resposta à pergunta, por 53% dos entrevistados.

Por se tratar de um questionário semi-estruturado, admitiu-se que o respondente apresentasse mais de uma resposta. Esta situação permitiu, por sua vez, a confirmação do termo acesso como motivo, fundamental, para as famílias mudarem para Poço D’Antas. Para se analisar este termo, tanto do ponto de vista do significado, quanto do espaço geográfico é necessária a contextualização para o seu entendimento. Ao se avaliar a folha de Minas Novas, MG do IBGE 1983, a partir da topografia, sob a perspectiva geográfica, evidenciam-se alguns elementos. A população que forma Poço D’Antas, no topo da chapada e que se originou nas comunidades rurais dispersas, enfrentava um relevo com aclives que podem chegar a mais de 30°, com altitudes variando de 500 a 550 metros, próximo às margens dos cursos d’água, 750 metros na borda da chapada e 900 metros no topo. Assim, os moradores da grota eram “obrigados” a vencer as declividades topográficas na medida em que os fluxos aumentavam, que os filhos iam para a escola, que estabelecia-se o vínculo com a área urbana e os bens e serviços por esta ofertados, a necessidade de utilização de serviços

bancários, principalmente, para receber os benefícios da previdência, a estrada sendo asfaltada. Os moradores em espaços rurais, dispersos na grota, possivelmente, tiveram a percepção que eram preteridos do acesso (num sentido mais amplo), seja por uma questão geográfica ou pela invisibilidade aos processos de modernização do Brasil, principalmente a energia, a escola, a comunicação, os bens e serviços.

Inter-relacionar os motivos que induzem as famílias a se descolarem por um espaço, produz um sistema de variáveis interdependentes. Reitera-se a afirmação de Woortman (1990 b): “ninguém migra de graça”. São espacialidades em movimento. Um dado interessante é que dos quinze entrevistados, 80% possuem parentes na comunidade adensada de Poço D’Antas, seja pelo lado do marido ou da mulher. Estas famílias “negociaram” novas fronteiras mostraram-se para as políticas públicas?

A pergunta sobre a origem de Poço D’Antas, tinha por objetivo colher informações sobre a história do lugar, na percepção dos entrevistados. Para 40% dos entrevistados o adensamento está associado à idéia de comunidade vinculada as reuniões da Comunidade Eclesial de Base (CEB) da Igreja Católica, nos anos de 1980. Contudo, 60% dos entrevistados não têm nenhum referencial sobre a origem de Poço D’Anta, o que pode indicar o mosaico de comunidades, que a formaram, tendo em vista o relevo, diferentemente, de Campo Buriti cujas comunidades estão localizadas ao longo do vale do rio Fanado, tanto à margem direita, quanto à esquerda. O número de famílias que vivem em Poço D’Antas varia conforme a contabilidade do senhor Domingos (150 famílias) e da agente de saúde Roseane. De acordo coma a agente de saúde o número de famílias é 98 no adensamento na chapada e 118 na grota. A população total atinge o contingente de 525 habitantes e já atingiu 800 habitantes, em tempos de trabalho da colheita de café e emprego nas empresas de eucalipto.

O que chama a atenção é a população flutuante em Poço D’Antas, decorrente da atração que as empresas ligadas ao eucalipto e ao café produzem sobre a região e outras áreas. Esta situação produz tênues vínculos101 na comunidade, além de ser percebida pela agente de saúde como um problema para o acompanhamento do programa de saúde da família. De acordo com ela, Poço D’Antas não apresenta crianças desnutridas ou subnutridas.

Um fato que está vinculado aos domicílios é a ocorrência de “bicos de energia”, termo denominado, pelo entrevistados, para a concessão informal de energia pelo vizinho, tendo em vista a dificuldade de expansão da rede elétrica, o que pode configurar, que a comunidade está em expansão.

As declarações dos respondentes, quanto às dificuldades em viver em Poço D’Antas, apresentam um retrato da realidade da infra-estrutura de tais espaços. A questão da água surge como um dos elementos de dificuldades. Contudo, a água traz afluentes de demandas de infra-estrutura, que têm suas bases na gestão pública no Brasil, nos vários níveis administrativos. Se admitirmos a água como uma das variáveis, outras se agregam; por exemplo, avaliação das condições ambientais e dimensão da oferta de água, sistema de abastecimento, evolução de crescimento da população consumidora e capacidade de expansão do sistema, qualidade da água e sistema de tratamento. As demandas da comunidade são várias a partir do adensamento.

As dificuldades são as mesmas de qualquer espaço que se adensa, conduzindo a uma dinâmica das complexidades: sociais, econômicas, demográficas e ambientais. A questão da água torna-se um tema importante e, ao mesmo tempo, um paradoxo, pois, de acordo com os entrevistados, não há escassez de água na grota. Todos os caminhos levam à água, no sentido que os

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A partir da declaração do de um dos entrevistados, o grande fluxo de moradores não produz um sentimento de confiança entre os “forasteiros” e a população de origem local.

problemas de acesso continuam, a despeito da oferta ser garantida de forma perene pela nascente (nos períodos de seca há uma diminuição da oferta). Há um ciclo da água que não se refere à quantidade, mas à qualidade, uma seca de qualidade. As famílias entrevistadas avaliam a questão da água pelo ângulo da escassez, num contexto de relativa abundância.

Analisa-se a origem das famílias na perspectiva do homem e da mulher, o que pode indicar os referenciais e as comunidades que ajudaram a formar Poço D’Antas, pelos ajustamentos do grupo ao meio, com a fusão entre a herança de suas comunidades e os referenciais que seriam construídos numa outra relação de espaço e tempo. Estas comunidades rurais adensadas seriam uma (re)construção do “tradicional” para os seus habitantes?

Assim, a partir dos entrevistados, foi possível traçar a origem dos casais e, por conseguinte, um pequeno referencial da origem das famílias em Poço D’Antas, conforme a Figura 13 a seguir.

Em termos de localização Poço D’Antas, as comunidades rurais dispersas são divididas por um interflúvio (o topo da chapada como divisor de microbacias), onde se localiza o próprio adensamento que leva a um maior distanciamento geográfico entre elas do que entre aquelas que formaram Campo Buriti, a despeito das comunidades rurais na grota (vale), tanto à esquerda, quanto à direita de Poço D’Antas (utilizando como referência a estrada em direção à Turmalina) se encontrarem instaladas ao longo de córregos e ribeirões que são afluentes do Rio Araçuaí. Em outras palavras, a grota (vale) ao longo do rio Fanado não é seccionada, o que pode favorecer a maior circulação de fluxos entre as comunidades. No caso de Poço D’Antas, as distâncias entre as comunidades se tornam maiores na medida em que os vales são mais encaixados e as trilhas de comunicação percorrem distâncias maiores e inclinações mais íngremes. Não se pode dimensionar, especificamente, o efeito desta peculiaridade geográfica quanto ao contexto sócio-cultural das comunidades ou

se este fato produziu maiores facilidades ou dificuldades nos relacionamento entre os habitantes. São vicissitudes geográficas, mas que denotam as especificidades ambientais de cada lugar.

FIGURA 13 A inter-relação da origem do casal na formação das famílias entrevistadas

A população de Poço D’Antas, a despeito de todos os entrevistados ainda possuírem a sua terra, incorporou as ocupações ofertadas pelas empresas da região, tanto as atividades com o eucalipto quanto as de café e os restaurantes adjacentes ao lugar. Um fato que corrobora com a integração da comunidade às atividades advindas da silvicultura e da carvoaria, é o de que, no período de

ORIGEM DA FAMÍLIA – CASAL homem OLARIA: 1 (TURMALINA) MULHER

POÇO D’ANTAS (GROTA): 3 (TURMALINA) FURNAS (GROTA): 3 TURMALINA

BIGODE: 2 (TURMALINA) OLHOS D’ÁGUA: 3 (TURMALINA)

MACEDO: 4 (TURMALINA)

POÇO D’ANTAS (GROTA): 3 TURMALINA

MONTE BELO (CARBONITA): 1

SOLTEIRA – POÇO D’ANTAS (GROTA): 1

MORRO REDONDO: 1 (TURMALINA) CAMPO LIMPO: 1 (TURMALINA)

MACEDO: 4 (TURMALINA)

MERCADINHO (CARBONITA): 1 CÓRREGO DOS MARTINS: 1 (TURMALINA)

realização da pesquisa (julho de 2006), mais de 20 mulheres102 foram contratadas pela empresa Plantar, que presta serviços para a Cia. Suzano Papel e Celulose.

Na segunda visita à região, por ocasião do pré-teste do questionário, conheci a senhora Terezinha, em Poço D’Antas e a sua história de vida. Viúva, há aproximadamente, 15 anos, recebendo a pensão de trabalhador rural do marido, ela passou por experiências que justapõem histórias de várias mulheres: a necessidade de trabalhar fora de casa (lavoura de café). Num primeiro momento, enfrentou a contingência de se tornar chefe de família, após a morte do marido e a tomada de decisão de mudar-se da Comunidade dos Macedo localizada a 18 km de Poço D’Antas, onde passou a residir desde então.

Esta senhora conseguiu trabalho temporário na lavoura de café do “japonês”, que fica próximo a Poço D’Antas no topo da chapada. Há quase 15 anos, trabalhou na colheita de café, quando permanecia longe de casa por uma semana. Quando do retorno, nos finais de semana, confrontava-se com o desalento dos filhos e os rompantes de ciúmes do marido. Na entrevista, ficou emocionada ao recordar-se dos dias mais difíceis. A vinda para Poço D’Antas foi precipitada pela morte do marido e pela necessidade de manter os filhos próximos.

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A contratação deste grupo de mulheres forçou o redimensionamento das amostras dentro dos referenciais propostos na metodologia. Muitas das mulheres contratadas são chefes de família. Em entrevista com dois funcionários da empresa Plantar, do centro administrativo, estes relataram que havia um déficit de mão-de-obra masculina, uma vez que parte da população masculina jovem de Poço D’Antas havia migrado para as usinas (corte da cana de açúcar) em São Paulo, de abril a novembro.

Trata-se de uma mulher, mãe trabalhadora, chefe de família e uma estudante em potencial, não freqüenta a escola, porque não foi possível montar uma turma (devido pequeno número de alunos, a despeito das famílias terem mudado para Poço D’Antas, entre outros fatores, visando à escola para os filhos).

Os benefícios previdenciários, aposentadoria e pensão, estão no cerne da questão da renda, tanto em Poço D’Antas, quanto em Campo Buriti, uma vez que é uma fonte de renda perene e funciona como um esteio para a família. Em Poço D’Antas, a senhora Cleuselina, uma das chefes de família entrevistadas, declarou que a maior parte da renda que sustenta a família vem da aposentadoria do pai que, no período da entrevista, se encontrava acamado devido a complicados problemas de saúde. Quando o casal é de aposentados, a família ocupa a maior faixa de renda estabelecida no questionário e apresenta as melhores casas.

Com relação à questão sobre possuir terras, 93% das famílias entrevistadas possuem terra. Destas 73% tiveram acesso por herança e 20% compraram a terra, mas, somente, 26% das famílias têm a agricultura como complemento da renda.