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A Pobreza ao Longo do Ciclo de Vida e o Papel das Transferências Públicas

No documento Brasil. Envelhecendo. Mais Velho. em um (páginas 37-43)

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urante as últimas três décadas, as taxas de pobreza no Brasil dimi-

nuíram em mais de cinco vezes. O percentual da população viven- do na pobreza reduziu de aproximadamente 53% em 1981 para 9,5% em 2008 (PPC US$2 por dia). Além disso, a pobreza extrema (PPC US$1 por dia) diminuiu cerca de 4 pontos percentuais entre 2000 e 2007, e a proporção da população em pobreza extrema, cerca de 4%, é hoje signi- ficativamente menor no Brasil do que em muitos outros países em de- senvolvimento.

Houve dois períodos distintos de redução da pobreza desde o começo dos anos 1980: 1980-2000, caracterizado por uma redução moderada; e 2001-2008, caracterizado por uma significativa aceleração na redução da pobreza. Quatro fatores contribuíram para a redução da pobreza durante o primeiro período (Ferreira e Leite 2009). Primeiro, os benefí- cios não-contributivos estabelecidos após a promulgação da Constitui- ção de 1988, provendo renda para os aposentados que não conseguiram satisfazer os critérios de contribuição. Segundo, o conjunto de medidas tomadas pelo governo brasileiro no começo dos anos 1990, que ajuda- ram a estabilizar a economia e a manter a inflação sob controle, com efeitos positivos principalmente sobre os salários reais dos mais pobres. Terceiro, as mudanças demográficas associadas com a primeira e a se- gunda transição demográfica, que reduziu o tamanho da família e a razão de dependência dentro das famílias, aliviando a pobreza pelo au-

mento do número relativo de adultos15. Quarto, o progressivo e constan-

te aumento do capital humano (investimentos em saúde e educação) e da participação feminina na força de trabalho, que ajudou a impulsio- nar a renda familiar entre gerações.

Políticas para reduzir a desigualdade têm sido a chave para a redução da pobreza no segundo período (Barros et al. 2001). Já se sabe que as taxas de pobreza no Brasil são altamente correlacionadas com a desi- gualdade de renda. Os 10% mais ricos da população concentram cerca de 45% da renda total (Barros et al. 2006). Até 2000, apesar do aumen- to no PIB per capita (de US$1.800 em 1950 para US$6.000 em 2000), 15. Recentemente, Turra et al. (2009) utilizaram uma análise contra-factual para mostrar que 95% da queda da proporção da população brasileira vivendo em ex- trema pobreza, entre 1985 e 1995, foi devida a mudanças da razão de dependência dentro das famílias.

a persistência da desigualdade de renda (o coeficiente de Gini de 0,593 em 2000 foi perto da média histórica) impediu uma redução mais veloz da pobreza. No entanto, o ano de 2001 marcou o início de um novo pe- ríodo caracterizado por um declínio estável da desigualdade de renda: entre 2001 e 2008 o coeficiente de Gini diminuiu de 0,593 para 0,544 e a renda per capita dos 10% mais pobres cresceu 8%, quase que três ve- zes mais rápido que a média nacional (Barros et al. 2006).

Programas de transferência de renda e a política do salário mínimo ex- plicam grande parte da redução da pobreza e desigualdade. Estudos baseados em análises contra-factuais revelam que 48% do declínio da desigualdade de renda entre 2001 e 2005 devem-se ao desenvolvimento de programas de transferência de renda (principalmente o Programa Bolsa Família), e a expansão do sistema de previdência não- contributivo (Barros et al. 2006). Também, a política de aumento do salário mínimo, que favoreceu os trabalhadores com menores salários e os beneficiários do sistema de previdência, reduziu os níveis de desi- gualdade e pobreza.

A importante redução da pobreza não tem sido homogênea entre gru- pos. Seguindo o estudo seminal de Preston (1984), há uma quantidade enorme de estudos no Brasil, incluindo relatórios oficiais (Brant, 2001), que enfatizam a importância das transferências públicas, particular- mente dos benefícios de seguridade social, para a redução da pobreza por grupos de idade. A maioria desses estudos utiliza análises contra- factuais simples para comparar as taxas de pobreza com e sem benefí- cios públicos. Por exemplo, Turra et al. (2008) usa dados de domicílios de 2005 para mostrar que a incidência de pobreza entre os homens (mulheres) com idade acima de 60 anos no Brasil cresceria de 3,9% (15,6%) para 63,5% (83,8%) se eles não tivessem recebido os benefícios. Cotlear e Tornarolli (2010) compararam as taxas de pobreza com e sem pensões para dois grandes grupos de idade - acima de 60 e abaixo de 15 – entre vários países da América Latina (ver Tabela 2). O Brasil, junta- mente com Argentina, Chile e Uruguai, são países “pró-idade”, aqueles com sistemas previdenciários grandes e generosos que têm impacto relativamente maior sobre as taxas de pobreza entre os idosos. No Bra- sil, a taxa de pobreza em 2008 declina de 49,3% para 4,2% depois que as transferências são contabilizadas. No entanto, não surpreendente- mente, os autores encontraram que no Brasil o efeito das transferências sobre a pobreza entre as crianças é muito menor (a razão da taxa de pobreza cai de 38,0% para apenas 31.0% em 2008 após considerar as transferências).

Para entender melhor o papel das transferências públicas na redução da pobreza entre os diferentes grupos de idade no Brasil, as Figuras 1.9 a 1.11 comparam taxas de pobreza por idade em três anos: 1981, 1995, e 2008. Taxas de pobreza são estimadas com e sem transferências públi- cas, incluindo benefícios de aposentadoria contributivos e não- contributivos e transferências condicionais de renda do programa Bolsa Família. Usando dados da Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílio, PNAD, calculamos a porcentagem da população vivendo em pobreza de acordo com a linha do Banco Mundial de US$2 dólares por dia em pari- dade do poder de compra (PPC) de 2005.

Todos 60+ 0-59 65+ 0-64 0-14 15-24 25-59

País Com Sem Com Sem Com Sem Com Sem Com Sem Com Sem Com Sem Com Sem

Argentina 11,0 18,6 4,9 40,0 12,0 15,1 3,7 46,5 11,8 15,4 19,2 21,9 11,6 15,1 8,0 11,1 Bolívia 35,0 38,1 26,6 48,6 35,8 37,1 25,3 52,8 35,6 37,1 44,5 45,6 28,4 30,1 30,7 31,9 Brasil 18,2 29,2 4,2 49,3 19,8 26,8 3,5 54,9 19,3 27,1 31,8 38,0 18,3 25,5 13,8 21,0 Chile 5,2 9,2 2,5 18,0 5,7 7,9 2,3 20,7 5,5 8,1 8,6 10,7 5,5 8,0 4,2 6,5 Colômbia 37,8 40,6 42,2 52,0 37,3 39,8 44,3 54,2 37,3 39,5 46,3 47,5 36,3 38,5 31,0 33,4 Costa Rica 11,6 15,2 17,2 39,0 11,0 12,8 18,7 44,3 11,1 13,2 16,7 18,1 8,7 10,7 8,5 10,5 Rep. Dom. 18,7 19,5 16,0 18,6 19,0 19,6 15,6 18,6 18,9 19,6 26,8 27,4 16,6 17,5 14,0 14,6 Equador 17,6 19,1 16,2 23,6 17,7 18,5 17,2 26,3 17,6 18,5 24,0 24,7 15,1 15,8 13,8 14,7 El Sal. 27,6 27,9 20,3 23,9 27,8 28,4 20,7 24,6 27,5 28,2 35,2 35,6 24,9 25,6 22,4 23,1 Guatem. 33,9 36,1 28,2 34,9 34,4 36,2 29,1 37,1 34,2 36,0 42,4 44,0 28,4 30,1 27,6 29,8 Honduras 36,9 37,3 35,6 37,4 37,0 37,2 37,0 38,9 36,9 37,2 45,7 45,8 30,1 30,4 31,3 31,6 México 13,9 15,9 19,9 30,1 13,3 14,5 21,9 33,0 13,3 14,8 18,2 19,1 11,8 13,0 10,2 11,8 Nicarágua 42,7 43,2 32,5 34,5 43,5 43,9 32,5 34,8 43,2 43,7 53,2 53,7 38,5 38,8 36,6 37,1 Panamá 22,3 27,9 16,9 36,0 22,9 26,9 18,1 39,3 22,7 27,0 32,4 36,5 21,8 25,6 16,6 20,5 Paraguai 21,4 22,1 16,9 20,4 21,8 22,2 17,2 21,2 21,7 22,1 29,7 30,0 18,1 18,5 16,5 17,0 Peru 21,0 22,0 19,9 23,1 21,2 21,8 20,4 24,2 21,0 21,7 28,9 29,4 21,6 22,3 20,5 21,1 Uruguai 6,7 14,8 1,1 23,5 8,1 12,6 0,9 26,4 7,7 12,7 14,6 19,6 7,2 12,2 4,8 9,0 Ven. R. B. 38,7 41,4 32,9 44,6 39,1 41,2 34,1 46,9 38,9 41,1 49,7 51,1 36,0 38,3 32,2 34,6 Média ALC (sem peso) 23,3 26,6 19,7 33,2 23,7 25,7 20,1 35,8 23,6 25,7 31,5 33,3 21,1 23,1 19,0 21,1

Tabela 2: Taxa de Pobreza por Idade e Região – Linha de Pobreza:

US$2.50 por Dia (PPP)

A Figura 9 mostra as taxas de pobreza por grupos de idade em 1981, portanto antes da Constituição Federal de 1988 e da expansão dos pro- gramas de bem-estar social no Brasil. Em média, 53% da população vivia na pobreza. A incidência variava pouco de acordo com a idade, de 65,2% para as crianças abaixo de 15 a 47,7% entre os idosos. Dado que os programas de transferência condicional de renda para as famílias pobres ainda não haviam sido estabelecidos em 1981, não é surpreen- dente que o impacto da exclusão das transferências públicas sobre os níveis de pobreza fosse virtualmente zero entre as crianças. Por outro lado, cerca de 25% da população acima de 65 anos não recebia pensões públicas em 1981 e, assim, excluindo os benefícios de seguridade social causaria somente um efeito moderado sobre a incidência de pobreza (20 pontos percentuais, em média).

Um cenário impressionante aparece em 1995 (Figura 10). Comparado a 1981, a incidência da pobreza é muito menor entre os idosos (13,6%) do que entre as crianças (40,8%). A análise contra-factual sugere que o fator principal na redução da pobreza entre os idosos é a expansão dos benefícios de seguridade social; sem transferências públicas, a incidên- cia das taxas de pobreza seria quatro vezes maior. As taxas de pobreza declinaram para todas as idades em 2008 (Figura 11). O desenvolvi- mento e expansão dos programas de transferência condicional de renda (Bolsa Família) para as famílias pobres reduziram a porcentagem de crianças vivendo na pobreza em pelo menos cinco pontos percentuais (Figura 11). No entanto, a expansão contínua da proteção social aos idosos, particularmente através do aumento dos benefícios não-

Figura 9: Taxas de Pobreza por Idade, Com e Sem Transferências (%),

1981

contributivos (BPC), ampliou a diferença relativa da incidência de po- breza por idade. Para cada idoso na pobreza ainda havia quase 16 crian- ças na mesma condição em 2008.

Figura 10: Taxas de Pobreza por Idade, Com e Sem Transferências

(%), 1995

Fonte: Turra e Rocha (2010)

Fonte: Turra e Rocha (2010)

Figura 11: Taxas de Pobreza por Idade, Com e Sem Transferências (%),

Essas análises contra-factuais são instrutivas, mas podem ser metodolo- gicamente falhas se tentarmos deduzir relações de causa, já que elas não incluem efeitos de comportamento. No caso das taxas de pobreza, por exemplo, as simulações ignoram a possibilidade de que uma expansão mais lenta dos programas de bem-estar social poderia ter criado incen- tivos para uma maior oferta de trabalho e poupança. Além disso, muitas análises contra-factuais encontradas na literatura são baseadas em da- dos para uma geração artificial e, assim, ignoram os determinantes his- tóricos das tendências de pobreza que são relacionadas a mudanças de período e geração.

Turra e Rocha (2010) realizam uma análise Idade-Período-Coorte (IPC) de tendências de pobreza. Eles encontram que, entre os idosos, efeitos de período têm dominado e são provavelmente relacionados à expansão do bem-estar social. De fato, os anos de expansão dos benefícios de se- guridade social para os trabalhadores rurais (1991-1993) e os anos de ganho do salário mínimo real (2006-2008) coincidem com dois dos maiores efeitos de período da redução de pobreza em seu modelo. Por outro lado, entre as crianças, efeitos de longo prazo que são correlacio- nados a mudanças graduais nas histórias de vida dos coortes tiveram um papel importante durante a maior parte do período observado, o que explica por que o declínio da pobreza foi mais lento para as idades mais jovens. Somente em 2000 os efeitos de período aceleraram o pro- cesso de redução da pobreza. Efeitos de período para crianças também coincidem com ganhos de salários mínimos reais e o desenvolvimento e expansão do programa Bolsa Família.

Finalmente, é importante notar que as transferências públicas no Brasil têm sido muito eficazes em reduzir a pobreza entre os idosos. Os níveis de pobreza para esse grupo são muito baixos para padrões internacio- nais, enquanto que seriam muito altos na ausência das transferências públicas. No entanto, o mesmo não pode ser dito a respeito da pobreza entre as crianças. A próxima seção discute os investimentos inter- geracionais e como o Brasil tem investido pouco em educação e muito em aposentadorias e pensões quando comparado a outros países da ALC e OCDE.

Gastos Públicos entre Gerações

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