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O poder das TIC e o efeito de contágio

4 A criação e a expansão de movimentos sociais digitais

4.2 O poder das TIC e o efeito de contágio

“Foi um despertar muito amargo o de 2008, quando o crédito fácil acabou. A catástrofe que veio, o colapso social, foi para a classe média, que foi arrastada

29 São denominados de grassroots os grupos de base, ou por outras palavras, conjunto de pessoas comuns

40 rapidamente ao que chamamos de precariat . . . Essa é a categoria dos que vivem em uma precariedade contínua . . .” (Bauman, 2016). O “despertar” que Bauman refere, assim como referem Tilly & Wood, trouxe profundas transformações na sociedade no que respeita às redes sociais. Estas já existiam anteriormente, mas foi a partir de 2008 que se iniciaram as movimentações e a onda de indignação que viria a correr nas redes sociais. Entretanto, inúmeros acontecimentos históricos vieram a ter uma visibilidade inusitada. Estanque (2012) fala-nos da Primavera Árabe que, em 2010, revelou ao Ocidente uma série de movimentos procedentes do seio de regimes islâmicos repressivos, muitos deles dando lugar a revoluções políticas cuja ambição seria alcançar a liberdade e a democracia. Os protestos ocorridos em países como a Tunísia, Argélia, Egito, Jordânia, Síria, Iémen ou Líbia, cuja situação é pouco ou nada semelhante com a situação na Europa e no Ocidente mostraram o efeito de contágio30 entre realidades distintas e expostas a um público global. Para o efeito, contribui um importantíssimo recurso, a Internet e as novas TIC, sendo que, advindo deste facto, surgem novas formas de contestação e de ativismo. Assim, “A internet parece ter impulsionado a emergência de novas formas de novas consciências colectivas, de identificações e comunidades que se interconectam a nível transnacional” (Medeiros, 2006, p. 98).

A rapidez com que se difunde a informação e a visibilidade das imagens dos acontecimentos em tempo real, conforme vimos em todos os meios de comunicação, exponencia o efeito pretendido. “No espaço de algumas semanas, o mito da passividade dos povos árabes e da sua inaptidão para a democracia voou em estilhaços pelos ares” (Gresh, 2011, citado em Estanque, 2012, p. 9).

Embora sejam poucas as semelhanças entre as realidades suprarreferidas, o desejo de liberdade nos países árabes ocorreu num momento em que a Europa mergulhava numa grave crise económica e financeira, colocando em causa a solidez das democracias e ameaçando pôr fim ao Welfare State ou Estado Social. Os excessos do mercado e do capitalismo financeiro produziram o efeito borboleta a nível mundial, cujos efeitos se repercutiram na intensificação das desigualdades, no aumento do desemprego e de todo um conjunto de ameaças para a segurança e o bem-estar geral. “A

30 Florencio (1993) refere “O século XX para além de ampliar o cenário da história da Europa aos cinco

continentes, fez tornar-se realidade a existência de um só mundo em que as barreiras nacionais deixaram de ser diques para se converterem em membranas porosas a todos os níveis. Deste modo, a permeabilidade das fronteiras fez com que o exemplo do contágio revolucionário, um sinal do nosso tempo” (Florencio, 1993, p. 20).

41 partir daí, os protestos na Europa não mais pararam” (Estanque, 2012, p. 10). O mesmo autor afirma:

Fazendo uso, pela primeira vez de forma massiva, da Internet, mostraram que a cidadania e o ativismo transnacionais podem ter uma voz, e possuem meios de a fazer ouvir. A democracia participativa afinal não tinha morrido, antes podia ser reinventada. Foi a abertura de um novo ciclo de protestos, que iniciou a chamada “alterglobalização”, reunindo um vasto conjunto de organizações e recorrendo aos meios informáticos e à internet como o principal veículo de articulação e de denúncia. (p. 11)

Tarrow (2005) refere que nas últimas décadas, as comunicações têm facilitado o ativismo transnacional e que a globalização é a responsável pela ascensão deste tipo de ativismo. “Embora a globalização seja uma poderosa fonte de novos atores, novas relações, e novas desigualdades, como um conceito de orientação para a compreensão ativismo transnacional deixa muito a desejar” (Tarrow, 2005, p. 5). A apreensão coletiva e a insatisfação procuram outras formas de mostrar a sua indignação. Estefania (2016) vai ao encontro desta onda de indignação:

Pela ação do que "anti-políticos" sujos, essas elites que têm esvaziado de conteúdo o conceito de democracia e instalaram o "pós-democracia" (a crise do igualitarismo e uma banalização dos processos democráticos em que a política perde progressivamente entre em contato com os cidadãos), muitos deles já não acreditam que o futuro pode garantir uma melhoria no seu modo de vida. Isso explica a crise de legitimidade e representação que está vivendo. (Estefania, 2016)

No entanto, Touraine (1998) vem contrariar esta utopia. Refere que não há nada mais perigoso para a democracia ou para um movimento social do que a ideia de uma sociedade livre justa.

O sonho de uma sociedade e de uma cultura totalmente transformadas pela ideia socialista ou por má força política estreitamente associada a um movimento social, só pode conduzir a soluções autoritárias. A combinação da democracia e dos movimentos sociais só é possível quando permanecem separados e, por conseguinte, quando cada um dos dois termos é definido no interior de certos limites. (p. 333)

Por outro lado, a Internet e as redes sociais, contribuíram para uma mudança profunda nas sociedades. Um novo paradigma: a política está mais próxima e o público

42 cada vez mais presente. Como refere Felice (2015) “Não apenas no processo eleitoral, como era anteriormente, mas também, porque o público pode acompanhar em tempo real e questionar a atuação dos políticos. Até aqui ficávamos apenas só pelo voto, mas com o net-ativismo traz um novo papel ao cidadão. É um cidadão que não limita a sua participação a cada quatro anos” (Felice, 2015).

Com efeito, no net-ativismo (ou ciberativismo para Castells), existe muita irracionalidade, muita violência, não deixando de ser, contudo, uma grande oportunidade para melhorar a democracia e repensar o processo democrático, principalmente nas democracias já consolidadas nos países ocidentais. Também na ação política se verificaram alterações. Felice (2015) menciona que na ação política:

Os políticos atualmente estão on-line e presentes na plataforma, estando em contacto direto com os seus eleitores, ele é em tempo real julgado através dos comentários, pondo em causa a sua reputação. No entanto, a sua postura pública é transparente e, portanto, está continuadamente exposto aos seus eleitores. Trata-se de uma boa notícia para a democracia, mas nem tanto para um político. (Felice, 2015)

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