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3 ANÁLISES DA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

3.2 Análise Crítica Cognitiva do Discurso da “nova” institucionalidade da

3.2.2 Poder Executivo

Referente aos atores do Poder Executivo escolheu-se como corpus trechos da Lei n. 11.892, 29/12/2008 comentada e do documento oficial intitulado Instituto Federal: Concepção e Diretrizes, que foi organizado por Caetana Juracy Rezenda da Silva e publicado pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) em 2009.

O primeiro trecho escolhido traz a argumentação do enfoque retórico defendido por Majone (1993), mas também expressa a opção que faz o governo federal ao optar pela criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Dijk (2017, p. 87) menciona que os contextos não são um tipo de “situação social objetiva, e sim construtos dos participantes, subjetivos embora socialmente fundamentados, a respeito das propriedades que para eles são relevantes em tal situação, isto é, modelos mentais” e ademais, “os usuários da língua não estão apenas envolvidos em processar o discurso; ao mesmo tempo eles também estão engajados em construir dinamicamente sua análise e interpretação subjetiva on-line”.

Observa-se que na escolha pela criação dos institutos federais e não de novas universidades tecnológicas há uma opção por uma nova institucionalidade que se distancia da concepção acadêmica tradicional fortemente presente no meio universitário brasileiro [grifo nosso] (PACHECO; SILVA, 2009, p. 28- 29).

Aqui tem-se a voz dos representantes do Poder Executivo, por intermédio da SETEC e vinculados ao Ministério de Educação. Ao mencionar que, com a nova institucionalidade, o governo federal optou por distanciar-se “da concepção acadêmica tradicional” (op. cit) – aqui pode-se notar a tentativa de construção da análise do interlocutor: optou-se por criar algo novo, inovador – e, no trecho “que está fortemente presente no meio universitário brasileiro” (op. cit), consta sua interpretação subjetiva, construída a partir de um modelo mental, apoiado em um contexto que norteia a fala de vários atores citados até o momento de que a universidade tradicional está afastada da sociedade, que cria muros e a intenção ao criar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia é afastar-se de tal tendencialidade.

O novo e inovador agora fica explícito neste trecho: “Com os institutos federais, o governo brasileiro, através do Ministério da Educação, ousa criar uma institucionalidade absolutamente nova e inovadora capaz de revolucionar a educação profissional e tecnológica de nosso país [grifo nosso]” (PACHECO; SILVA, 2009, p. 11). O interessante é analisar que os interlocutores utilizam o adjetivo “capaz” para mencionar a possibilidade dada a essa nova institucionalidade, no sentido de ser dotado de capacidade, com a competência para ‘revolucionar’, no sentido da ação de transformar profundamente a educação profissional e tecnológica no Brasil.

Dijk (2017, p. 268) indica que, neste contexto de discurso, o que fica evidente é a argumentação por envolver “fundamentalmente uma relação entre falantes e receptores reais ou imaginados, a saber, proponentes e opositores, respectivamente” e, tal concepção pode ser confirmada no trecho que dá continuidade à argumentação “Entretanto, o futuro dos institutos está em aberto, dependendo de nossa ousadia, competência e compromisso político com um país soberano, democrático e justo socialmente [grifo nosso]” (PACHECO; SILVA, 2009, p. 11). Aqui há um evidente aspecto de argumentação que justifica “as posições assumidas pelos participantes, acerca de intenções e crenças e das relações entre os participantes” (DIJK, 2017, p. 268), o convite é para a autopreservação positiva, que busca ser socialmente compartilhada. Ao

analisar a estrutura gramatical do discurso o uso do advérbio “entretanto” como designativo de adversão, esclarece que o futuro da nova institucionalidade está em aberto, ou seja, incerto, por estar sujeito – ‘dependendo’ – da ousadia, competência e compromisso político – dos atores com este projeto. Ou seja, as pessoas precisam se comprometer com esse projeto para que ele seja implementado como pensado. Sobre essa última fala dos interlocutores Dijk (2017, p. 268) e as estruturas gramaticais construídas chamam a atenção para um discurso que evidencia “o caso da [...] retórica persuasiva, das posições defendidas e atacadas na argumentação, especialmente no discurso público, tendem a ser socialmente compartilhadas e, portanto, ideológicas”.

Contrabalanceando a retórica persuasiva, em outro trecho os interlocutores evidenciam a importância de que esse “novo modelo de gestão baseado, em essência, no respeito, no diálogo e na construção de consensos possíveis tendo sempre como horizonte o bem da comunidade e não o ensimesmamento das instituições [grifo nosso] (PACHECO; SILVA, 2009, p. 8). Dijk (2017, p. 270) menciona que o fator contextual mais relevante à argumentação é o conhecimento. E este fato fica evidente neste trecho do discurso porque os interlocutores acompanharam todo o processo de construção dessa nova institucionalidade e sabem que ela precisará do respeito, diálogo entre os diferentes e de consensos para entregar o bem à comunidade vencendo o ensimesmamento que fica evidente ao ler os documentos iniciais que pertencem à fase de formação da agenda (MEC, 2003b) e que serão apresentados em detalhe no capítulo 4.

Ao analisar trechos do documento Instituto Federal: Concepções e Diretrizes, escolheu-se como primeiro trecho para a análise o que faz referência à prioridade dada a este tema na agenda governamental porque “este novo arranjo educacional abrirá novas perspectivas para o ensino médio, por meio de uma combinação do ensino de ciências naturais, humanidades e educação profssional e tecnológica [grifo nosso] (SETEC, 2008, p. 5). O uso de perspectivas no sentido de novas interpretações e, por meio de uma combinação, no sentido de reunião de coisas que podem ser semelhantes ou diferentes, mas que se combinam, mostra o entusiasmo da equipe SETEC para com o projeto que foi construído.

A dimensão ideológica do atual governo, na verdade, faz aflorar um descompasso entre a trajetória das instituições federais de educação profissional e tecnológica e da própria educação profissional como um todo e o novo projeto de nação: se o fator econômico até então era o espectro primordial que movia seu fazer pedagógico, o foco, a partir de agora, desloca- se para a qualidade social [grifo nosso] (SETEC, 2008, p. 17).

Este trecho é de extrema importância para a construção da tese e vem dele a escolha da palavra descompasso como parte do título desta pesquisa, ou seja, este é o trecho que evidencia que, ademais de haver um descompasso, a dimensão ideológica do governo federal o fazia aflorar, pois o novo projeto de nação deslocava o foco do fator econômico para a qualidade social (termo de caráter polissêmico, por ter mais de um significado e ser debatido tanto pelos neoliberais como progressistas em diferentes linhas de análise e pesquisa) (SILVA, 2009b). Para Dijk (2017, p. 264) tais argumentos estruturam uma retórica com uso de figuras de linguagem “qualidade social” que colocam em evidência as “intenções interacionais e comunicativas” com a intenção de “conseguir uma atenção especial para significados específicos, realçando, assim, a possibilidade de que esses significados sejam construídos como partes importantes dos modelos de evento visados” (DIJK, 2017, p. 265).

No documento explicita-se ainda que este é um projeto progressista com a intenção de superar a visão althusseriana da unidade escolar como aparelho ideológico do Estado (SETEC, 2008), com a intenção de realizar a intervenção na realidade, com o desenvolvimento local e regional, numa construção simbólica da nova institucionalidade que se firmará pelas diferenças (fazendo menção à Pierre Bourdieu).