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CAPÍTULO 2 – A EFETIVIDADE DO PROCESSO EXECUTIVO NO DIREITO

3.2 O poder de império desjudicializado

O ato de dizer o direito e substituir a vontade das partes é reconhecido pela doutrina como sendo um ato de império59. Essa imperatividade está relacionada ao poder de sobrepor a

vontade da lei, aplicada pelo Estado, aos indivíduos em conflito de interesse. Na tripartição de poderes, esse poder tipicamente foi conferido ao Poder Judiciário.

Contudo, a dinâmica social permitiu que alguns atos de jurisdição voluntária fossem desconcentrados do Poder Judiciário e delegado a agentes que se personificam na figura do Estado, como é o caso dos notários e registradores. Isto é o caso de haver consenso entre as partes acerca da aplicação da lei. A forma processual foi substituída pelo objetivo do processo, ou seja, o processo judicial deixou de ser um fim em si mesmo e se tornou um meio de se atingir a pacificação social.

E neste desafio de se operar a paz social o processo é apenas mais um instrumento de controle social, como tantos outros arranjos que os operadores do direito desenvolveram nos tempos modernos. O foco principal passou a ser a concessão da tutela pretendida sob as regras do direito material, através do instrumento processual disponível para tanto, observando a tempestividade necessária que o caso exige. Afinal, justiça tardia, não é justiça.

59 De acordo com João Monteiro, o ato de império do Poder Judiciário foi uma decorrência da evolução processual civil, pois os atos originários do judiciário não compreendiam essa atribuição, limitando-se apenas a decidir as controvérsias de direito civil. Ao império competia a execução forçada das decisões prolatadas. (MONTEIRO, 1912, p. 26).

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Nesses termos, Fernando da Fonseca Gajardoni (2003, p. 75-76) adotou três técnicas de aceleração do processo: as extraprocessuais, as judiciais e as extrajudiciais. As técnicas extraprocessuais servem de mecanismos alheios ao processo para atingir um julgamento rápido, como exemplo, um melhor aparelhamento do corpo técnico e de informática do Poder Judiciário, como tem ocorrido com os processos eletrônicos; as técnicas judiciais são medidas que impulsionam o andamento do processo em si, para um julgamento final da lide, ou mesmo a garantia de uma satisfação ao bem da vida posto em juízo (como exemplo, pode-se dizer as antecipações de tutelas; as liminares; os recursos sem efeito suspensivos, dentre outros); por fim, as extrajudiciais são técnicas que desobstruem o Poder Judiciário ao delegar aos agentes extrajudiciais, delegatários da função pública e dotados de fé pública, a atribuição de resolver a vontade das partes, sedimentando uma composição entre eles ou vertendo a vontade em negócios jurídicos.

Essa última técnica que se relaciona ao tema, já se encontra amplamente utilizada no direito moderno como se constata da edição da Lei nº 11.441/2007, bem como da Lei nº 13.105/2015 e 13.465/2017, que versam, respectivamente, sobre os processos de separação, divórcio, inventário, partilha e usucapião. Ocorre que, essas técnicas de delegação da atividade judicante não são recentes, evoluíram com a atividade processual e representam avanços significativos para a moderna ciência processual civil. Mas, pretende-se, doravante, abordar a execução das decisões, que efetivamente representam, para a antiga ciência processual, os “atos de império”.

Nestes “atos de império” deve-se entender, por conseguinte, como aqueles atos em que a vontade da lei deve imperar nas relações sociais. No trato das execuções judiciais, a evolução legislativa brasileira permitiu que a expropriação dos bens ocorresse por meio de alienação privada, consoante se constata do disposto no artigo 879, inciso I, do Código de Processo Civil. A presente inserção legislativa foi um grande avanço e demonstrou que a desconcentração do Poder Judiciário dos “atos de império” é uma realidade e que pode ser aprimorada.

O disposto no artigo 880, do mesmo diploma processual, pondera que não ocorrendo a adjudicação, o exequente poderá requerer a alienação por sua iniciativa ou por intermédio de corretor. Ademais, estabeleceu-se uma ordem implícita de prioridade na expropriação dos bens ao prever que a alienação far-se-á em leilão judicial se não efetivada a adjudicação ou a alienação por iniciativa particular.

De acordo com o procedimento da execução de títulos no direito brasileiro, a expropriação dos bens já sedimentou uma desjudicialização da execução ao permitir que os atos de expropriação sejam implementados por iniciativas particulares. Ocorre que, pretende-se

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demonstrar que este avanço pode ser ainda maior com a tramitação dos processos de execução na seara extrajudicial, sob a autoridade dos tabelionatos de protesto.

Esse modelo de desconcentração da execução no direito brasileiro não é novidade, pois o ordenamento jurídico já acolheu em outras oportunidades, como se constata do Decreto-Lei nº 70/6660, que tinha como pedra de toque a autorização para as instituições financeiras

executarem extrajudicialmente a garantia recebida pela concessão de crédito para a construção de moradia. Essa medida foi um incentivo vislumbrado pelo governo para potencializar o projeto de financiamento da casa própria.

O referido decreto-lei autoriza, em seu artigo 29, que as hipotecas, vencidas e não pagas, poderão, à escolha do credor, ser objeto de execução na forma do código de processo civil ou em observância ao decreto-lei. Vencida e não paga a dívida hipotecária, o credor que houver preferido executá-la de acordo com este decreto-lei formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida. Recebida a solicitação da execução, o agente fiduciário promoverá a notificação do devedor, nos dez dias subsequentes, por intermédio do cartório de títulos e documentos com prazo de 20 dias para purgar a mora.

Quando o devedor se encontrar em lugar incerto e não sabido, o oficial certificará o fato cabendo, então, ao agente fiduciário promover a notificação por edital, publicada por três dias, em jornal de grande circulação. Não ocorrendo a purgação da mora pelo devedor, o agente fiduciário estará autorizado a publicar editais e a efetuar o primeiro leilão público do imóvel hipotecado.

Se, no primeiro leilão, o maior lance obtido for inferior ao saldo devedor no momento, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias, no qual será aceito o maior lance apurado, ainda que inferior a soma da quantia devida. Se o maior lance do segundo leilão público for inferior a soma da dívida, serão pagas inicialmente as despesas, e a diferença entregue ao credor, que poderá cobrar do devedor, por via executiva, o valor remanescente do seu crédito, sem nenhum direito de retenção ou indenização sobre o imóvel alienado. Se o lance de alienação do imóvel for superior ao total das importâncias devidas, a diferença ao final apurada será entregue ao devedor.

É nítido ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito totalizado, acrescido dos encargos legais previstos no artigo 34 do referido decreto-lei. Efetivada a alienação do imóvel, será emitida a respectiva carta de arrematação,

60 Conferir: YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira - Execução Extrajudicial e Devido Processo Legal. São Paulo: Atlas, 2010; DENARDI, Volnei Luiz - Execuções Judiciais e extrajudiciais no Sistema Financeiro

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assinada pelo credor, leiloeiro, agente fiduciário e cinco pessoas físicas idôneas, capazes, na qualidade de testemunhas.

A presente carta de arrematação será o título hábil para ingresso no registro de imóveis, o que, uma vez registrada, poderá o adquirente requerer ao juízo competente a imissão na posse. No período que mediar entre a transcrição da carta de arrematação e a efetiva imissão, o juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento.

Denota-se que o procedimento adotado para a execução da cédula hipotecária promoveu uma execução desjudicializada, ocorrida em 1966. Contudo, a evolução legislativa não promoveu mais essa prática, ou o fez de maneira tímida, auxiliando no cenário atual de morosidade do sistema de execução de títulos no Brasil.

Em que pese a constitucionalidade deste decreto-lei tenha sido objeto de debate no Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de violação ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa, o fato é que foi construído um procedimento adequado para a expropriação destes bens e, portanto o devido processo legal foi preservado assim como o princípio do contraditório e da ampla defesa.

O Recurso Extraordinário nº 223.075-1/DF, sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão61,

reconheceu a constitucionalidade do decreto-lei 70/66, afirmando que “há uma compatibilidade do decreto-lei com a Constituição Federal, posto que além de prever uma fase de controle judicial, (...) não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados”.

Outro exemplo de inovação na legislação processual brasileira envolvendo o tema da execução de títulos é a composição amigável estabelecida pela lei de recuperação judicial, falência e recuperação extrajudicial – Lei nº 11.101/2005. De acordo com esse regramento62, o

devedor que preencher os requisitos da lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial, o qual será homologado em juízo, juntamente com a justificativa e os termos e condições.

Percebe-se que a legislação autorizou o devedor a compor uma forma razoável de pagamento da dívida de modo a privilegiar a saúde financeira da empresa, bem como a sua permanência no mercado. O intuito do legislador foi efetivamente estimular a pacificação social

61 Disponível em WWW: <URL:Disponível em:

www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2311155&tipoApp=RTF. 62 A recuperação extrajudicial está prevista nos artigos 161 a 167 da lei 11.101/05.

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através da negociação entre as partes. Esse pensamento é decorrência do dever de cooperação estatuído no artigo 6º do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, a pauta de evolução do direito processual civil, sobretudo, no procedimento de execução, deve percorrer o caminho da desjudicialização, como já ocorreu em alguns países europeus, bem como com o Decreto Lei nº 70/66 ou mesmo com o procedimento de negociação voluntária estabelecida pela Lei nº 11.101/05.

Assim, a desjudicialização do processo de execução deve ser entendida como o procedimento formal de tramitação dos títulos judiciais e extrajudiciais, vencidos e não pagos, com a finalidade de satisfazer o crédito por meio da expropriação dos bens do devedor, sob a regência das garantias processuais e a tutela do tabelionato de protesto.

Agora é o momento de se aprofundar no novo paradigma para o atual sistema de execução no Brasil.

3.3 A proposta para um novo paradigma do processo executivo no Brasil: convergência