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1 Introdução geral

2.4 A podridão-parda

Entre as doenças mais prejudiciais à cultura do pessegueiro, destaca-se a podridão-parda, que pode ser causada por três espécies do gênero Monilinia: a M.

laxa (Aderh. & Ruhl.) Honey, de importância na Europa, Sul África, Chile e Iraque; a M. fructigena Honey, presente na Europa, mas de menor distribuição e importância; e

a M. fructicola (Winter) Honey, considerada a espécie mais importante na cultura do pessegueiro no Brasil e em grande parte do mundo, como nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Argentina e Uruguai (ADASKAVEG et al., 2008; AGRIOS, 1998; FORTES; MARTINS, 2003; MAY-DE MIO et al., 2008, 2014; OGAWA et al., 1995).

O fungo M. fructicola pertence ao filo Ascomycota, ordem Helotiales (MASSOLA; KRUGNER, 2011). A fase perfeita (Monilinia fructicola) forma apotécios a partir de frutos mumificados no solo, de cor marrom escura, de 5 a 20 mm, com ascos cilíndricos. Os ascósporos são hialinos, elípticos, de 6 a 15 μm x 4 a 8 μm. A fase imperfeita, Monilia fructicola, produz conídios em conidióforos, formados em cadeia, com formato elipsoide, ovoide ou limoniforme, de cor hialina, medindo em sua maioria de 12 a 16μm x 8 a 11μm (BLEICHER, 1997; BYRDE; WILLETS, 1977; MAY- DE MIO et al., 2014; OGAWA et al., 1995). No Brasil, em função da variabilidade climática, temperatura e umidade, é pouco comum a produção natural da fase perfeita de M. fructicola. A sobrevivência do fungo de uma safra para outra ocorre principalmente nas múmias, nos pedúnculos, nas flores murchas, nos ramos e nos cancros. As infecções que ocorrem nas plantas são causadas pelo fungo em sua fase imperfeita, através de conídios que constituem o inóculo primário da doença (BLEICHER, 1997; FACHINELLO; NACHTIGAL, 2008; MAY-DE MIO et al., 2014).

Os principais sintomas da doença são a queima das flores, cancros nos ramos e podridões nos frutos (MAY-DE MIO et al., 2008; MONDINO et al., 2010). É importante em todas as fases do ciclo do pessegueiro, mas as fases de maior susceptibilidade são a floração e a maturação do fruto (BLEICHER, 1997). Os primeiros órgãos a serem infectados são as flores, causando necrose e a morte. Normalmente as flores ficam aderidas ao ramo e o fungo pode infectá-lo produzindo

cancros e anelando o ramo, com consequente morte da parte terminal (MAY-DE MIO et al., 2014; MONDINO et al., 2010).

Nos estádios iniciais de desenvolvimento, os frutos são mais resistentes, entretanto ferimentos de origem diversa são entradas para o patógeno (FORTES; MARTINS, 2003). Nos frutos, os primeiros sintomas são manchas pardas, pequenas e circulares que evoluem para manchas marrons com a colonização dos tecidos pelo fungo (MAY-DE MIO et al., 2014). Na fase de maturação, os frutos são atacados e desenvolvem o característico sintoma de podridão-parda que dá o nome à doença. A mesma consiste em uma podridão firme, marrom e que avança rapidamente tomando todo o fruto. Sobre a lesão se pode observar a esporulação do fungo de aspecto pulverulento e cor cinza (MONDINO et al., 2010). Os frutos posteriormente se desidratam e ficam mumificados na árvore ou no solo, e assim permanecem por todo o inverno sendo o inóculo primário para a nova safra (AGRIOS, 1998, MAY-DE MIO et al., 2008). Na Figura 2, encontra-se um resumo do ciclo da podridão-parda.

Figura 2 – Ciclo da podridão-parda.

As perdas econômicas causadas por esta doença incluem as perdas pela podridão da fruta, além da redução do rendimento pelo ataque às flores e a perda do vigor da árvore pela morte de gemas e ramos desde a brotação à colheita, assim como as despesas para controle (MONDINO et al., 2010; OGAWA et al, 1995).

Em climas quentes e úmidos, a podridão nos frutos pode resultar em perdas de mais de 60%, após cinco dias de infecção à temperatura ambiente (FORTES; MARTINS, 2003). Ogawa et al. (1995), citam o exemplo da Califórnia no início dos anos 50, onde a podridão da fruta madura atingiu a totalidade da produção.

Wagner Júnior (2003) trabalhando com progênies de pessegueiro e seus genitores estimou a herdabilidade no sentido amplo para resistência da flor à podridão-parda em 0,30 e 0,42, em dois anos de avaliação, e em 0,64 para resistência à podridão-parda em frutos.

2.4.1 Fontes e mecanismos de resistência genética à podridão-parda

Nestas últimas décadas, o incremento na preocupação com o meio ambiente e com a saúde dos consumidores fizeram com que se busque, cada vez mais, reduzir o uso de agrotóxicos, enfatizando outras estratégias de controle, como a resistência genética. Esta é a forma mais eficiente e a melhor alternativa de controle da doença, além de reduzir o custo de produção e o impacto ambiental. A seleção de genótipos resistentes é ainda limitada, apesar de estar em muitos programas de melhoramento genético do pessegueiro do mundo, pela escassez ou desconhecimento de boas fontes de resistência ou imunidade (RASEIRA; FRANZON, 2014).

A resistência de plantas a patógenos pode ser devido a mecanismos estruturais e bioquímicos, ambos constitutivos ou passivos (pré-formados) ou induzidos ou ativos (pós-formados). Os mecanismos estruturais constituem-se em barreiras físicas à penetração e/ou colonização do patógeno, e os mecanismos bioquímicos englobam substâncias capazes de inibir o desenvolvimento do patógeno ou gerar condições adversas para a sua sobrevivência nos tecidos do hospedeiro (PASCHOLATI, 2011; SCHWAN-ESTRADA et al., 2008). Nos mecanismos bioquímicos pré-formados, os compostos estão presentes, em altas concentrações, nos tecidos sadios, antes do contato com o patógeno. Porém em mecanismos pós-formados, as substâncias se encontram ausentes ou em baixos níveis antes da infecção, sendo ativadas em

resposta à presença do patógeno ou produzidas a partir de um precursor remoto (PASCHOLATI, 2011).

Nos frutos os constituintes da cutícula são as primeiras barreiras encontradas pelos fungos fitopatogênicos nos processos iniciais de infecção. No pêssego, ela é composta por 53% de cutano, 27% de ceras, 23% de cutina e 1% por derivados do ácido hidroxicinâmico, principalmente ácido ferúlico e ácido p-cumárico. Por sua parte, os tricomas contém uma cutícula mais fina, contendo 15% de ceras e 19% cutina, e em seu interior têm polissacáridos (63%), contendo derivados do ácido hidroxicinâmico e flavonoides (FERNÁNDEZ et al., 2011).

Frutos com maior quantidade de ceras epi-cuticulares e cuticulares apresentaram maior resistência à podridão-parda. Frutos com maior resistência apresentaram uma quantidade até cinco vezes maior que os frutos considerados suscetíveis. Outro fator que contribuiu para a resistência foram os altos níveis de compostos fenólicos (GRADZIEL et al., 2003). O ácido clorogênico quando presente em altas concentrações nos frutos imaturos e em estádio de maturação, em combinação com outros compostos fenólicos e com outros fatores como o ferro, interferiram na resistência à podridão-parda por manter M. fructicola na forma de infecções quiescentes (BOSTOCK et al., 1999). A expressão de genes que codificam para as enzimas cutinase e poligalacturonase de M. fructicola, encarregadas da degradação da parede celular, foi inibida pelo potencial redox do exocarpo dos frutos, devido aos elevados níveis de compostos fenólicos presentes no mesmo (LEE; BOSTOCK, 2007), dificultando assim, a infecção do patógeno.

A utilização de resistência genética tem sido limitada em pomares comerciais, porque não estão disponíveis cultivares comerciais de pessegueiro resistentes à podridão-parda, mas existem diferenças significativas na suscetibilidade entre os genótipos disponíveis (ADASKAVEG et al., 2008).

No Brasil, a cultivar Bolinha foi descrita com um interessante nível de resistência horizontal à podridão-parda, sendo utilizada até hoje como padrão em diversos grupos de pesquisa ao redor do mundo (BYRNE et al., 2012; FELICIANO et al., 1987; RASEIRA; FRANZON, 2014). Porém, essa cultivar apresenta alguns problemas que inviabilizam o seu uso na produção comercial, como por exemplo, baixa qualidade, tamanho reduzido e queda prematura dos frutos (FELICIANO et al., 1987; GRADZIEL; WANG, 1993; SANTOS; UENO, 2014).

A resistência da cv. Bolinha se deve, principalmente, à compactação das células da epiderme e espessura da cutícula, que é a principal barreira contra a infecção do patógeno (FELICIANO et al., 1987; GRADZIEL; WANG, 1993; SANTOS et al., 2012), o que se traduz em um período maior de incubação do fungo quando comparado com cultivares mais suscetíveis (OGAWA et al., 1995).

Outro fator que pode contribuir para a resistência desta cultivar é a produção de compostos fenólicos em maior quantidade quando comparada a outras cultivares (GRADZIEL; WANG, 1993; GRADZIEL et al., 1998; SANTOS et al., 2012; SCARIOTTO, 2016; WAGNER JUNIOR et al., 2008).

O Programa de Melhoramento Genético da Embrapa Clima Temperado, Pelotas/RS, vem desenvolvendo screenings a cada safra, a fim de se detectar e selecionar genótipos com resistência à podridão-parda (SANTOS et al., 2012; SANTOS; UENO, 2014).

Trabalhos resultantes dessas pesquisas têm demonstrado que existem diferenças entre genótipos de pessegueiro quanto à reação à podridão-parda, evidenciando a existência de variabilidade genética, além da confirmação do potencial da cv. Bolinha, como fonte de resistência à podridão de frutos (SANTOS; UENO, 2014).

Seleções da Embrapa Clima Temperado, que já foram descritas com algum nível de resistência à podridão-parda em frutos, são: Conserva 672 (WAGNER JÚNIOR, 2003), Cascata 962, Conserva 1187, Cascata 1063 (FABIANE, 2011), Conserva 1798, Conserva 1218, Conserva 1493 (SANTOS et al., 2012), SB9, SB25, Cascata 1281, Cascata 967, Conserva 1904, Conserva 1844 e Cascata 657 (SCARIOTTO, 2016). Ainda, cultivares que foram descritas no Brasil com bom comportamento frente à podridão-parda em frutos, são: ‘Tropic Beauty’, ‘Tropic Snow’, ‘Kampai’, ‘Rubimel’ (FABIANE, 2011), ‘Marfim’, ‘Jade’ e ‘Dourado II’ (SCARIOTTO, 2016).

Por outro lado, existem relatos de que não existe correlação entre a resistência da flor e a do fruto (SANTOS et al., 2012; WAGNER JÚNIOR, 2003), a seleção de genótipos resistentes deve ser feita para podridão na flor e no fruto de forma individual (RASEIRA; FRANZON, 2014).

Trabalhos feitos com resistência à podridão-parda em flores, no Brasil, descrevem com bons níveis de resistência as seleções da Embrapa Clima

Temperado, Cascata 1070, Cascata 1055 (FABIANE, 2011), Conserva 930 (SANTOS et al., 2012) e as cultivares Magno, Leonense (WAGNER JÚNIOR, 2003) e Jubileu (SANTOS et al., 2012).

Outros genótipos que já foram descritos em diferentes partes do mundo com bons níveis de resistência à podridão-parda em frutos, são as cultivares Dr. Davis, Ross e Walgant, e algumas seleções de polinização aberta da cv. Bolinha ou seleções de híbridos, onde um dos genitores era esta última cultivar mencionada (GRADZIEL; WANG, 1993). Trabalhando com M. laxa, as cultivares Contender, Glohaven, Maria Aurelia e Maria Bianca, foram apenas as quatro que apresentaram menos de 60% de seus frutos infectados depois de serem inoculados (BASSI et al., 1998). Também existem relatos que mencionam bons níveis de resistência à podridão-parda em genótipos autóctones do México, em genótipos do programa de melhoramento da Flórida e de New Jersey, nos Estados Unidos, e do programa de Harrow, no Canadá (BYRNE et al., 2012; RASEIRA; FRANZON, 2014; SCORZA; SHERMAN, 1996).

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