4.4 O Limite Newtoniano: for¸cas de mar´ e
5.1.1 Poeira e Fluidos Perfeitos
Vamos agora, discutir dois casos importantes de distribui¸c˜oes cont´ınuas de mat´eria- energia: poeira e fluidos perfeitos. Inicialmente vamos descrever um fluido: trata-se de uma distribui¸c˜ao cont´ınua de mat´eria-energia que “flui”. Explicando, considere uma distribui¸c˜ao cont´ınua de mat´eria-energia como antes. Fixe nela uma posi¸c˜ao de interesse p , uma dire¸c˜ao espacial especificada (relativa a um referencial de inte- resse) como ~n, e seja τ0 := T (~n,~l) onde ~l ´e uma dire¸c˜ao espacial ortogonal a ~n (veja
a figura (5.3)) em p, e onde T (~n,~l) ´e avaliado em p como descrito anteriormente na pagina (82). Dada uma camada da distribui¸c˜ao transversal a ~n e passando por p (representado pelo elemento de volume ∆V1 na figura), τ0 representa uma for¸ca de
cisalhamento6, que faz com que essa camada se desloque com uma 3-velocidade ~u0,
paralela `a ~l, relativamente a outra camada paralela separada por uma distˆancia Y (representada na figura pelo elemento de volume ∆V2). Nestas condi¸c˜oes, dois com-
Figura 5.3: Tens˜ao de cisalhamento.
portamentos qualitativos distintos podem ser identificados que s˜ao normalmente utilizados para caracterizar a distribui¸c˜ao cont´ınua de mat´eria-energia como um fluido (como uma distribui¸c˜ao de mat´eria-energia “que flui”):
1. S´olidos “resistem” a esse tipo de for¸ca de cisalhamento com uma for¸ca restau- radora do tipo el´astica, que ´e a respons´avel portanto, no presente contexto, de impedir a este tipo de distribui¸c˜ao cont´ınua de mat´eria-energia de fluir. 2. Fluidos n˜ao apresentam este tipo de for¸ca de “resistˆencia” el´astica a for¸cas de
cisalhamento. O que ocorre com este tipo de distribui¸c˜ao de mat´eria-energia ´
e que, se a camada ∆V2 ´e vista estacion´aria com a camada ∆V1 vista se mo-
vendo relativamente a ela da forma descrita, ent˜ao camadas intermedi´arias da distribui¸c˜ao s˜ao vistas se movendo com uma distribui¸c˜ao de 3-velocidades que aumenta linearmente com a distˆancia y a partir da camada estacion´aria: ~
u = y
Y ~u0. A tens˜ao de cisalhamento τy subsequente experimentada por estas camadas intermedi´arias (oposta `a suas 3-velocidade) ´e proporcional ao gra- diente de velocidade dk~uk
dy = 1
Y k~u0k. A constante de proporcionalidade se chama “viscosidade” do fluido, µ. Isto ´e, τy = −µ
dk~uk dy .
Para nossa discuss˜ao aqui, interessa em particular o caso dos chamados “flui- dos ideais”: definidos como fluidos em que as componentes do seu tensor energia- momentum s˜ao dadas por
Tµν = (P + ρc2)
uµuν
c2 + P ηµν.
Explicando mais detalhadamente, um pouco, o tensor energia-momentum para um fluido ideal ´e o tensor do tipo (0, 2) definido por
T ≡ 1
2(P + ρc
2
)u ⊗ u + P g, (5.3) onde:
• u ´e o campo de 4-velocidades para o fluido de interesse, visto como um tensor do tipo (0, 1). Este campo especifica em cada evento a 4-velocidade do ele- mento do fluido localizado na posi¸c˜ao espacial associada, no instante do evento de interesse, ap´os a especifica¸c˜ao de um referencial inercial;
• P e ρ s˜ao, respectivamente, a press˜ao e densidade do fluido em um evento de interesse, vistos em seu referencial instantˆaneo de repouso;
• g ´e o tensor m´etrico avaliado no evento de interesse.
Assim, se xµ ´e um referencial inercial global relativamente ao qual o tensor m´etrico
satisfaz g(∂µ, ∂ν) = ηµν para uma base do espa¸co tangente no evento de interesse,
temos neste evento:
(u ⊗ u)(∂µ, ∂ν) = (u · ∂µ)(u · ∂ν) = uµuν = (ηµαuα)(ηνβuβ)
= g(uα∂α, ∂µ)g(uβ∂β, ∂ν)
onde o vetor tangente u no evento de interesse ´e visto relativamente ao referencial xµ como u = uλ∂
λ. Ou seja: posto que neste caso as componentes de u relativamente
ao referencial xµ visto como um tensor do tipo (0, 1) s˜ao
uλdxλ := (ηθλuθ)dxλ,
teremos no evento de interesse (u ⊗ u)(∂µ, ∂ν) = uµuν. O que leva a equa¸c˜ao para
as componentes de T relativas ao referencial xµ:
T (∂µ, ∂ν) = Tµν =
1
c2(P + ρc 2
)uµuν + P ηµν.
Vamos olhar para as componentes de T no caso em que xµ´e o referencial de repouso do fluido. Neste caso, a 4-velocidade u de um elemento do fluido no evento deve possuir a forma [uµ] = (c, 0, 0, 0). Logo,
uµ= ηµβuβ = ηµ0c, uν = ηνβuβ = ην0c,
Tµν = (P + ρc2)ηµ0ην0+ P ηµν.
Isto nos fornece os seguintes resultados
T00 = (P + ρc2) − P = ρc2, (5.4)
Tii = (P + ρc2)ηi0ηi0+ P ηii = P, (5.5)
Ti0= (P + ρc2)ηi0η00+ P η‘i0 = 0, (5.6)
T0i= (P + ρc2)η0iη00+ P η‘0i = 0, (5.7)
Tji = (P + ρc2)ηj0η0i+ P ηji = 0, j 6= i, (5.8)
onde i, j = 1, 2, 3. Em termos de uma representa¸c˜ao matricial, podemos escrever
[Tµν] = ρc2 0 0 0 0 P 0 0 0 0 P 0 0 0 0 P
no referencial de repouso do fluido no evento de interesse, no qual T = Tµνdxµ⊗ dxν
est´a sendo avaliado. Conv´em observar que de uma forma geral a densidade de massa- energia medida no evento por um observador com 4-velocidade v no seu referencial de repouso ser´a a seguinte:
Tv c, v c = 1 c2Tµνv µvν = 1 c2ρv µvνη µθuθηνλuλ + 1 c4P v µvνη µθuθηνλuλ+ 1 c2P ηµνv µvν = P c4c 2(u0)2− P + 1 c4ρc 4(u0)2 = −P + P γ2(~u) + ρc2γ2(~u) = P (γ2(~u) − 1) + ρc2γ2(~u) = P|~v| 2 c2 γ 2(~u) + ρc2γ2(~u) = ρc2+ P|u| 2 c2 γ2(~u). (5.9)
Isto se reduz ao termo ρc2 quando o referencial de repouso do observador no evento
coincide com o do fluido, mas cont´em caso contr´ario termos dependentes da press˜ao. Estas considera¸c˜oes mostram o seguinte. Seja ˜xµ o referencial instantˆaneo de repouso do fluido (isto ´e, de elementos de volume ou de uma camada do fluido representadas por um elemento de volume) no evento de interesse. Se Tij denotam
as componentes do tensor energia-momentum do fluido avaliados neste evento vistas relativas a xµ para i, j = 1, 2, 3, vimos que ser´a T
ij = P ηij. Sejam n, l dois vetores
neste evento vistos como puramente espacias relativamente ao referencial xµno qual
assume-se que seja n = ni∂i, l = lj∂j. Ent˜ao, se l representa uma dire¸c˜ao espacial
no evento ortogonal a n, de forma que nkl
k= niljηij = 0, teremos que
T (n, l) = T (ni∂i, lj∂j) = niljTij = niljTij = (niljηij)P = 0.
Assim, camadas do fluido transversais a n na posi¸c˜ao espacial de interesse (isto ´e, associada ao evento de interesse) n˜ao experimentam nenhuma for¸ca de cisalhamento e nenhuma tens˜ao de cisalhamento provocada pelo deslocamento relativo de camadas do fluido paralelas vizinhas. Neste sentido, o fluido se comporta como um fluido de viscosidade µ = 0. Esta ´e uma propriedade fundamental de fluidos com tensor energia-momentum dado pela equa¸c˜ao (5.3), motivo de serem chamados de fluidos perfeitos ou ideais.
No caso em que o fluido possui press˜ao P nula dizemos que o fluido ´e uma “po- eira”. Para este tipo de distribui¸c˜ao de mat´eria-energia o tensor energia-momentum ´e dado por
T = ρc
2
2 u ⊗ u.