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3.2 Contracultura brasileira do segundo Pós-Guerra

3.3.1 A poesia de Nicolas Behr

3.3.1.1 Poesia fast-food

[...] no dia em que descobrirem minha poesia vão acabar com ela. Mas eu arraso antes. Digo que é fast-food, poesia fácil, eu mesmo me arraso. É uma defesa, um escudo. [...] No meu poema vale tudo, menos mentir. [...] Trinta por cento da minha obra têm valor literário. O resto é ejaculação precoce. (BEHR apud MARCELO, 2004, p. 47).

No trecho acima, retirado de uma entrevista, Nicolas Behr chama de fast-

food um importante recurso que utiliza em sua poesia: a escrita espontânea. De forma

irônica, o poeta afirma que a poesia fast-food está ligada ao poema de rápida leitura e compreensão. Malgrado a simplicidade que aparenta, seu texto revela uma série de referências e intertextos, principalmente com a música e a literatura de cunho mais popular, como a MPB, com escritores consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, e os provérbios populares. Behr (2012) confirma tais referências ao citar que parte do material que utiliza em sua poesia é proveniente de suas idas ao Beirute, que chama de bar mítico, ocasiões em que teve contato com a música popular e o estilo de vida boêmio.

No poema seguinte, por exemplo, Behr contrapõe a ideia da arte culta à da arte popular, comparando Brasília à sua poesia. Para o poeta, a arte monumental e construtivista da capital federal serve apenas à elite esclarecida e a seus próprios criadores. Já a arte behriana, de rápida leitura e compreensão, serve aos analfabetos, numa clara alusão ao povo brasileiro, ressaltando a iniciativa da poesia marginal de procurar sempre um diálogo mais próximo entre o poeta e o público.

arte

pra arquiteto ver poema

pra analfabeto ler (BEHR, 2009, p. 64).

119 Behr usa o termo “poesia fácil”, ao gosto da crítica da época, como deboche. À primeira vista, essa expressão é uma proteção, pois quando o poeta desmerece a qualidade de sua poesia, não é mais surpresa se algum crítico fizer isso. Mas, além de escudo, “poesia fácil” é uma ironia. Isso porque, por trás dessa curtição, se esconde uma preocupação criativa, afinal, o “desleixo” e a simplicidade que sua poética aparenta são propositais. O poeta marginal quer estreitar o contato entre a arte e a vida, a poesia e o leitor de poesia, e para isso escreve “poema/ pra analfabeto ler”.

Vale lembrar que Behr admite que sua poesia é mais que desabafo: é invenção e engenho. Em suas próprias palavras, “o papel aceita tudo” (BEHR, 2012), mas, para se chegar ao “não rigor” que a poesia fast-food sugere, é necessário o rigor. E é esse ponto que a crítica da época não soube compreender. Antes da produção da poesia marginal foi necessária a leitura do cânone. Esse rigor também se relaciona diretamente com a preocupação técnica da concisão. Para Behr (2012), “escrever é tirar”, e o poema deve se abster de todo o entulho literário a fim de chegar à verdadeira poesia. A pequena extensão de seus poemas comprova esse cuidado.

O poema behriano, portanto, além de “fácil” leitura e compreensão, também é de “rápida” leitura e compreensão. Sua forma breve está coerente com o ritmo frenético enfrentado pelos brasileiros nas grandes cidades e no aqui e agora de suas rotinas. Nesse ínterim, a vida se esvai sem que as pessoas se deem conta, tal qual a fugacidade que a leitura rápida do poema evoca. Nesse aspecto, a escrita espontânea de Nicolas Behr presta grande favor, ao deixar registrado, tanto no conteúdo quanto na forma, a fugacidade daquilo que se encontra na esfera do contemporâneo e da efemeridade da vida. Sobre isso Cabañas (2009, p. 72) comenta:

Um número considerável de poemas da época vai fazer presente o que parece ser uma consciência plena da finitude e sua dimensão, decorrente, pelo visto, dessa constatação empírica da realidade, razão pela qual a percepção sujeita-se firmemente à terrenalidade e esta aparece no espontaneísmo, na naturalidade e na intuição próprios da experiência empírica. [...] A insistência, então, num mundo absolutamente terrenalizado, naturalizado até, ou seja, finito, mas que se metamorfoseia contínua e rapidamente, talvez seja uma das primeiras indicações da existência de uma nova forma de se permitir perceber e sentir a realidade e, com isso, o próprio fazer poético [...].

A efemeridade, o viver o momento e a urgência da curtição, portanto, são ideias que aparecem nessa espontaneidade criativa em que a escrita poética privilegia no registro imediato e objetivo de impressões e observações. Nas palavras do próprio Behr

120 (2012), “a escrita espontânea é uma volta à infância, um momento de distração, sem a presença do ego, mais ligada ao prazer”. E o produto dessa escrita, quando exposta no papel, pouco deve ser modificado, para conservar a espontaneidade que ela objetiva, para que dela não escape a apreensão de um momento único. A seguir encontra-se um interessante poema de Behr que trata dessa fugacidade:

o fazer poético o sentido da vida

sentar na mesa de um bar e ver a vida passar

na forma de lindas mulheres tudo isso vai virar

matéria orgânica, meu filho comida de vermes

são apenas músculos no lugar certo e pouca roupa

ah, então deixa eu ver essa matéria orgânica passar deixa eu ser esse verme (BEHR, 2009, p. 173).

Nos dois primeiros versos são citadas questões importantes que antecipam a temática do poema: “o fazer poético/ o sentido da vida”. Os versos seguintes tratam da efemeridade da vida, representada no poema pela figura feminina, em que o eu-lírico assume o papel de espectador (“sentar na mesa de um bar/ e ver a vida passar/ na forma de lindas mulheres”). Em seguida, ele se dá conta do quanto a vida é passageira e de que aquelas lindas mulheres não passam de matéria orgânica, criaturas efêmeras e superficiais que “são apenas músculos/ no lugar certo/ e pouca roupa”.

Reconhecendo, então, a brevidade da vida e a transitoriedade do seu sentido e do seu significado, a efemeridade da matéria orgânica e a superficialidade da beleza física, o eu-lírico não se contenta em ser apenas espectador dessa fugacidade. Ele também quer usufruir disso tudo enquanto há tempo, viver a vida intensamente, ou seja, ser o verme ordinário que passeia pelos corpos das lindas mulheres que futuramente serão descartados.

Enfim, a expressão “poesia fast-food” representa muito bem a sua escrita espontânea. Essa técnica está em sintonia com a celeridade da leitura e da compreensão que caracteriza sua produção poética. Além disso, na sua poesia também estão presentes

121 os recursos da ironia e do deboche, atitudes que permitem ao poeta zombar de sua poesia e da sua própria condição de poeta. Tais características estão em conformidade com a poesia marginal da geração mimeógrafo, que resgata o culto ao presente, o registro do cotidiano e que brinca com a parcela de banalidade existente no mundo.

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