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1 ESCORÇO HISTÓRICO: A MULHER, A FAMÍLIA E O

2.2 Legislações Infraconstitucionais de promoção à isonomia

2.2.1 A polêmica dos artigos 384 e 386 da CLT

De forma a ilustrar a discussão vergastada no tópico anterior, no que diz respeito à constitucionalidade ou não das normas de tratamento diferenciado à mulher na legislação infraconstitucional, trazemos à baila a polêmica originada na aplicação dos artigos 384 e 386 da Consolidação Trabalhista.

O artigo 384, inserido dentre as normas de proteção ao trabalho da mulher na CLT, estabelece que “Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”. Tal direito, por se encontrar em capítulo específico destinado à trabalhadora, não é estendido aos homens.

Ocorre que, em virtude desse favoritismo, questionou-se se a vigência desse preceito não feriria o princípio da igualdade trazido pela Constituição Federal, uma vez que além do dispositivo não poder ser aplicado em relação aos outros trabalhadores, daria motivos para o empregador contratar preferencialmente homens, já que estes trabalhariam a hora extra sem a pausa prevista.

Em julgados recentes, decidiu o TST pela constitucionalidade do referido artigo, fundamentando o direito ao descanso de quinze minutos exclusivamente às mulheres em razão do maior desgaste físico sofrido por elas na realização do trabalho. Observemos a seguinte decisão proferida pelo Tribunal:

EMENTA. MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.

1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não- recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade

jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. [...] 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi

desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico

efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima

albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista

rejeitado. (negrito nosso)

(TST-IIN-RR-1.1540/2005-046-12-00.5, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Pleno, DJ 13/02/2009).

O TST alega, portanto, que o dispositivo em alusão é, no máximo, um instrumento adicional na busca pela isonomia entre os sexos, já que a mulher, além de suportar menos esforço físico, passa por um desgaste maior em decorrência da dupla jornada de trabalho a qual está submetida.

Entrementes, ao embasar esse tratamento diferenciado no fato de que cabe à mulher a maior parte das responsabilidades familiares, os doutos ministros acabam por regredir no tocante à busca pela igualdade entre os sexos, já que a própria Constituição Federal declara expressamente ser responsabilidade de ambos os cônjuges o dever de criar, assistir e educar os filhos66.

Por mais que na realidade prática essa divisão das tarefas domésticas ainda não ocorra de forma igualitária, o TST, como órgão supremo, formador de jurisprudência, pecou ao decidir conceder esse privilégio exclusivamente à mulher, ao retirar, de forma indireta, a responsabilidade do homem para com a família, uma vez que o direito ao descanso estaria ligado à fatiga advinda principalmente do cuidado com o lar.

Em decisões mais antigas, o Tribunal se manifestava pela inconstitucionalidade do dispositivo, afirmando o ministro relator Aloysio Corrêa da Veiga que o tratamento diferenciado não se justificaria, pois “A recomposição da

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fadiga, no ambiente de trabalho, é igual para o homem e para a mulher. Não há fragilidade a determinar o descanso do início da jornada extraordinária”.67

O artigo 386 da CLT também comporta discussões nesse mesmo sentido, pois traz um tratamento diferenciado para as mulheres no que diz respeito ao descanso remunerado, in verbis: “Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical”.

O objetivo do legislador ao estabelecer à mulher o direito à folga quinzenal preferencialmente aos domingos objetivaria, acima de tudo, proporcionar à mulher “uma oportunidade maior de conviver com seus filhos ou parentes nos dias de domingo, data em que a maioria dos trabalhadores usufruem de suas folgas”68, o que justificaria o tratamento diferenciado.

Tal dispositivo é analisado da mesma forma que o artigo 384, por tratar de norma especial voltada à proteção do trabalho da mulher, sendo também objeto de questionamento daquelas três correntes supramencionadas. A jurisprudência do TST acerca deste artigo segue a mesma linha do anterior, no sentido de que cabe o tratamento diferenciado à trabalhadora pelas mesmas razões esposadas.

Alice de Barros Monteiro entende como desnecessários os direitos trazidos exclusivamente à mulher que já tenham sido previstos para os trabalhadores de forma geral, como os descansos dos artigos 384 e 386 em comento, que constam nos artigos 66 a 71 da CLT. Para a autora, qualquer tratamento diferenciado que não se limite à proteção à maternidade e à gestação seria uma forma de discriminação.69

A legislação trabalhista deveria dispor tratamento igual para ambos os trabalhadores, de modo que o repouso semanal tanto do homem quanto da mulher pudesse recair preferencialmente aos domingos, buscando a melhor maneira de compatibilizar o trabalho com os interesses familiares. Dessa forma, coincidindo o

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TST-RR-1458/2004-033-015-40.1. Ministro Relator Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma. Julgamento em 29/10/2008.

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ARAÚJO, Luiz Antônio Medeiros de. Repouso Semanal Remunerado: Periodicidade e incidência

aos domingos. Boletim Informativo do Sindicato Paulista dos Auditores Fiscais do Trabalho - O Elo, Ano XXV, Edição nº 277, Jun/Jul/Ago de 2009, p. 13, disponível em <www.sinpait.com.br>.

BARROS, Alice Monteiro. A Mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 1995, p.481- 482.

dia de repouso dos pais, estes teriam um mesmo dia de folga para estar com a família e juntos entre si.

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