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Os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes estão assegurados no Sistema Único de Assistência Social – SUAS, sistema previsto no PNAS, como serviço de alta complexidade. Esses serviços competem a Proteção Social Especial – PSE46. Os serviços de acolhimento podem ser como o previsto em lei de caráter público estatal ou não estatal conforme afirma as Orientações Técnicas: Serviços de acolhimento para crianças e adolescentes47. Entretanto, pode ser observado que as instituições de acolhimento atualmente são em sua maioria de caráter privado. Elas trazem consigo o reforço de todo um histórico de filantropização, principalmente por instituições religiosas, e desresponsabilização e terceirização estatal que a área da assistência social possui. Levando ao reforço das práticas clientelistas, o âmbito de serviço como direito é cada vez mais sucateado pelo Estado48.

“A Assistência Social vem construindo políticas bastante distanciadas dos propósitos que lhe deram origem na carta constitucional, particularmente a partir do governo FHC. Posto que se viu imergindo no binômio seletividade e focalização, que desqualificam e deturpam uma proteção abrangente e universalista [...] As críticas continuaram tendo razões para existir. O governo Lula concebeu o Programa Bolsa Família como a prioridade e como a “cereja do bolo” de sua política de assistência social, quando em países desenvolvidos, a transferência de renda costuma ser o último dos recursos destináveis às famílias. Dessa maneira, vivemos um esvaziamento dos programas e serviços contínuos da assistência social voltados para os núcleos familiares” (MAIA, 2014, p. 78).

46 Maia, 2014, p. 76.

47 Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Disponível em: <www.mds.gov.br/cnas/noticias/cnas-e-conanda-orientacoes -tecnicas-servicos-de-acolhimentopara-criancas-e-adolescentes-1> Acesso em: 23 de março de 2010, p. 12.

48 Maia, op. cit., p. 77.

33 O distanciamento de uma política eficaz e efetiva ocorre à medida que a violência atravessa essas práticas de proteção social. A violência ocorre a partir do momento em que em época de neoliberalismo as políticas sociais, ao invés de serem universalizantes como afirma a lei, se tornam focalizadas e seletivas. Neste caso, as crianças e adolescentes que afligem a paz da sociedade não são inseridas nas políticas assistenciais. A respeito disso os autores Lemos; Galindo; Rocha (2012) vão ressaltar que:

“Na escolha, os que são vistos como perigosos ficam de fora da política social e vão ser alvo das políticas de segurança, apenas.

Assim, esta é uma violência contra a criança e o adolescente também, pois, os direitos são balizados por compensações econômicas e políticas e não pelas garantias fundamentais da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Os que violaram algum direito parecem ter todos os outros direitos suspensos, é o caso dos adolescentes e jovens pobres que cometem ato infracional” (LEMOS;GALINDO;ROCHA, 2012, p. 296).

As políticas de Assistência Social serão conforme o Paradoxo do biopoder conceituado por Foucault (1999) apud Lemos; Galindo; Rocha (2012) como aparatos de proteção e ao mesmo tempo de controle e exclusão:

[...] “Estado e sociedade acionam mecanismos para matá-las, em nome do monopólio estatal da violência ou até mesmo fora dele quando as deixa morrer por meio da negligência frente às diferentes formas de violação de direitos humanos. Uma das formas de validar o ato de matar e de deixar morrer é a ação de desqualificar certos grupos como não cidadãos e outros como cidadãos”

(LEMOS;GALINDO;ROCHA, 2012, p. 291).

Até hoje o binômio “em perigo” e “perigosas” divide a situação e destino das crianças e adolescentes no país. As crianças, antes consideradas “perigosas”, hoje são inseridas na política socioeducativa pelo SINASE – sistema nacional de atendimento socioeducativo. Já os infantes considerados “em perigo” que eram mandados para hospícios para menores, hoje são inseridos na política de

34 assistência social e de acordo com o proposto no estudo será dado ênfase ao serviço de acolhimento institucional.

O termo acolhimento Institucional ou programas de famílias acolhedoras foi utilizado para designar a prestação de cuidados alternativos a crianças e adolescentes afastados do convívio com a família de origem no Plano de Convívio Familiar anteriormente citado. Segundo esse mesmo Plano as crianças e adolescentes só serão afastados de suas famílias se for detectado algum risco físico e psicológico para as mesmas, que serão encaminhadas a instituições que promovam cuidados e condições favoráveis para o desenvolvimento saudável49. Segundo o Art. 92 do ECA, as instituições de acolhimento têm como princípio:

preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar;

integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; atendimento personalizado e em pequenos grupos;

desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; não desmembramento de grupos de irmãos; evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; participação na vida da comunidade local; preparação gradativa para o desligamento; participação de pessoas da comunidade no processo educativo. É importante ressaltar que a permanência no programa de acolhimento institucional não deve ultrapassar o período de 2 anos, exceto se comprovada a necessidade de acordo com o Art. 19 – 2º parágrafo.

Os autores farão uma crítica a essas práticas de acolhimento de crianças e adolescentes de rua feitas pelo Estado, por exemplo, ao se questionarem quem de fato está sendo protegido: se são as crianças sendo protegidas das ruas ou os cidadãos protegidos dessas crianças, através de uma limpeza urbana:

“A internação compulsória e involuntária de crianças e adolescentes hoje, no Brasil, realizada em vários estados é um exemplo também de uma política focal que retira das ruas, mas, ao mesmo tempo, recolhe de maneira tutelada e higienista para proteger não necessariamente crianças e adolescentes em situação de rua, mas o

49 BRASIL, Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. 2006.

35 consumidor que transita utilitariamente pela cidade e é visto como cidadão porque consome e trabalha enquanto crianças e jovens nas ruas, usuários ou não de crack são definidos como perigosos e em perigo e sem cidadania; objeto, portanto, e não sujeitos de fato de direitos” (LEMOS;GALINDO;ROCHA, 2012, p. 297).

Essa crítica nos faz pensar a respeito do perfil dessas crianças e adolescentes que estão sendo colocadas nos acolhimentos institucionais e no perfil de suas famílias. Segundo Fávero, Vitale e Baptista (2008) as famílias pobres são mais propensas a viver rupturas em suas trajetórias educacionais, relacionais, empregos instáveis e precários e constantes mudanças de moradia. Nessas circunstâncias as crianças e adolescentes são mais propensos a irem para uma instituição de acolhimento, visto que os papeis masculinos e femininos dentro da família estão fragilizados. Visto a fragilidade presente nessas famílias se faz necessário a utilização dos aparatos que a Política de Assistência Social disponibiliza como, por exemplo, os CRAS – Centro de Referência de Assistência Social50 que tem a função de ofertar serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social. Um de seus principais serviços é o de proteção e atendimento integral à família (PAIF) cujos objetivos é a prevenção da ruptura dos vínculos familiares e comunitários, a promoção de ganhos sociais e materiais e o acesso a benefícios e a programas de transferência de renda51.

De acordo com dados divulgados pelo IPEA – Instituto de pesquisa econômica aplicada - a respeito do perfil das instituições de acolhimento, 20 mil crianças estão abrigadas em acolhimentos institucionais não governamentais (65%) e com caráter religioso (67%). Dessas crianças 58,5% são do sexo masculino52, 63,3% afro-descendente53, 61,3% têm entre 7 e 15 anos e a parcela mais significativa está abrigada por um período de 2 a 5 anos (32,9%).Vale ressaltar que o prazo máximo de permanência previsto em Lei é de 2 anos. Dos abrigados 86,7%

têm família e apenas 58,2% mantêm vínculos familiares54. Número muito assustador

50 Está inserido na Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social.

51 Portal Brasil. Conheça o Centro de Referencia de Assistência Social. In Cidadania e Justiça. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2011/10/conheca-o-centro-de-referencia-de-assistencia-social>

Acesso em: 08.Mar.2016.

52 Ver anexo 1

53 Ver anexo 2

54 Ver anexo 3

36 visto que somente 5,8% dos casos estão impedidos judicialmente de manter contato com os familiares. Em relação ao motivo de acolhimento, a pobreza aparece com mais frequência55 (24,2%) seguida do abandono com 18,9%; 11,7% por violência doméstica; 11,4% por dependência química dos pais ou responsável; 7,0% por ter vivência de rua e apenas 5,2% por serem órfãos56. Esses dados nos mostram que pela ótica da classe social, das relações de gênero, raça/etnia, faixa etária e pela escolaridade, as atuais instituições de acolhimento ainda perpetuam um estereótipo de pessoas que “precisam ser separadas” de alguma forma da sociedade, pessoas que historicamente carregam diversas ocorrências de preconceito, exclusão, desamparo do Estado e desmonte dos direitos.

Faz-se importante pensar também a questão da intersetorialidade no processo de acolhimento institucional visto que há um discurso neoliberal de parceria entre o público e o privado no terceiro setor em que a maioria das instituições de acolhimento estão inseridas. Pois à medida que o serviço é oferecido por meios privados tem que andar em consonância com a Política de Assistência Social que é quem gere o serviço e em parceria com o judiciário que executa trazendo a tona o papel do judiciário e dos conselhos tutelares57 nesse processo.

Desta forma a intersetorialidade se faz importante para alcançar a totalidade dos problemas envolvidos nos processos ao articular as diferentes políticas e os diferentes ambitos envolvidos no acolhimento institucional para uma melhor prestação desse serviço e uma verdadeira garantia de direitos.

3 O acolhimento e a relação de culpabilização materna e o abandono paterno A Constituição Federal de 1988 já definia que a “família é a base da sociedade” (Art. 226) e dessa forma a instituição da família se tornou central nas formas de intervenção do Estado junto à sociedade, formando políticas voltadas

55 Segundo as normas, condição financeira não é motivo suficiente para a retirada de uma criança de sua família de origem visto que em casas como esses as famílias teriam prioridade ao acesso das políticas sociais compensatórias, por exemplo, Bolsa Família.

56 Ver anexo 4

57 De acordo com o ECA - Art. 136 – Parágrafo Único: Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família.

37 para o fortalecimento e proteção desta instituição, além de ser a máxima manifestação de garantia de direitos.

A definição de família é importante para se entender quais laços devem ser fortalecidos e para determinar a responsabilização de determinado indivíduo frente à vulnerabilidade de outros. A criança, assim, é vulnerável por estar neste período essencial de aprendizado de linguagem, comportamento, entre outros, e deve ser tutelada por um adulto.

Historicamente já houve diversas percepções para o que é considerado família. Por exemplo, havia a diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos. Atualmente a definição de família, pela legislação brasileira, segue a ideia expressa pela Constituição Federal de 1988, na qual “entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes” (Art.

226, parágrafo 4), estando em congruência com o ECA que define como família natural “a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”

(Art. 25).

A percepção de família, portanto, expandiu seus limites e não se limita ao pai, a mãe e seus filhos, a família se constitui por gerações determinando o núcleo familiar daqueles indivíduos, mas também pode ser de tipo “nuclear”,

“monoparental”, entre outros. Assim “não se trata mais de conceber um modelo ideal de família, devendo-se ultrapassar a ênfase na estrutura familiar para enfatizar a capacidade da família de, em uma diversidade de arranjos, exercer a função de proteção e socialização de suas crianças e adolescentes”. (Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, p. 24, 2006)

Essa centralidade da família e sua definição serão essenciais para a atuação de qualquer profissional dentro de qualquer política pública. A percepção de crianças e adolescentes como autores de direitos e em condição de “pessoa em desenvolvimento” (ECA, Art. 6) são questões essenciais para a forma de ação e intervenção dos Assistentes Sociais nas Instituições de acolhimento.

“A família não é uma concepção natural, estática e universal ela foi construída socialmente e passou por transformações no processo sócio-histórico, por ter a função de proteção, socialização de seus membros, de referência moral e principalmente por ser mediadora das

38 relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado. As famílias que não conseguem cumprir este papel entram nos processos de exclusão social, se tornando assim demanda para o Serviço Social” (SILVA, p. 9).

Segundo Santana (2013) a modernidade trouxe consigo novos arranjos familiares, fazendo com que a família seja compreendida para além de laços consanguíneos, mas de laços afetivos e de cuidado. O modelo familiar de pai, mãe e filhos ainda são predominantes na sociedade, gerando assim claras distinções de funções para cada um deles. Historicamente a autoridade é predominantemente masculina, entretanto com essas modificações no seio da família e com a entrada da mulher no mercado de trabalho, a mãe passa a ter sua autoridade reconhecida mesmo que de forma limitada. E por consequência, ao pai também tem sido delegado um papel mais afetuoso e de cuidado para além de sua função de mantenedor financeiro e de reprodutor. Para o autor, como a família não é baseada mais em aspectos de parentesco, os pais se ausentam de suas funções quando há uma separação, por exemplo. Desta forma não pretendo defender um modelo perfeito de família ou basear o estudo em um modelo específico, pelo contrário, creio, que a partir dos diversos arranjos familiares, podemos entender a relação entre o abandono paterno, o acolhimento institucional e a culpabilização materna.

Um folheto desenvolvido por terapeutas de crianças ingleses vai dizer que o papel do pai vai variar de acordo com a idade e o sexo das crianças: “para os meninos – o pai pode representar um modelo. Algumas pesquisas indicam que a influência do pai tem muito a ver com a futura sociabilidade do filho”. Já para as meninas “um bom relacionamento com o pai pode ter um impacto positivo na sua autoestima e em seu senso de identidade, principalmente na adolescência”. Em relação a questão temporal dessa relação, vai dizer que na adolescência o pai tem a função especial nessa fase de “ ajudar a estabelecer limites, ou ajudar que os adolescentes se tornem independentes”. Mas em geral, a autoridade paterna é importante no papel de socialização do indivíduo a partir do momento em que esse indivíduo cria uma identificação introjetando, assim, normas e autoridades sociais que é idealizada como ética do trabalho, sendo ela necessária para a reprodução social do trabalho, STELLA (2009).

Em pesquisa realizada pelas autoras Perucchi e Beirão (2007), as mães

39 entrevistadas atribuíram à paternidade uma função de participação efetiva e afetiva, principalmente na educação, pois essa participação é fundamental para a construção da personalidade das crianças. Corroborando com essa ideia, elas vão afirmar que “Esta concepção fica clara quando uma das informantes coloca a necessidade de ela ter “mais pulso firme” na educação dos filhos, como consequência da ausência de um pai na família, e a necessidade de se colocar em uma posição culturalmente concebida como masculina” (PERUCCHI e BEIRÃO, 2007, p. 64). Desta forma é possível perceber que as próprias mães também demandam uma maior participação dos pais para o funcionamento da dinâmica sócio-afetiva familiar.

O Artigo 3º do ECA define que: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Já o Plano Nacional de convivência familiar e comunitária afirma que o abandono seria a forma mais grave de negligência; logo o abandono afetivo também é uma negligência causando inconvenientes mentais, morais, espirituais e sociais. Desta maneira o abandono afetivo paterno também é uma infração ao Estatuto, sujeito a destituição do poder familiar, fazendo com que crianças e adolescentes entrem no sistema de acolhimento institucional.

De acordo com os autores TAVARES e ANGELUCI (2006) para além de questões psicológicas apenas, o afeto é qualificado como direito e é reconhecido pela doutrina como um dever jurídico, já que as famílias atuais estão se formando com bases afetivas e não mais biológicas e o abandono afetivo causa tantos danos quanto o abandono material. Para os autores:

O dever de criação e educação, de ter os filhos em sua companhia pressupõe muito mais do que do que prover alimentos e escolas. Os pais devem criar e educar seus filhos para torna-los pessoas felizes e com valores morais sólidos, necessitando para isso, no entanto, dar amor, afeto, carinho, companhia, atenção, segurança. A negligência afetiva dos pais não condiz com o adequado exercício do poder familiar, gerando danos de natureza moral, com graves consequências aos filhos (TAVARES e ANGELUCI, 2006, p. 254)

40 No município de São Paulo, os autores Fávero, Vitale e Baptista (2008) realizaram uma pesquisa com 49 famílias, cujas crianças estavam em acolhimento institucional. A mãe apareceu como a pessoa que mais cultiva os vínculos com filhos visto que é a que mais os visitam. A pessoa de referência desses abrigados é a mãe com 62% dos casos e o pai com 16%, levando em consideração que nenhuma das crianças tem tanto pai quanto mãe como responsáveis e pessoas de referência no processo58.

A discrepância de porcentagem entre a quantidade de pai e mãe como pessoa de referência nos acolhimentos institucionais pode ser explicada pelo abandono paterno que é tão frequente, que por sua vez pode ser justificado pela não identificação do papel desse pai no interior da família.

“Alguns autores têm chamado a atenção para esse fenômeno, correlacionando o rompimento do vínculo familiar por parte do homem com sua situação empregatícia, uma vez que, sendo seu papel clássico o de provedor, ao perder essa condição, ele pode sentir-se sem papel na família. A não-responsabilização paterna, muitas vezes, ocorre desde o período da gravidez da mulher, quando o companheiro a “abandona”; estende-se ao momento em que criança é registrada, ocasião em que somente a mãe assume a responsabilidade legal; e aprofunda-se com a ausência de cuidados e proteção por parte do pai aos filhos, o que pode resultar no acolhimento institucional se a rede social pessoal da mãe não puder ampará-la” (FÁVERO;VITALE;BAPTISTA, 2008, p. 45).

A não-responsabilização paterna desde o período da gestação pode ser evidenciada também pelo número de crianças e adolescentes que sequer possuem o nome do pai em suas certidões de nascimento. De acordo com um levantamento de dados feito pelo Conselho Nacional de Justiça, cerca 68 mil crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento no Distrito Federal59

58 Ver anexo 5

59 G1. DF tem 68 mil crianças sem nome do pai na certidão de nascimento, diz CNJ. Globo, Distrito Federal, 17 Dezembro 2015.

41 Na pesquisa mediatamente citada, os motivos do acolhimento são diversos e normalmente são mais de uma causa por criança. O maior deles foi o desemprego (13%), seguido de negligência familiar (11%)60. Observa-se então que essas duas causas possuem uma relação intrínseca, pois a partir do momento em que as famílias não possuem trabalhos formais e salários dignos para se manterem, acabam por negligenciar o cuidado com suas crianças e adolescentes.

“As famílias sentem-se desqualificadas e impotentes para lidar com as responsabilidades e condução da educação de seus filhos, para lidar com as situações cotidianas. As más condições de vida, de trabalho, o dia a dia de luta pela sobrevivência, faz com que se tornem explorados pelo capital. As famílias vivem e se mantém através de subempregos” (SANTOS, 2011, p.33.

Dos responsáveis entrevistados, 68% se identificam como chefe da família61 averiguando que 62% dos responsáveis são as mulheres (mães) podemos inferir que as mães dos acolhidos são chefes das suas famílias, e logo, responsáveis pelo sustento da casa. Essa dupla jornada feminina advinda da entrada da mulher no mercado de trabalho, e pelos novos arranjos familiares, faz com que as mulheres se tornem provedoras. Esse processo sobrecarrega a mulher, e quando o provimento não está acontecendo sucede o abandono materno que pode ser tanto por falta de condição material, como emocional, de acordo com Fávero, Vitale e Baptista (2008).

A sociedade tem o costume de olhar apenas o abandono materno e o trata como ponto principal para o acolhimento institucional. Não tem o costume de olhar os problemas estruturais e sociais que estão ao redor desse processo. Devemos levar em consideração também que não são mais apenas as famílias que abandonam suas crianças, mas há um movimento de abandono das famílias por parte das próprias crianças e principalmente adolescentes. Segundo Rizinni (2004):

Portanto, no presente lidamos, majoritariamente, com crianças e adolescentes que saíram de suas casas e viveram experiências de vida pelas ruas, e que têm passado por várias instituições. Além do

60 Ver anexo 6

61 Ver anexo 7

42 aspecto da fragilização dos elos familiares – antes percebido quase que unicamente como o abandono das crianças por suas famílias, que as deixavam nos internatos ou orfanatos – percebe-se claramente o movimento de rejeição por parte das crianças em relação às suas famílias. São elas que, com frequência, saem de casa. De acordo com suas histórias, fica claro que essas crianças sentiam-se como um peso (RIZINNI, 2004, p. 16).

Tanto o abandono paterno, quanto o materno são violências que as famílias cometem contra as crianças e adolescentes. Mas vale ressaltar que essa violência se inicia a partir de uma violência maior. Uma violência causada pelo Estado que não possui políticas sociais efetivas, que não fornece condições materias para essas mães, que mesmo solteiras, conseguiriam dar a devida assistência material, psicológica e afetiva para seus filhos, caso tivessem uma assistência. Um Estado que permanece mínimo, ausente nas questões verdadeiramente relevantes da vida familiar, que perpetua toda uma carga histórica de violência, discriminação, pobreza e culpabilização de mulheres e das famílias de classe social baixa, as que mais sofrem com as expressões da questão social.

43 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, as famílias sofreram diversas mudanças e intervenções do Estado. Todas essas mudanças tinham o intuito de favorecer o capital ou o Estado de alguma maneira sem onerá-lo. Porém os papéis sociais de uma típica família burguesa europeia não puderam ser consolidados, pois a realidade concreta do Brasil exigia que as mulheres entrassem para o mercado de trabalho para ajudar no sustento de suas famílias. Mudanças também ocorreram no trato com a infância e juventude, o que passa a ser um assunto de âmbito público e objeto de diversos direitos e políticas sociais. Entretanto, a dicotomia infância “perigosa” e “em perigo”

parece permanecer no atual discurso neoliberal.

A política de assistência social veio a partir do conceito de proteção social para suprir as necessidades humanas e uma das políticas inseridas nessa política maior de assistência é a de acolhimento institucional que se tornou o lócus do estudo. O motivo para crianças e adolescentes entrarem nesse serviço são diversos e o estudo mostrou que os principais são a pobreza e a negligência familiar. Tais motivos unidos ao perfil dos acolhidos de crianças negras perpetua um caráter histórico e até cultural do Brasil (herdado dos colonizadores europeus) de que as famílias pobres, negras e com algumas “disfunções” em seus papéis sociais são risco para a sociedade e para a ordem vigente, e em prol da proteção dos considerados cidadãos, vale agir de violência e manter sempre aprisionada essa camada da sociedade. Foi possível, então, através do estudo identificar as características e a realidade social dos acolhidos e de suas famílias como proposto inicialmente.

Alcançou-se também o entendimento sobre a questão afetiva como um direito a todas as crianças e adolescentes. O afeto, além de ser garantido em lei, também é de suma importância para a sociabilidade do indivíduo, principalmente em relação ao âmbito psicológico. Não é somente o afeto de pai e mãe que têm importância, mas o afeto familiar em geral, lembrando que foi compreendido como família as pessoas que se entendem por laços de afeto e cuidado e não somente biológicos.

Essas relações afetivas podem ser fortalecidas à medida que os serviços oferecidos do CRAS forem fortalecidos, entretanto o discurso neoliberal camufla a desresponsabilização do Estado ao trazer como solução a institucionalização.

Mantendo um discurso de proteção ao institucionalizar. O momento de

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